O Espetáculo da Humilhação do Brasil: A Banalidade do Mal e o Horror das Deportações de Brasileiros por Trump
O Espetáculo da Humilhação do Brasil: A Banalidade do Mal e o Horror das Deportações de Brasileiros por Trump
Vanessa Maria de Castro
Psicanalista
Professora da UnB
Brasília 25 de janeiro de 2025
As imagens dos 88 brasileiros deportados dos Estados Unidos nesta sexta-feira, 24 de janeiro, gravadas em território nacional, em Manaus, são um retrato cruel da política migratória dos Estados Unidos sob Trump. Algemados, acorrentados e impedidos de caminhar com dignidade, foram tratados com total desumanidade, como se fossem menos que seres humanos, quando, na verdade, são apenas trabalhadores que buscaram um futuro melhor e encontraram, no caminho, a brutalidade de um sistema que se alimenta da exploração e do descarte humano.
Esse espetáculo de humilhação não afeta apenas os deportados; ele reverbera profundamente na sociedade brasileira. Ao ver esses compatriotas, nossos irmãos e irmãs, tratados com tamanha brutalidade, os brasileiros também ficam marcados — não no corpo, mas na alma, pela imagem perturbadora desses concidadãos retornando à pátria dessa forma. As imagens das algemas e correntes, a postura subjugada, geram um impacto psicológico e emocional que ecoa em cada um de nós. O medo se instala nesse momento, um medo que paralisa, que nos imobiliza, deixando-nos consumidos pela raiva, pela repulsa e pela revolta.
Esse tipo de espetáculo é uma violência que vai além dos indivíduos diretamente afetados; ele afeta a dignidade coletiva de uma nação. O medo que surge é o medo de que essa violência se normalize, de que nossa história, nossa cultura e nossos valores sejam desprezados de forma irreversível. O silêncio diante dessa cena, a passividade, se torna um risco para todos. Não podemos permitir que essa humilhação, que já é uma marca cruel no corpo dos deportados, se transforme também em uma cicatriz em nossa consciência nacional.
A Violação da Soberania Brasileira pelos Estados Unidos
A pergunta que se impõe é: qual crime cometeram esses brasileiros para serem tratadas como prisioneiros ao andarem em solo brasileiro? A resposta é perturbadora. O mais grave é que essa ação do governo dos Estados Unidos afrontou a soberania brasileira e desrespeitou completamente a autonomia do país.
As cenas divulgadas foram registradas em território nacional, em Manaus. Por isso, a questão se coloca de forma ainda mais inquietante: que poder os Estados Unidos têm para conduzir brasileiros no solo brasileiro como se estivessem em território americano? Do ponto de vista das relações internacionais, isso é simplesmente apavorante e um convite à humilhação não só dos brasileiros deportados nas fotos, muitos deles jovens, mas de todo um povo. Os Estados Unidos agiram como se tivessem autoridade para operar sobre o território brasileiro, o que causa perplexidade e indignação.
Parece-me que a intenção é evidente: subordinar e forçar o Brasil a se curvar diante do poder dos Estados Unidos. As imagens divulgadas não são fruto do acaso; elas têm um propósito estratégico, com o objetivo de reafirmar a autoridade dos Estados Unidos, não só sobre os imigrantes, mas também sobre a soberania e a dignidade do Brasil enquanto nação. Essa ação revela uma tentativa explícita de reduzir um país soberano a um simples reflexo da vontade política dos Estados Unidos, tratando-o como uma extensão do poder dos Estados Unidos, e não como um ator autônomo e independente no cenário internacional.
Ao impor sua política migratória de forma coercitiva sobre o Brasil, o governo dos Estados Unidos desconsidera os direitos, a dignidade e a soberania do povo brasileiro. Esse modelo de deportação em massa não só destrói vidas individuais, mas também serve como um instrumento de dominação política, reafirmando a soberania dos Estados Unidos de maneira autoritária, sem qualquer respeito pelos países do Sul Global, que são tratados como extensões subordinadas da política externa norte-americana.
O Brasil não foi apenas espectador dessa violência; foi diretamente humilhado. O desembarque dessas pessoas em condições degradantes é um recado expresso: os Estados Unidos não reconhecem o Brasil como um parceiro a ser tratado com respeito, mas como uma nação subalterna, cujos cidadãos podem ser algemados, acorrentados e devolvidos como carga indesejada. Esse gesto não pode ser interpretado de forma ingênua. Ele revela um padrão de relações internacionais no qual os países do Norte impõe suas regras, e os do Sul são obrigados a aceitá-las, sob o risco de retaliações econômicas e políticas.
A banalidade do mal em operação
O que assistimos é a banalidade do mal em operação, conforme descrito por Hannah Arendt. Donald Trump é o rosto visível dessa barbárie, mas os eleitores que o apoiaram também são cúmplices, pois, ao validar esse sistema, tornam-se parte de uma orquestra de crueldade. Ao endossar suas políticas, eles reforçam um sistema que naturaliza a violência como parte do funcionamento da burocracia estatal.
O horror não vem apenas da brutalidade explícita, mas da frieza com que essas ações são conduzidas – como procedimentos administrativos rotineiros, como engrenagens de uma máquina que opera sem contestação. Deportar não é apenas remover imigrantes; é reafirmar quem tem o poder de definir quem pertence e quem deve ser expulso. Esse processo não é apenas sobre expulsar corpos, mas sobre punir e humilhar, gerando profundo sofrimento como parte de um espetáculo público. Qual é o prazer dessa cena? Que satisfação se encontra na exibição de vulnerabilidade e dor, quando a violência se torna parte do espetáculo para o público? O mais perturbador não é só a crueldade explícita, mas a forma como ela se normaliza e é aceita como parte do funcionamento de um sistema que age sem questionamento.
A ultradireita e a máquina da crueldade
A ultradireita dos Estados Unidos, que encontrou em Trump seu representante mais ruidoso, consolidou um modelo de governança baseado no medo, no racismo e na perseguição aos mais vulneráveis. Seu discurso xenófobo não é apenas retórica inflamada para agradar a uma base reacionária; ele tem consequências concretas, materializadas em leis, políticas e práticas como as que vimos neste episódio.
A solidariedade a esses brasileiros deportados, bem como às suas famílias, é fundamental. No entanto, não basta apenas o gesto de apoio; é preciso denunciar essa política como parte de um projeto de dominação global que utiliza a violência estatal como ferramenta de controle. Os que apoiam Trump, tanto no Brasil quanto fora dele, devem ser confrontados com essas cenas e questionados sobre o que significa compactuar com esse modelo de crueldade.
O Brasil sangra diante dessa brutalidade, e aceitar passivamente esse ataque é se curvar a um sistema que despreza nossa soberania e nossa gente.
Expresso minha solidariedade aos deportados e suas famílias, comprometendo-me, de forma incondicional, na luta contra a perpetuação dessa violência e injustiça. O horror dos tempos atuais exige enfrentamento. A história nos ensina que, diante da banalidade do mal, a pior resposta é o silêncio.
Muito boa reflexão, necessária.
ResponderExcluirTexto muito lúcido, assertivo, também com análise aguda.
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