A Batalha pelo Conclave: A Extrema Direita em Combate Contra os Direitos Humanos
Vanessa Maria de Castro
Que descanse em paz Papa Francisco.
Papa Francisco não foi apenas um Papa. Foi um ponto de resistência no coração de uma instituição milenar, marcada por disputas internas, silêncios cúmplices e lutas pelo poder. Enquanto o mundo era atravessado por ondas autoritárias — com Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil, Giorgia Meloni na Itália, Viktor Orbán na Hungria — ele se manteve na denúncia da desigualdade, do colonialismo moderno, da destruição ambiental, das guerras e da indiferença diante dos migrantes e refugiados.
Agora, com sua morte, a extrema direita católica e suas aliadas evangélicas e geopolíticas já se movem para tomar o controle da Igreja. Essa não é uma teoria conspiratória — é uma articulação concreta, que há anos se estrutura em torno de nomes, redes e financiamentos transnacionais.
Dentro da Igreja, essa ofensiva é liderada por cardeais e bispos ligados ao chamado “Clero Restauracionista”, que inclui figuras como Raymond Burke, nos EUA, abertamente contrário ao Concílio Vaticano II e crítico feroz das posições de Francisco sobre acolhimento a pessoas LGBTQIA+, mudanças climáticas e migração. Burke tem laços com think tanks ultraconservadores e fundações como o Instituto Dignitatis Humanae, que promove uma agenda católica anti‑direitos humanos e mantém conexões diretas com o trumpismo e com figuras como Steve Bannon.
Steve Bannon, por sua vez, articulou por anos a criação de uma “Internacional Conservadora Cristã”, aliando-se a setores da Igreja que rejeitam o pluralismo, os direitos das mulheres, o combate ao racismo e a justiça climática. Instalou-se no mosteiro de Trisulti, na Itália, com apoio de clérigos ultraconservadores, tentando formar uma “nova elite católica” contra “o globalismo” e “o marxismo cultural”.
Outros nomes de peso dentro do colégio cardinalício, como Gerhard Müller (ex‑prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé), também fazem parte desse movimento. Müller defende posições teológicas regressivas e alinha‑se ao discurso que combate os direitos humanos como “ideologia de gênero” ou “ameaça à tradição cristã”.
No Brasil, essa aliança se manifesta na aproximação entre setores do episcopado e o bolsonarismo, com apoio de figuras como Dom Fernando Rifan e movimentos como o Terço dos Homens, que em muitas regiões servem de plataforma para difusão do conservadorismo moral e político.
Essa articulação transnacional não está confinada ao Vaticano. Atua em universidades, ONGs, fundações, mídia digital e parlamentos, em conexão com o Opus Dei, os Legionários de Cristo, o movimento Comunhão e Libertação e outras organizações que disputam o comando ideológico da Igreja Católica.
A morte de Francisco, portanto, não é apenas o fim de um pontificado. É a abertura de um novo capítulo na guerra cultural e política que a extrema direita global trava contra os direitos humanos. O conclave que se aproxima será menos uma escolha espiritual e mais um movimento geopolítico.
Não se trata apenas de conservar tradições. Trata‑se de usar o poder simbólico da Igreja para legitimar projetos autoritários, misóginos, racistas e neoliberais. Trata‑se de uma ofensiva contra a dignidade humana e tudo o que ainda resiste.
Quem realmente tem chance?
Num momento em que o olhar do mundo se volta para Roma, o Colégio Cardinalício se prepara para escolher quem dará continuidade — ou redefinirá — o legado de Francisco. São cerca de 120 cardeais‑eleitores, vindos de todas as partes do globo, cada um portador de trajetórias e visões de Igreja distintas.
Entre eles despontam três nomes que concentram expectativa e apoio: o diplomata experiente Pietro Parolin, arauto da continuidade reformista; o pastor de coração aberto Matteo Zuppi, porta‑voz da justiça social italiana; e o carismático Luis Antonio Tagle, símbolo do Sul Global e da evangelização multicultural. Há, ainda, vozes alternativas — como Pierbattista Pizzaballa, Peter Erdő e Peter Turkson — que equilibram critérios geográficos e ideológicos, e perfis mais conservadores, a exemplo de Raymond Burke e Robert Sarah, que contam com bases tradicionalistas.
As avaliações convergem para três nomes com “consenso amplo” no Colégio Cardinalício (cerca de 120 eleitores) e cujas forças de apoio são as mais coesas:
1. Matteo Zuppi (perfil pastoral e bloco italiano consolidado)
2. Luis Antonio Tagle (força do Sul Global e apelo Francisista)
3. Pietro Parolin (continuidade diplomática e apoio moderado‑conservador)
Os demais — Pizzaballa, Erdő, Turkson — mantêm chances moderadas, atuando como alternativas de equilíbrio geográfico e ideológico; Burke e Sarah figuram em posições remotas, sem força eleitoral suficiente para vencer uma coalizão Francisista.
Quem será o novo Papa irá definir os caminhos da Igreja — e, com isso, terá impacto direto nas agendas de direitos humanos em todo o mundo.
Só morre quem não deveria morrer...
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