Palavras em Transe



Palavras em Transe

As palavras carregam em si o poder de transitar entre diferentes dimensões da experiência humana: o subjetivo, o coletivo, o íntimo e o político. Em seu movimento, elas assumem formas que vão além do que é falado, moldando-se pela escrita como um ato de escuta, reflexão e reconstrução. 

Há momentos em que as palavras revelam aquilo que parecia indizível, trazendo à superfície questões de dignidade, justiça e memória. Elas expõem as inquietações mais profundas, trazendo luz a sentimentos, dores e resistências que não poderiam permanecer no silêncio da alma. Em outros momentos, as palavras permanecem em um estado de trânsito, suspensas entre o que foi vivido e o que está por ser compreendido.

Esse movimento não é linear, mas profundamente transformador, atravessando territórios de resistência, subjetividade e criação, enquanto buscam um espaço onde possam se expandir e se renovar.

Quando escritas, as palavras não apenas narram, mas criam espaço para a multiplicidade de vozes que compõem o humano. Elas convidam à construção coletiva, ressignificando experiências que, embora pessoais, ecoam em esferas maiores, sejam elas sociais ou existenciais. E é nesse espaço que se encontra o valor da publicação: não como um simples ato de divulgação ou narcisismo, mas como um processo de entrega ao outro, um convite para que a palavra se transforme em algo coletivo. A palavra se expande, ganha novos significados e provoca novas reflexões, tornando-se parte de algo maior do que ela mesma.

A arte de publicar é, para mim, um gesto de entrega e partilha, um ato onde o "eu" se revela, ainda que de forma incompleta, pois somente posso falar de mim. Do outro, nada sei. Ao publicar, compartilho o que é meu, mas sei que, ao ser lido, o que era único e íntimo se transforma no olhar e na interpretação de quem lê. Esse é o paradoxo da escrita pública: o que nasce dentro de mim, só meu, ganha outras formas e significados à medida que atravessa o campo do outro, que o faz seu.

E, ao publicar as palavras, elas deixam de ser minhas; eu não as possuo mais em meu eterno jardim secreto de segredos. Elas se soltam, ganham autonomia e, ao serem lidas, se inserem no mundo, dialogando com as experiências e vivências dos outros. Elas se transformam e se refazem a cada novo olhar, a cada nova interpretação, tornando-se algo diferente de sua origem, algo que não pertence mais a quem as escreveu, mas ao coletivo de quem as recebe.

Publicar é abrir mão do eu mais profundo que guardamos em nosso recanto secreto. Ao expor aquilo que estava guardado, algo se perde, mas também se ganha. A intimidade, o segredo, o mistério – tudo isso é exposto ao olhar do outro, deixando de ser só meu. Esse ato de soltar, de libertar, é um convite para que a palavra se multiplique, se reinvente e se aproprie dos sentidos e significados que os outros conferem a ela. No momento em que ela é publicada, a palavra se torna um bem coletivo, uma partilha que foge ao controle de quem a escreveu e se insere na realidade do outro, criando um espaço de troca, reflexão e transformação.

Nesse fluxo, o transe das palavras se torna um processo contínuo de busca e metamorfose. Elas se movem, se reorganizam e se expandem, criando novas formas, novas interpretações, novos sentidos. A publicação, então, não é um fim, mas uma etapa dessa travessia, onde a linguagem, enquanto pulsação viva, articula o que está em movimento – tanto dentro de nós quanto no mundo que nos cerca. É nesse campo, onde o público e o privado se encontram, que o poder transformador da palavra se revela em toda sua potência.

Vanessa Maria de Castro
Janeiro de 2025



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