Entre o Púlpito e a Urna: Religião e Política nas Eleições Brasileiras de 2018 e 2022
Entre o Púlpito e a Urna: Religião e Política nas Eleições Brasileiras de 2018 e 2022
Vanessa Maria de Castro
Da Série: Pesquisas
Brasília
Junho de 2025
Resumo
Este ensaio resulta de uma pesquisa qualitativa realizada em 2022 com eleitores e eleitoras do Distrito Federal que se identificam com posições conservadoras e, em sua maioria, com comunidades evangélicas. O estudo é um desdobramento de uma investigação anterior, conduzida em 2018, e tem como objetivo compreender como se estruturam as percepções políticas desses(as) sujeitos diante das eleições presidenciais brasileiras. Por meio de entrevistas abertas e escuta atenta, foram analisados os sentidos atribuídos ao voto em Jair Bolsonaro, revelando que essa escolha está profundamente atravessada por afetos, valores morais, referências religiosas e mecanismos de defesa subjetivos. A pesquisa evidencia que muitos(as) participantes adotam uma leitura seletiva das doutrinas religiosas às quais dizem aderir, relativizando princípios como compaixão e justiça social, e privilegiando discursos de ordem, autoridade e combate ao que percebem como ameaças morais. A influência dos discursos pastorais nas redes sociais, a normalização da violência, a circulação de desinformação e o antagonismo em relação à esquerda se mostram decisivos na formação das escolhas eleitorais. A análise também revela a construção de uma religiosidade politicamente instrumentalizada, que se distancia das vivências espirituais comunitárias e se alinha a projetos autoritários. Por fim, a comparação entre os dados de 2018 e 2022 permite observar uma mudança na forma como os(as) entrevistados(as) expressam seu apoio ao bolsonarismo: se antes havia entusiasmo e afirmação, em 2022 há mais silêncio, racionalização e sinais de desconforto. Essa mudança subjetiva não implica uma ruptura com o projeto político, mas indica tensões que poderão influenciar futuras reconfigurações do campo conservador no Brasil uma ruptura com o projeto político, mas indica tensões que poderão influenciar futuras reconfigurações do campo conservador no Brasil.
Palavras-Chave:
Eleições presidenciais, extrema-direita, religião, conservadorismo religiões
------------------------------------------------------------------------------------------------
Deixe-me apresentar
Sou Vanessa Maria de Castro, professora da Universidade de Brasília (UnB), no Programa de Pós-Graduação em Direito Humanos e Cidadania, além de psicanalista, mãe e avó. Tenho familiares, amigos e a vida me atravessa como acontece com qualquer pessoa. Como pesquisadora, também sou um sujeito de fala, com minha própria história, afetos e desejos, assim como os participantes que entrevistei. Cada encontro, cada escuta, me desafia a compreender as complexas e múltiplas dimensões que moldam as narrativas políticas e sociais de nossos tempos.
Este estudo é parte de um ciclo contínuo de pesquisa iniciado em 2018, com o objetivo de entender as motivações, percepções e valores que orientam as escolhas políticas de eleitores conservadores, em sua maioria pertencentes a comunidades evangélicas no Distrito Federal. Em 2018, busquei entender o contexto eleitoral que culminou na ascensão de Jair Bolsonaro à presidência. Em 2022, retomei o campo com o propósito de aprofundar essa compreensão, explorando as mudanças nas narrativas e sentimentos dos eleitores após quatro anos de governo.
Agora, enquanto organizo a pesquisa para 2026, minha intenção é continuar acompanhando essas transformações, observando como o campo conservador se reconfigura em tempos de novos desafios políticos, sociais e culturais. Este estudo não se limita a um olhar sobre o passado ou o presente, mas busca construir um panorama dinâmico, que leve em conta as tensões, as continuidades e as rupturas no pensamento e na prática política desses sujeitos ao longo do tempo.
---------------------------------------------------------------------------------------------
Agradecimentos
A minha mais profunda gratidão vai para os entrevistados desta pesquisa, cujos gestos de generosidade e abertura tocaram-me de forma que palavras não conseguem expressar. Eles se entregaram, com coragem, ao compartilhar seus sentimentos e experiências, mesmo sabendo que em muitas partes de suas narrativas, nossos mundos se opunham de maneira quase irreconciliável.
Mas foi nessa divergência que encontrei o verdadeiro desafio do meu trabalho: a escuta. Mesmo nas profundas diferenças, fui tocada pelo esforço de tentar compreender, com empatia, a construção dos seus sentimentos e do que movia seus votos e visões. Cada história compartilhada foi uma janela aberta para o entendimento do outro, e, paradoxalmente, mais distante de mim, mas ao mesmo tempo mais perto, com cada palavra e cada gesto.
Aos meus entrevistados, ofereço minha gratidão não só pela generosidade de suas palavras, mas pela oportunidade de refletir sobre um mundo que, talvez, nunca venha a ser o meu, mas que existe e pulsa com uma verdade própria. O que me resta, então, é seguir ouvindo, tentando ver o mundo através de outras lentes, e, acima de tudo, entendendo que, no final, somos todos guiados por nossas próprias dores, desejos e sonhos.
Soneto de Gratidão e Ética da Escuta
Aos que abriram seus corações sem medo,
Generosos, seus mundos a mim revelam,
Mesmo com a dor que em seus olhos se enredo,
Cada história, um eco que me comove e desvela.
Entre divergências, tentei compreender,
Na ética da escuta, a arte de abraçar,
Os mundos distantes, mas faço florescer
O gesto de ouvir, “sem julgar”, sem faltar.
E, mesmo distante do que é meu e tão perto,
Na diferença, há uma verdade a se encontrar;
Um mundo que, ao meu olho, parece incerto,
Mas que pulsa e vive, sem deixar de sonhar.
E sigo, então, com o peso e o leve encanto,
De ouvir, compreender, com respeito tanto.
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Introdução
Este estudo apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa realizada em 2022 com eleitores do Distrito Federal que se identificam com posições conservadoras, nas quais valores morais e referências simbólicas desempenham papel central na orientação política. O objetivo principal é compreender como esses eleitores constroem suas percepções e motivações diante do cenário eleitoral presidencial brasileiro de 2022, especialmente em relação à figura de Jair Bolsonaro.
A investigação busca desvendar os sentidos atribuídos ao voto, destacando a articulação entre crenças, valores morais e afetos na construção das preferências políticas desse segmento. Ao analisar as narrativas produzidas pelos entrevistados, o estudo explora a instrumentalização de símbolos e discursos na arena política, revelando mecanismos de defesa subjetivos, legitimidades simbólicas e estratégias discursivas presentes no campo conservador.
Embora o foco central seja a análise dos dados coletados em 2022, ao final será realizada uma reflexão comparativa com os resultados da pesquisa anterior, realizada em 2018. Tal confronto permitirá identificar continuidades, transformações e tensões nas atitudes e discursos políticos desse eleitorado ao longo do período, marcado por intensas disputas morais, crises institucionais e polarização social.
Desde 2018, tenho pesquisado a percepção de eleitores conservadores sobre o processo eleitoral, suas expectativas e motivações na escolha dos candidatos no Distrito Federal. A realização de estudos em momentos distintos possibilita construir um panorama que explica as tendências eleitorais, bem como os fatores estruturais e conjunturais que influenciam a decisão de voto.
A presente pesquisa concentra-se na análise dos resultados obtidos em 2022, explorando as narrativas e os sentidos atribuídos ao voto, sem realizar neste momento uma comparação direta com o levantamento de 2018, que será abordada posteriormente. Por meio de entrevistas semiestruturadas, buscou-se aprofundar as motivações, valores e percepções políticas dos entrevistados, compreendendo os elementos que moldam suas escolhas e suas visões sobre o cenário político atual.
A relevância do estudo reside na ampliação da compreensão das inter-relações entre moralidade, símbolos e política nas eleições brasileiras recentes, revelando como dimensões subjetivas e afetivas influenciam não apenas a escolha eleitoral, mas também a configuração do conservadorismo no país. Ao aprofundar o exame desses elementos, este trabalho contribui para uma análise crítica dos desafios que a democracia brasileira enfrenta diante do crescimento da extrema-direita e da instrumentalização político-ideológica.
1 Apresentação da pesquisa de 2022
Este estudo dá continuidade a uma investigação iniciada em 2018, no contexto do processo eleitoral que resultou na ascensão da extrema-direita ao poder no Brasil. Naquele momento, a pesquisa buscava compreender como se constituíam as adesões ao projeto bolsonarista entre trabalhadores(as) de instituições públicas localizadas em uma cidade periférica do Distrito Federal. Em 2022, quatro anos depois, retorno aos mesmos espaços e interlocutores(as), com o propósito de aprofundar a escuta sobre o que pensam os(as) eleitores(as), que tipo de Estado desejam e quais sentidos atribuem à política, à democracia e ao exercício do voto.
A decisão de retomar o trabalho de campo junto aos mesmos sujeitos — funcionários(as) públicos(as) que atuam diretamente com a população — decorre do interesse em captar não apenas continuidades, mas também deslocamentos e reconfigurações nos modos de compreender a política, após um ciclo completo de governo de extrema-direita. O que se deseja é compreender como se atualizam, se fortalecem ou se transformam os discursos e afetos que sustentam esse campo político, especialmente em contextos marcados por desigualdade social, moralização das pautas públicas e avanço de narrativas autoritárias.
Assim, o estudo de campo foi realizado nos mesmos locais de 2018 e contou com vinte e duas participações, mediadas por entrevistas semiestruturadas aplicadas a funcionários(as) de instituições públicas que atendem à população de uma cidade periférica do Distrito Federal. Cabe destacar que, devido a mudanças de emprego, alguns entrevistados são diferentes daqueles que participaram das entrevistas em 2018.
O interesse em revisitar os mesmos locais de pesquisa em 2022, que foram investigados em 2018, visa aprofundar a compreensão do pensamento dos trabalhadores em relação à política brasileira e suas aspirações para a construção do país por intermédio do ato de votar, decorridos quatro anos da gestão de um governo marcado pela agenda conservadora e grande aproximação coma extrema direita. Assim, busca-se obter insights sobre a opinião desses indivíduos em relação aos votos que expressaram em 2018, bem como compreender o processo de escolha de seus candidatos para as eleições de 2022.
Por questões de ética e segurança dos participantes da pesquisa, manterei sigilo sobre o local em que o estudo foi realizado, assim como a possível identidade dos envolvidos. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise. Os participantes estão cientes das etapas do trabalho, mas não permitiram que suas identidades fossem reveladas.
As entrevistas foram realizadas nas duas semanas que antecederam o primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, que ocorreu em 2 de outubro, no Distrito Federal. Essa escolha metodológica teve como objetivo garantir a confidencialidade e segurança dos participantes, especialmente diante do contexto eleitoral brasileiro marcado por tensão, violência e ameaças, tanto em 2018 quanto em 2022.
A pesquisa contou com 22 moradores de cidades satélites de Brasília e regiões periféricas de Goiás, todos eleitores do Distrito Federal ou de Goiás com empregos formais. O grupo apresentou um perfil diversificado: a maioria era composta por mulheres entre 19 e 65 anos, tanto brancas quanto negras, com renda familiar variando de 3 a 15 salários-mínimos. Essa variação econômica foi acompanhada por diferentes níveis de escolaridade, desde pessoas com apenas o ensino fundamental incompleto (4 anos de estudo) até pós-graduadas.
Um aspecto marcante foi a diversidade religiosa dos entrevistados. A maioria declarou pertencer a denominações evangélicas e neopentecostais, como Assembleia de Deus, Igreja de Cristo e Adventista do 7º Dia, enquanto outros se identificaram como católicos ou sem religião. Essa pluralidade revela como diferentes tradições religiosas convivem e potencialmente influenciam as visões políticas nessas comunidades.
Todos os participantes tinham emprego estável, um fator que, combinado com as outras características, permitiu analisar como a estabilidade financeira, a localização geográfica periférica e as diferentes formações educacionais e religiosas se relacionam com suas percepções políticas. A pesquisa destacou a importância de considerar essas múltiplas dimensões para entender o comportamento eleitoral e as opiniões políticas em áreas periféricas do Centro-Oeste brasileiro.
Os resultados mostram que mesmo dentro de um grupo relativamente pequeno, há uma riqueza de experiências e perspectivas que refletem a complexidade social dessas regiões. Esse estudo serve como ponto de partida para investigações mais amplas sobre como fatores socioeconômicos, educacionais e religiosos se entrelaçam na formação das visões políticas em contextos urbanos periféricos.
1.1 As grandes tensões entre o governo Bolsonaro e o campo democrático (2019–2022)
O governo de Jair Bolsonaro (2019–2022) representou um momento de inflexão regressiva para os fundamentos democráticos no Brasil. O período foi atravessado por ataques sistemáticos às instituições, desmonte de políticas públicas, discurso de ódio contra minorias e corrosão de valores essenciais do Estado de Direito. Essas tensões afetaram especialmente mulheres, crianças, povos indígenas, pessoas negras, população LGBTQIA+ e movimentos sociais, marcando uma conjuntura de retrocessos que comprometeu o pacto democrático constitucional firmado em 1988 (Forner & Soares, 2024).
Desde o início do mandato, Bolsonaro adotou uma postura de confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Congresso Nacional. Questionamentos infundados ao sistema eleitoral, ameaças golpistas, apelos à intervenção militar e desqualificação da imprensa consolidaram uma retórica autoritária e desestabilizadora. Em entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro afirmou que aceitaria o resultado das eleições apenas se fossem "limpas e transparentes"
1.1.2. Direitos Humanos, Movimentos Sociais e Campo Progressista sob o Governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo de Jair Bolsonaro (2019–2022) representou um marco de inflexão autoritária no campo dos direitos humanos e das liberdades democráticas no Brasil. Desde sua campanha presidencial, o então candidato adotou um discurso de criminalização das pautas progressistas e de negação da diversidade, postura que se traduziu, durante o mandato, em ações concretas de desmonte institucional e hostilidade contra grupos historicamente vulnerabilizados .
Conselhos participativos foram extintos ou esvaziados, como o Comitê de Acompanhamento do PNDH-3, e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos passou a ser conduzido por figuras associadas a agendas fundamentalistas religiosas, desconectadas dos marcos normativos nacionais e internacionais (Carlos, 2021). O desmonte institucional de políticas para mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+, crianças e adolescentes teve consequências profundas, com aumento de violações, redução de serviços públicos e enfraquecimento da proteção estatal (Queiroz, 2022) (Solano, n.d.).
As mulheres foram particularmente afetadas. Políticas como a Casa da Mulher Brasileira foram descontinuadas, ao mesmo tempo em que a retórica presidencial reforçou estereótipos misóginos e naturalizou a violência de gênero, inclusive por meio de ataques diretos a jornalistas e lideranças femininas. A violência política de gênero aumentou, ao passo que a participação feminina em espaços públicos foi retraída, em um cenário de legitimação institucional da misoginia.
No campo da infância, houve cortes no orçamento da educação infantil, na merenda escolar e na atenção básica em saúde, impactando profundamente comunidades periféricas e populações indígenas (Federico & Avila, 2022). Durante a pandemia de Covid-19, a ausência de medidas voltadas ao bem-estar da infância expôs milhões de crianças à fome, à evasão escolar e à violência doméstica .
O governo adotou ainda uma postura abertamente anti-indígena, promovendo o enfraquecimento da Funai, a paralisação das demarcações e o estímulo à invasão de territórios tradicionais. O caso dos Yanomami, marcado por mortes evitáveis, desnutrição e contaminação por mercúrio, configura, segundo especialistas, um quadro de “política genocida” (Da Luz Scherf & Viana da Silva, 2023).
A população LGBTQIA+ também foi alvo sistemático de deslegitimação. Programas de acolhimento e enfrentamento à LGBTfobia foram desmontados, e as declarações do presidente contribuíram para o aumento da violência simbólica e física contra essa população. Como apontam estudos recentes, a política pública foi capturada por grupos antigênero, gerando a institucionalização da negação de direitos (Pereira et al., 2023; Prior, 2023) .
No que tange aos movimentos sociais, como o MST e o MTST, o governo promoveu sua criminalização sistemática. Discursos oficiais associavam a atuação legítima desses movimentos a práticas criminosas ou a uma suposta “ameaça comunista”, em uma reatualização de lógicas autoritárias . A repressão estatal foi acompanhada por uma campanha pública de deslegitimação, inclusive com o uso de redes digitais para difamar lideranças populares (Carlos et al., 2025) .
O ambiente cultural e educacional também foi alvo. Artistas, intelectuais, jornalistas, professores e servidores públicos progressistas foram perseguidos e desqualificados publicamente. A extinção do Ministério da Cultura e a censura indireta em editais de fomento à cultura foram acompanhadas por declarações estigmatizantes contra a produção artística nacional (Costa de Lima, 2023). Como destaca a autora, houve uma articulação direta entre censura, repressão simbólica e projeto ideológico autoritário.
A universidade pública sofreu cortes orçamentários, perseguição política a reitores e tentativas de cerceamento da liberdade acadêmica. A interferência do governo nas nomeações e a retórica contra o pensamento crítico configuram a guerra cultural
Essas práticas evidenciam uma escalada autoritária, com sinais claros de erosão democrática e uso do aparato estatal para silenciar vozes dissonantes. O resultado foi um ambiente de medo, autocensura e retração da crítica, legitimado por discursos de ódio e sustentado por redes digitais de difamação, resultando em um enfraquecimento profundo do pacto democrático no país (Lopes & Castro, 2022)
1.1.3 Povos Indígenas e Meio Ambiente
Durante o governo Bolsonaro (2019–2022), a política ambiental e indigenista foi conduzida sob uma lógica de desmonte institucional, negação científica e estímulo à exploração predatória dos bens naturais e dos territórios tradicionais. O projeto político-ideológico que orientou o período promoveu, de forma deliberada, o enfraquecimento das proteções legais e institucionais construídas ao longo de décadas por meio da luta socioambiental e dos movimentos indígenas.
Órgãos fundamentais como o Ibama e o ICMBio foram sucateados, com cortes orçamentários, nomeações de gestores sem qualificação técnica e esvaziamento de suas atribuições. A fiscalização ambiental foi severamente reduzida: segundo levantamento do Observatório do Clima (2021), o número de autos de infração ambiental caiu mais de 20% em comparação com o início do governo. Paralelamente, a área desmatada na Amazônia Legal bateu recordes sucessivos, com aumento de 59,5% entre 2019 e 2022, segundo dados do INPE (2022).
O governo atuou diretamente no incentivo ao garimpo ilegal em terras indígenas. O discurso presidencial favorável à mineração nessas áreas foi acompanhado da inação deliberada do Estado diante de invasões e crimes ambientais. Segundo o Cimi (Conselho Indigenista Missionário, 2022), o número de invasões a terras indígenas aumentou 137% entre 2018 e 2021. O caso do povo Yanomami, com mortes por desnutrição, doenças evitáveis e intoxicação por mercúrio, foi denunciado como crime contra a humanidade por organizações como a Human Rights Watch (2023) e a Apib (2023).
No plano internacional, o Brasil adotou uma postura negacionista da crise climática. Em declarações públicas, Bolsonaro e seus ministros ironizaram o aquecimento global e minimizaram a importância dos fóruns internacionais. Durante a COP 26 (2021), o Brasil chegou a apresentar dados manipulados sobre redução do desmatamento (Regattieri, 2023) (Araújo & Campos, 2022) (MISSIATTO et al., 2021) .
Em vez de reconhecer os direitos territoriais dos povos indígenas como estratégia de proteção ambiental — como apontam estudos do IPCC (2022) e do Relatório da FAO e FILAC (2021) —, o governo tratou essas populações como obstáculos à expansão econômica. O famoso discurso de Ricardo Salles sobre “passar a boiada” (reunião ministerial de abril de 2020, tornada pública pelo STF) tornou-se um marco simbólico do autoritarismo ambiental, revelando a intenção explícita de flexibilizar regulações ambientais sob a cobertura da pandemia.
Esse conjunto de ações configurou não apenas um retrocesso ambiental, mas também uma grave violação dos direitos humanos, especialmente dos povos originários. A articulação entre racismo ambiental, neocolonialismo e autoritarismo econômico aprofundou desigualdades históricas e comprometeu o futuro climático e democrático do país.
1.1.4. Educação e Cultura sob o Governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo Bolsonaro promoveu ataques sistemáticos à autonomia universitária, com retórica voltada à suposta presença do “marxismo cultural” nas instituições públicas de ensino superior . Essa narrativa foi usada para justificar intervenções políticas, como a nomeação direta de reitores indicados pelo Executivo, mesmo contrariando a lista tríplice votada pelas comunidades acadêmicas (M. L. Da Silva & Da Rosa, 2022; J. Duarte & Lima, 2022; Leher, 2021) (Leher, 2021).
Além disso, houve corte significativo no orçamento destinado às universidades públicas federais. Em 2019, o Ministério da Educação bloqueou cerca de 30% das verbas discricionárias das universidades, o que correspondeu a aproximadamente R$ 2,4 bilhões, prejudicando bolsas de pesquisa, permanência estudantil e funcionamento das instituições. Esses cortes impactaram sobretudo estudantes de grupos sociais historicamente vulnerabilizados, como negros, indígenas, mulheres e pessoas com deficiência, aumentando a desigualdade no acesso e permanência no ensino superior.
Em resposta, movimentos sociais e estudantis organizaram manifestações expressivas, como o “Tsunami da Educação” em 2019, que reuniu mais de 1,8 milhão de pessoas em mais de 200 cidades do país. No entanto, o ambiente institucional permaneceu marcado pela repressão e pelo enfraquecimento das estruturas acadêmicas, o que contribuiu para a deterioração do ensino, pesquisa e extensão (Girardi et al., 2023; Oliveira & Süssekind, 2019; A. J. V. dos Santos, 2019)(Martins Pereira, 2020). (Oliveira & Süssekind, 2019)
Na área cultural, o governo extinguiu o Ministério da Cultura, transformando-o em uma secretaria subordinada ao Ministério do Turismo, promovendo o desmonte das políticas públicas de fomento artístico e cultural. Programas importantes, como a Lei Rouanet, o Fundo Setorial do Audiovisual e o apoio a iniciativas culturais foram reduzidos drasticamente, comprometendo a produção e a diversidade cultural no país (Cavalcanti et al., 2020; D. E. Duarte & Benetti, 2022; Freitas et al., 2021; Lima, 2023)
(Aráujo Fernandes et al., 2022; Boito Jr., 2020; Castro & Castillo, 2021; Cyril Lynch & Paschoeto Cassimiro, 2021; Di Carlo & Kamradt, 2018; El-Jaick, 2020; Joffily et al., 2023; Schargel, 2020; L. G. Silva, 2023; Zimmermann, 2023). Paralelamente, o governo Bolsonaro adotou discurso revisionista em relação à história brasileira, especialmente em defesa da ditadura militar, retratada como “revolução” em falas oficiais ). O legado pedagógico de Paulo Freire, referência internacional em educação crítica e popular, foi atacado reiteradamente, associado ao que o governo chamou de “ideologia de esquerda” nas escolas.
A tentativa de implementar o projeto “Escola Sem Partido”, que buscava restringir o debate político e ideológico no ambiente escolar, reforçou a lógica autoritária de censura e controle sobre o conhecimento e a formação cidadã (Fernandes Macedo & Alvarenga, 2023; Knijnik, 2021; Santiago & Oliveira, 2020; G. F. da Silva et al., 2023; I. P. D. de Souza, 2021)
Esse conjunto de ações promoveu um ambiente de censura indireta, perseguição a artistas, intelectuais e educadores críticos, bem como enfraqueceu os espaços de resistência cultural e política, em um contexto de crescente polarização social e fragilização democrática.
1.1.5. Saúde Pública sob o governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo Bolsonaro enfrentou a pandemia de COVID-19 em um contexto marcado pelo negacionismo e pela descoordenação institucional. Desde os primeiros momentos da crise sanitária, o presidente minimizou a gravidade do vírus e estimulou condutas contrárias às recomendações científicas, impactando negativamente as medidas de controle da doença
A promoção do uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como cloroquina e hidroxicloroquina, foi uma estratégia adotada mesmo diante da ausência de evidências científicas sólidas, conforme estudos realizados pela Fundação Oswaldo Cruz. Essa política contribuiu para a disseminação da desinformação e para a resistência ao uso de máscaras, ao distanciamento social e, posteriormente, à vacinação.
A militarização do Ministério da Saúde, com a nomeação de ministros sem experiência técnica em saúde pública, gerou instabilidade na gestão da pandemia, comprometendo a coordenação nacional das ações e atrasando a aquisição e distribuição de vacinas (M. L. Da Silva & Da Rosa, 2022; Sodré, 2020). A alternância frequente no comando do ministério dificultou o planejamento e a execução eficaz das políticas públicas sanitárias
Os bloqueios orçamentários aplicados ao Sistema Único de Saúde (SUS) foram expressivos: entre 2020 e 2021, foram bloqueados cerca de R$18 bilhões, o que afetou programas essenciais, como atenção básica e vacinação (Ipea, 2022). Esses cortes prejudicaram diretamente a capacidade do SUS em responder à crise, especialmente em territórios periféricos e comunidades vulneráveis.
Até o final de 2022, o Brasil acumulava aproximadamente 700 mil mortes por COVID-19, tornando-se um dos países mais impactados globalmente pela pandemia (ministério da saúde, 2023). A distribuição dessas mortes evidenciou desigualdades históricas: populações indígenas, quilombolas e residentes em áreas periféricas sofreram impactos desproporcionais devido à negligência governamental e à ausência de políticas específicas para esses grupos (Ipea, 2022; Funai, 2022).
No campo indígena, a situação foi particularmente crítica. Povos como o Yanomami enfrentaram crises sanitárias graves, com mortes por desnutrição, contaminação por mercúrio e falta de assistência governamental adequada, revelando a dimensão genocida da política pública adotada (Garcia et al., 2022)
Além disso, a hesitação vacinal foi estimulada por declarações oficiais que colocavam em dúvida a segurança e a eficácia das vacinas. Essa postura dificultou o alcance de coberturas vacinais adequadas, com várias regiões do país não atingindo 80% da população com a segunda dose, fator que retardou o controle da pandemia (Fernandes et al., 2021; Fernandes-de-Oliveira et al., 2023; Fleury & Fava, 2022; Monari et al., 2021; Mota et al., 2023; Nogueira et al., 2022)
1.1.6. Economia e Trabalho no governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo Bolsonaro adotou uma política econômica ultraliberal, sob a liderança do ministro Paulo Guedes, pautada na agenda de privatizações e reformas estruturais que resultaram em retrocessos significativos nos direitos trabalhistas e sociais (Schuck Saraiva & Zago, 2021; M. F. G. da Silva & Teixeira, 2022; M. G. Da Silva & Machado Rodrigues, 2021) A reforma trabalhista e a reforma da Previdência, aprovadas nesse período, ampliaram a flexibilização das leis, reduzindo a proteção social dos trabalhadores formais e precarizando as relações de trabalho.
Com a pandemia da COVID-19, esse quadro se agravou com o aumento expressivo da informalidade no mercado de trabalho brasileiro. Dados do IBGE indicam que, em 2021, cerca de 40% da população ocupada estava em condições informais, sem acesso a direitos trabalhistas básicos, como férias remuneradas e seguridade social (IBGE, 2023) . Essa precarização impactou diretamente os trabalhadores em setores vulneráveis, como comércio, serviços e agricultura familiar.
Além disso, o governo promoveu o desmonte de políticas públicas essenciais para a segurança alimentar no país. O fim do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), em 2019, representou um retrocesso na coordenação das políticas de combate à fome e à pobreza foram enfraquecidos, contribuindo para o aumento da insegurança alimentar entre as populações mais vulneráveis (FAO et al., 2023; “FAO Publications Catalogue 2023,” 2023; “OECD-FAO Agricultural Outlook, 2014-2023,” 2015; Guimarães & Silva, 2020; Moraes et al., 2021; Porto et al., 2022) .
O relatório do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) alertam para o crescimento da fome no Brasil durante o governo Bolsonaro, com mais de 33 milhões de brasileiros vivendo em situação de insegurança alimentar grave até 2021 (FAO Publications Catalogue 2023, 2023) . Esse cenário evidencia o impacto das políticas econômicas e sociais adotadas, que ampliaram desigualdades e precarizaram as condições de vida da população trabalhadora.
1.1.6. Democracia e Instituições no governo Bolsonaro (2019–2022)
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a democracia brasileira enfrentou um dos seus períodos mais críticos em décadas, marcado por ataques sistemáticos às instituições democráticas. O presidente adotou uma retórica hostil e deslegitimadora direcionada principalmente ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Congresso Nacional e à imprensa, elementos fundamentais para o equilíbrio do sistema democrático brasileiro . Essa postura incluiu frequentes ameaças veladas e explícitas de ruptura institucional, com menções ao possível uso das Forças Armadas para interferir nos poderes Legislativo e Judiciário, enfraquecendo o regime democrático (Boito Jr., 2021; Koupak et al., 2021; S. A. da Silva, 2021)
O acirramento político após as eleições presidenciais de 2022 evidenciou o apoio de Bolsonaro e seus apoiadores a movimentos golpistas que contestaram os resultados eleitorais. A disseminação de fake news e teorias conspiratórias por meio das redes sociais e canais oficiais tornou-se uma estratégia central para minar a confiança da população no processo eleitoral, fomentando dúvidas infundadas sobre a lisura das urnas eletrônicas (Boito Jr., 2020, 2021). Essa estratégia não apenas alimentou a polarização, mas também produziu um ambiente de instabilidade e insegurança jurídica, ameaçando o funcionamento regular das instituições democráticas.
As redes sociais foram instrumentalizadas como espaços de radicalização e propagação de desinformação. A manipulação de conteúdos digitais, frequentemente por meio de algoritmos e grupos organizados, contribuiu para a criação de bolhas informativas que reforçaram a polarização política e dificultaram o diálogo público fundamentado em evidências (Mendonça; Santos, 2022). A proliferação de fake news teve impacto direto na desconfiança em relação às autoridades e aos mecanismos institucionais, contribuindo para o enfraquecimento da coesão social necessária para a manutenção da democracia (Cesarino, 2020; PAGOTO & LONGHI, 2021; Viscardi, 2020).
Além disso, o governo Bolsonaro promoveu a militarização de diversos setores da administração pública, especialmente do Ministério da Defesa e da Segurança Pública, ampliando o protagonismo das Forças Armadas na política nacional. Tal militarização foi utilizada como elemento simbólico para sustentar discursos autoritários e desestabilizar a ordem democrática ao sugerir que as Forças Armadas seriam árbitros legítimos das crises políticas .(Andrade, 2021; Franco & Maranhão Filho, 2020; Oliveira Zacarias et al., 2021; Pinho, 2022). Esse cenário gerou preocupação em diversos setores da sociedade civil e no meio acadêmico, que alertaram para o risco de um retrocesso democrático, enfatizando a importância da defesa do Estado de Direito e das instituições constitucionais.
O governo Bolsonaro promoveu um quadro de erosão democrática por meio de discursos, ações políticas e manipulação das redes sociais que questionaram a legitimidade dos poderes democráticos, fomentaram a polarização e criaram um ambiente propício a ameaças institucionais graves. A consolidação da democracia brasileira no pós-2022 dependeu e depende da resistência social, da atuação firme das instituições e do fortalecimento da educação para a cidadania e o pensamento crítico.
1.1.7. Política Externa no governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo Jair Bolsonaro promoveu uma mudança significativa na tradição diplomática brasileira, marcada historicamente pelo princípio do não-alinhamento e pela defesa do multilateralismo A política externa adotada entre 2019 e 2022 alinhou-se fortemente à agenda dos Estados Unidos sob o governo Trump, rompendo com a autonomia estratégica que o Brasil vinha cultivando nas últimas décadas. Este alinhamento automático resultou em um comprometimento explícito com as pautas e interesses geopolíticos norte-americanos, em detrimento das demandas e particularidades regionais e globais brasileiras (Gonçalves & Teixeira, 2020; Oliveira Moreira, 2020; Tomei, 2021; Wietchikoski & Svartman, 2020).
Além disso, o governo Bolsonaro buscou aproximação com regimes autoritários e nacionalistas, como a Hungria e Israel, em detrimento das tradicionais relações diplomáticas pautadas em valores democráticos e direitos humanos . Tal posicionamento contribuiu para o isolamento internacional do Brasil, sobretudo em temas sensíveis como a agenda climática, os direitos humanos e a cooperação entre países do Sul Global Na questão ambiental, o Brasil foi alvo de críticas severas por sua postura negacionista em relação ao aquecimento global e pelo aumento do desmatamento na Amazônia, o que fragilizou a posição do país em importantes fóruns internacionais, como a Conferência do Clima (COP). O governo Bolsonaro recusou compromissos multilaterais, dificultando a construção de coalizões globais para o enfrentamento das mudanças climáticas e ampliando o desgaste da imagem internacional do Brasil.
No campo dos direitos humanos, o governo adotou uma postura defensiva e negacionista frente a recomendações internacionais, como as do Conselho de Direitos Humanos da ONU, e minimizou denúncias relativas a violações contra povos indígenas, minorias e movimentos sociais. Essa atitude comprometeu a credibilidade do Brasil no cenário global, reduzindo sua capacidade de atuar como protagonista em agendas humanitárias e de justiça social (DALPRA AFONSO, 2022; De Franco & Maranhão Filho, 2020; Grossi & Alencar, 2020; T. S. B. Santos & Pádua, 2022).
Por fim, a política externa do governo Bolsonaro enfraqueceu os esforços tradicionais de cooperação Sul-Sul, que buscavam fortalecer a integração regional e a solidariedade entre países em desenvolvimento. O distanciamento de blocos como o Mercosul e a retomada de uma postura isolacionista comprometeram os interesses econômicos e estratégicos do Brasil na América Latina e África.
Assim, a política externa do governo Bolsonaro marcou uma guinada autoritária e alinhada a interesses hegemônicos externos, que resultou no isolamento internacional do Brasil, no enfraquecimento de sua autonomia diplomática e na perda de influência em temas cruciais para o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos globais.
1.2 Análise do governo Bolsonaro (2019–2022)
O governo Jair Bolsonaro (2019–2022) pode ser compreendido a partir de múltiplas perspectivas teóricas que dialogam entre si, iluminando sua complexidade no cenário político contemporâneo. Essa análise destaca o entrelaçamento entre o autoritarismo neoliberal, o populismo de direita, a crise da democracia liberal e a ascensão do neoconservadorismo cultural.
A partir da perspectiva do autoritarismo neoliberal, autores como Wendy Brown (2019) e David Harvey (2007) destacam como o neoliberalismo contemporâneo não se limita à esfera econômica, mas incorpora a repressão política e a erosão das instituições democráticas. Bolsonaro representa essa síntese, combinando um programa econômico ultraliberal com um forte aparato repressivo, que inclui a militarização do Estado e a ampliação do controle coercitivo (Harvey, 2013) . O “estado mínimo” na provisão social contrasta com um “estado máximo” na vigilância e repressão, o que aprofunda as desigualdades sociais e restringe direitos básicos (Brown, 2020; Brown et al., 2006 )
No campo do populismo de direita, teóricos como Chantal Mouffe (2018) e Cas Mudde (2019) apontam que Bolsonaro mobiliza uma base social pautada pelo conservadorismo moral, nacionalismo exacerbado e antagonismos contra inimigos internos — como minorias sociais, movimentos progressistas e a imprensa. Esse populismo não apenas legitima políticas autoritárias, mas também fragmenta a esfera pública e mina os mecanismos tradicionais da democracia liberal, promovendo a polarização política e a deslegitimação das instituições (“Chantal Mouffe,” 2003; Mouffe et al., 2014; Mudde, n.d., 2004, 2016; Mudde & Rovira Kaltwasser, n.d.)
Simultaneamente, o Brasil sob Bolsonaro insere-se no contexto global da crise da democracia liberal, que autores como Yascha Mounk (2018) e Thomas Piketty (2020) associam ao enfraquecimento das instituições republicanas, à desigualdade econômica e ao crescimento de discursos de ódio e intolerância. O governo reproduz essa tendência ao atacar o pluralismo, perseguir opositores políticos e difundir desinformação, configurando um regime híbrido, que combina formalmente eleições com práticas antidemocráticas (Atkinson, 2014; Crocker, 2015; Jones, 2015; Marleku, 2020; Piketty et al., 2014; Piketty & Saez, 2014)
Ademais, o neoconservadorismo cultural assume papel central na governança de Bolsonaro, na medida em que a agenda pública é orientada pela defesa de valores tradicionais, religiosos e familiares, em oposição às pautas de direitos civis, igualdade de gênero e diversidade sexual. Judith Butler (2020) destaca que essa política da moralidade atua por meio de exclusões simbólicas e materiais, reforçando estruturas patriarcais e racistas, e marginalizando grupos historicamente oprimidos, sobretudo mulheres, pessoas LGBTQIA+ e populações indígenas (A. Butler et al., 2018; J. Butler, 2004; Laura & Brasília, 2003; R. L. Segato, 1996, 2006, 2014; R. Segato & McGlazer, 2022).
Finalmente, esse conjunto de práticas e discursos autoritários e excludentes pode ser sintetizado no conceito do “governo da morte”, conforme proposto por Achille Mbembe (2019). A necropolítica define a lógica de um Estado que, ao decidir quem deve viver e quem pode morrer, institucionaliza a morte como instrumento de dominação política. O governo Bolsonaro aplicou essa lógica ao promover políticas que resultaram em negligência estatal, abandono das populações vulneráveis e estímulo à violência, como visto na condução da pandemia de COVID-19, no desmonte das políticas indigenistas e na repressão das minorias (Mbembe, 1992, 2002, 2003a, 2003b)
Essa análise revela que o governo Bolsonaro não é apenas uma crise conjuntural, mas um fenômeno estruturado que articula autoritarismo, neoliberalismo e conservadorismo cultural com consequências profundas para a democracia, a justiça social e a vida no Brasil.
1.2.2 O Brasil com Bolsonaro X democracia
A pesquisa iniciada em 2018 antecipava o embate eleitoral marcado pela ascensão de uma plataforma política de extrema-direita, culminando na eleição de Jair Bolsonaro (Castro, 2019a; Castro, 2019b). Este evento definiu um novo cenário para a política brasileira, transformando aelaboração de políticas públicas, especialmente aquelas com enfoque progressista, em uma arena de intensos confrontos. Nos quatro anos subsequentes, sob a administração de Bolsonaro, observou-se um esforço sistemático para desmontar políticas sociais e minar direitos humanos, intensificando as tensões dentro do aparato governamental
Após o período da ditadura civil-militar (1964–1985), o Brasil ingressou na chamada Nova República, marcada pela reconstrução democrática e por sucessivos processos eleitorais. No entanto, as eleições de 2018 representaram um ponto de inflexão ao evidenciar uma escalada preocupante da violência política e da intolerância ideológica. Esse pleito inaugurou uma fase de crescente polarização, em que o discurso político passou a incorporar, com intensidade, elementos de hostilidade, demonização do adversário e moralização da vida pública.
Em retrospecto, é possível afirmar que 2018 operou como uma abertura simbólica de uma “caixa de Pandora”, na qual vieram à tona afetos sociais represados — ressentimentos, medos e pulsões autoritárias — que passaram a circular com legitimidade no espaço público. A normalização de discursos violentos e o enfraquecimento da linguagem da civilidade e do compromisso democrático expressaram não apenas uma transformação no campo político, mas também mudanças profundas no imaginário de parte do eleitorado.
Assim, compreender a adesão a Jair Bolsonaro em 2018 e sua continuidade em 2022 requer analisar como valores morais, referências religiosas, afetos e percepções de ameaça foram mobilizados subjetivamente pelos eleitores. Esse processo não pode ser reduzido a categorias racionais ou programáticas; ele envolve, sobretudo, a construção simbólica de uma ordem desejada — pautada em autoridade, punição, proteção da família e combate ao "inimigo" — que se sobrepõe aos princípios democráticos convencionais, como pluralismo, tolerância e justiça social.
Fonte: Elaboração própria, adaptado de Avritzer (2018).
Desde 2013, o Brasil tem vivenciado um processo de corrosão institucional que desafia frontalmente os fundamentos da democracia representativa. O que Leonardo Avritzer nos oferece, com precisão analítica e acento histórico, é a ideia de uma democracia brasileira submetida a um movimento pendular — uma oscilação crônica entre momentos de expansão democrática e regressões autoritárias. Inspirado em Fernand Braudel, Avritzer nos alerta que, em nosso caso, não se trata de rupturas abruptas, mas de mutações silenciosas que vão minando, por dentro, o princípio da soberania popular (Avritzer, 2018)
As manifestações de junho de 2013, inicialmente impulsionadas por pautas difusas, abriram caminho para uma inflexão conservadora que culminaria no impeachment da presidenta Dilma Rousseff e na ascensão de uma retórica abertamente autoritária. Essa sequência de eventos, longe de representar um simples "desarranjo institucional", revela, segundo Avritzer, a ação concertada de setores das elites políticas, econômicas e judiciais na produção de um ambiente de exceção.
O diagnóstico de Avritzer encontra ressonância crítica em autores como Sérgio Buarque de Holanda e Pierre Rosanvallon. Do primeiro, recupera-se a crítica à “cordialidade” das elites brasileiras — não como afeto ou gentileza, mas como dominação travestida de legalidade seletiva, onde o império da lei se aplica com rigor apenas aos considerados inimigos. Do segundo, extrai-se a noção de “contrademocracia”: o modo como instituições de controle — notadamente o Judiciário e o Ministério Público — podem operar, paradoxalmente, contra os próprios mecanismos democráticos de escolha popular.
A análise é contundente ao mostrar que, entre 2013 e 2018, os princípios fundantes da democracia foram sistematicamente desestabilizados por práticas como o ativismo judicial, o uso abusivo de delações premiadas, e a naturalização da tutela militar. A intervenção federal no Rio de Janeiro, em 2018, não foi um episódio isolado: foi o sintoma visível de uma regressão institucional que fragilizou a capacidade de resistência democrática.
Avritzer aponta, de forma irrefutável, que a democracia brasileira não está apenas em crise — ela é cíclica, incompleta, submetida a disputas intensas entre projetos de país. Enquanto as elites se recusarem a aceitar os limites impostos pela soberania do voto, e enquanto mantivermos intactos os mecanismos institucionais que autorizam golpes legais e judicializações seletivas, continuaremos presos a esse pêndulo histórico, onde cada avanço democrático é rapidamente contestado por forças reativas.
Sua obra nos convoca, portanto, a pensar a democracia para além de suas formas procedimentais. Trata-se de enfrentar, com lucidez e coragem, as estruturas antidemocráticas que sobrevivem ao longo das décadas — inclusive dentro do próprio Estado. O desafio, como Avritzer adverte, não é apenas defender a democracia, mas reconstruí-la sobre bases mais justas, plurais e enraizadas na soberania popular.
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 deve ser compreendida como desdobramento e aprofundamento do processo de regressão democrática identificado por (Avritzer, 2018). Longe de representar uma ruptura isolada, seu governo operou como catalisador de práticas políticas já em curso desde 2013, intensificando o esvaziamento de canais institucionais, a deslegitimação de mecanismos de controle republicano e o ataque sistemático à participação popular. Sob sua gestão, os vetores autoritários ganharam forma institucionalizada: houve o questionamento reiterado das eleições, a recusa em reconhecer o papel mediador do Judiciário, a instrumentalização das Forças Armadas no debate político e a naturalização de discursos que colocavam em risco a convivência democrática. Nesse sentido, o governo Bolsonaro não apenas reforçou a tendência descendente do pêndulo, mas tencionou seus limites até o ponto de colocar em xeque os próprios fundamentos do pacto democrático estabelecido no período pós-1988.
1.3 Religião em Movimento: Expansão Evangélica e Reconfiguração do Espaço Público
Antes de apresentar os achados da pesquisa, é fundamental fazer uma ressalva analítica indispensável: para compreender de forma rigorosa as estratégias de articulação entre crença religiosa e ativismo político, torna-se necessário explicitar o que se entende por "igrejas evangélicas" no contexto brasileiro e como essas expressões religiosas se diferenciam entre si. Essa distinção não apenas tem valor heurístico, como também permite mapear com mais precisão os imaginários morais mobilizados por cada grupo e as formas específicas de engajamento político que assumem.
A análise do comportamento eleitoral de eleitores(as) bolsonaristas evidencia a centralidade da religião como matriz de significação política. Para que essa constatação não incorra em generalizações, é preciso distinguir entre as diversas tradições do cristianismo protestante, que possuem trajetórias históricas, doutrinas e relações com o Estado profundamente distintas. Apresenta-se a seguir um panorama sintético das principais correntes:
1.3.1 Protestantismo
Surgido no século XVI, o protestantismo histórico tem como figura fundadora Martinho Lutero, monge alemão cuja crítica às indulgências e à autoridade papal deu início à Reforma Protestante. Outros nomes como João Calvino e Ulrico Zuínglio também contribuíram para a consolidação do movimento. Suas principais características são a valorização da leitura individual da Bíblia, a salvação pela fé (sola fide) e uma ética do trabalho que, conforme análise clássica de Max Weber, articulou-se com os princípios do capitalismo nascente. Teologicamente mais doutrinário e institucionalmente estruturado, mantém maior autonomia em relação ao poder político (Barbosa, 2005; Caïrus, 2010; Carvajal, 1999; A. Da Silva, 2023; Gazolli Junior, 2022; Lutero, 2006; Matos, 2011; Normando Gonçalves Meira et al., 2021; Ribeiro, 2007).
Entre os principais estudiosos que se dedicaram ao protestantismo histórico estão o filósofo Immanuel Kant e o teólogo Søren Kierkegaard, que contribuíram para a valorização da moralidade e da fé subjetiva. Na sociologia, Max Weber é referência central, especialmente com A ética protestante e o espírito do capitalismo. Peter Berger também contribuiu para a compreensão das relações entre religião e modernidade .
Atualmente, o protestantismo histórico reúne entre 300 e 400 milhões de fiéis no mundo, com maior presença na Europa, América do Norte e Austrália. No Brasil, suas expressões mais significativas são a Igreja Presbiteriana (com cerca de 20 milhões de fiéis no mundo), a Igreja Metodista (aproximadamente 80 milhões de fiéis) e a Igreja Luterana (cerca de 75 milhões de fiéis globalmente), com presença especialmente relevante na região Sul.
1.3.2 Movimento evangélico
O movimento evangélico emergiu dos reavivamentos religiosos ocorridos entre os séculos XVIII e XIX, especialmente o chamado Grande Despertar nos Estados Unidos. Seus principais líderes foram John Wesley, fundador do metodismo, e George Whitefield, pregador itinerante. O movimento enfatiza a experiência de conversão individual, o “novo nascimento”, o evangelismo militante e a centralidade da experiência pessoal com Cristo. Diferencia-se do protestantismo histórico por sua maior flexibilidade doutrinária, informalidade litúrgica e foco na mobilização popular (Cunha, 2017, 2019; De Negri et al., 2023; Do Nascimento Cunha, 2020; Ferreira, n.d., 2020).
Estudiosos como Robert Wuthnow, Nancy Ammerman e Mark Noll analisam suas dimensões sociais, culturais e históricas, destacando o papel do evangelicalismo na formação de imaginários políticos contemporâneos. O movimento evangélico reúne atualmente entre 600 e 700 milhões de fiéis no mundo, com grande expansão na América Latina, África e Ásia.
As principais igrejas ligadas ao movimento evangélico incluem a Igreja Batista, a Igreja Metodista e a Igreja Presbiteriana — estas duas últimas compartilhadas com o protestantismo histórico, mas reorganizadas em variantes evangélicas de caráter mais missionário. No Brasil, o evangelicalismo constitui uma força religiosa de grande relevância e crescente inserção política .
1.3.3 Pentecostalismo
O pentecostalismo surgiu no início do século XX, especialmente nos Estados Unidos, como uma renovação do movimento evangelical, incorporando elementos que enfatizam as experiências espirituais diretas e intensas dos crentes. Seu principal ponto de destaque é o batismo no Espírito Santo, uma experiência considerada essencial para os fiéis, onde se acredita que o Espírito Santo se manifesta de forma visível e tangível na vida do cristão, através de fenômenos como a glossolalia (falar em línguas), curas milagrosas, profecias e outras manifestações espirituais.
Os pentecostais, ao contrário das igrejas históricas, enfatizam menos a teologia sistemática e mais a vivência imediata do sagrado. Apesar de inicialmente manterem distância da política institucional, seu crescimento numérico e territorial os levou a um papel cada vez mais ativo no espaço público. Entre os principais estudiosos do movimento estão Donald E. Miller, Paul Freston e Grant Wacker, que analisam sua expansão global, seu impacto sociopolítico e sua organização institucional (Magalhães, 2019; C. L. Mariz, 2013; Naftali Leal Quitério, 2019; Pantoja & Costa, 2013).
Essa ênfase no sobrenatural e nas manifestações do Espírito reflete a centralidade da experiência pessoal de fé. Os cultos pentecostais são marcados por intensa participação emocional e por práticas corporais como danças, cânticos e até manifestações físicas, como quedas e tremores, que são entendidas como sinais de intervenção divina. Essa vivência emocional da fé está profundamente ligada a uma expectativa de transformação. O pentecostalismo, mais do que uma doutrina rígida, é uma vivência intensamente prática, onde o crente busca, na experiência imediata com Deus, uma solução para seus problemas e uma mudança em sua realidade social.
A presença do pentecostalismo é particularmente forte em classes populares urbanas e periferias, pois essa fé oferece uma alternativa para a precariedade social e econômica enfrentada por essas camadas da população. O pentecostalismo não apenas oferece uma experiência de transcendência, mas também se articula como um movimento de resistência ao sofrimento, vendo nas manifestações espirituais uma forma de intervenção divina que pode transformar a vida dos crentes de maneira concreta. Por meio da fé, o pentecostalismo promete um milagre tanto em aspectos espirituais quanto materiais, muitas vezes associando a cura de doenças físicas ou emocionais à prática de fé e oração intensas.
Além disso, o pentecostalismo se espalhou rapidamente pelo Brasil e pelo mundo, criando uma rede de igrejas e movimentos que se adaptaram às realidades locais, mas mantendo os princípios centrais das experiências de fé intensas. No Brasil, o pentecostalismo tornou-se uma das maiores vertentes do cristianismo evangélico, com destaque para igrejas como a Assembleia de Deus, que se consolidaram como as maiores e mais influentes no país. Essas igrejas possuem forte presença nas periferias urbanas, oferecendo uma identidade religiosa para aqueles que, muitas vezes, não encontram apoio em outras instituições. A promessa de transformação, tanto espiritual quanto social, é um dos principais atrativos dessa vertente.
O pentecostalismo, com sua ênfase nas manifestações do Espírito Santo e nas experiências diretas de fé, tem sido uma poderosa ferramenta de mobilização espiritual, especialmente entre as classes populares. Seu apelo emocional e a promessa de intervenção divina imediata se conectam com as expectativas de mudança e a busca por soluções rápidas para problemas cotidianos, o que tem levado ao crescimento exponencial desse movimento religioso, particularmente nas zonas urbanas e periféricas.
O pentecostalismo conta com cerca de 280 a 300 milhões de fiéis no mundo. Suas principais igrejas são as Assembleias de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular e a Igreja Pentecostal Deus é Amor. No Brasil, as Assembleias de Deus constituem a maior denominação pentecostal, com forte presença nas periferias urbanas e crescente influência política.
1.3.4 Neopentecostalismo
O neopentecostalismo surgiu na década de 1970, evoluindo a partir do pentecostalismo clássico, mas com características distintas que o tornaram mais pragmático, midiático e focado na prosperidade material e espiritual. Ele se difere do pentecostalismo tradicional principalmente em sua ênfase na teologia da prosperidade, que prega que a fé pode resultar não apenas em bênçãos espirituais, mas também em sucesso financeiro, cura e vitória sobre as dificuldades da vida cotidiana. Esse conceito liga a fé à ideia de que, ao seguir os princípios espirituais corretamente, os fiéis podem alcançar riqueza material e prosperidade.
Caracteriza-se por uma teologia da prosperidade que associa fé, sucesso financeiro e vitória espiritual, além do uso estratégico dos meios de comunicação, da retórica de guerra espiritual e da polarização moral. Enquanto os pentecostais clássicos enfatizam o milagre e a cura, os neopentecostais mobilizam discursos de autoridade espiritual para afirmar poder sobre o mundo econômico, político e afetivo (C. L. Mariz, 2013).
Seu maior expoente no Brasil é a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo em 1977, com presença internacional. Outras denominações relevantes são a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Renascer em Cristo. O neopentecostalismo possui dezenas de milhões de fiéis, com ampla presença nas grandes cidades brasileiras e atuação estratégica no campo político, especialmente a partir dos anos 2000. Entre os principais estudiosos do neopentecostalismo destacam-se Ronaldo de Almeida, Cecília Mariz e Paul Freston (Freston, 2002, 2018, 2019; Harismendy, 2006; C. Mariz, 2013; C. L. Mariz, 2007, 2013; C. L. Mariz et al., 2021; C. L. Mariz & Moreira, 2022; OFFUTT, 2009; Souza Neto et al., 2022).
Uma das principais características do neopentecostalismo é seu uso estratégico dos meios de comunicação para propagar sua mensagem. Igrejas neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), são mestres em manipular a mídia, utilizando televisão, rádio, internet e outras plataformas digitais para alcançar milhões de fiéis, muitas vezes com uma retórica que mistura fé com técnicas de marketing. A ênfase na “cura divina” e “libertação espiritual” é central, mas é acompanhada pela promessa de transformação material e financeira para os seguidores que se comprometerem a seguir os ensinamentos de seus líderes.
A guerra espiritual é outra característica marcante do neopentecostalismo, onde a luta contra as forças do mal é retratada como uma batalha ativa no campo político, social e econômico. Os neopentecostais frequentemente mobilizam os fiéis em ações políticas e sociais visando transformar a sociedade, por meio de uma polarização moral que divide a sociedade entre o "bem" e o "mal". Essa polarização não se limita apenas ao campo religioso, mas se estende ao campo político, com os líderes neopentecostais frequentemente se posicionando de maneira firme contra pautas progressistas e se aliando a movimentos conservadores.
A ênfase na prosperidade e na autoridade espiritual também é um ponto de diferenciação. Enquanto os pentecostais tradicionais focam mais em manifestações sobrenaturais como milagres e curas, os neopentecostais utilizam um discurso de poder espiritual para afirmar que a fé pode influenciar diretamente o sucesso pessoal, o status social e a estabilidade econômica. Os líderes dessas igrejas, muitas vezes figuras carismáticas, afirmam possuir autoridade divina para "determinarem" a mudança na vida dos fiéis, o que fortalece ainda mais o controle exercido sobre os seguidores.
Esse movimento também é profundamente polarizador, em que se cria um "nós contra eles", com os neopentecostais se posicionando como defensores da moral cristã tradicional contra o que consideram serem as ameaças da modernidade — como o secularismo, os direitos LGBT+ e outras pautas progressistas. Em muitos contextos, essa polarização se estende ao apoio a partidos e políticas conservadoras, com representantes neopentecostais ocupando posições políticas de destaque, influenciando decisões legislativas em prol de valores tradicionais.
No Brasil, o neopentecostalismo teve um papel crescente, especialmente a partir dos anos 1980, com a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) se destacando como uma das maiores e mais influentes, não apenas no campo religioso, mas também no campo político e empresarial. Líderes como Edir Macedo, fundador da IURD, não apenas consolidaram o poder religioso, mas também se expandiram para o setor midiático e empresarial, criando um império midiático com a Record TV, uma das maiores redes de televisão do país.
O neopentecostalismo representa uma vertente do cristianismo que mistura elementos espirituais tradicionais com uma abordagem pragmática voltada para o sucesso material e social, utilizando da mídia e da retórica de poder espiritual para se expandir. Esse movimento não só tem influenciado a religiosidade no Brasil, mas também exercido um impacto crescente nas esferas políticas, sociais e econômicas.
Além das quatro grandes correntes descritas — protestantismo histórico, movimento evangélico, pentecostalismo e neopentecostalismo —, observa-se no Brasil contemporâneo a emergência de formas mais fluidas e híbridas de cristianismo evangélico, fortemente influenciadas pelo chamado pentecostalismo de terceira onda (ou movimento neo-carismático). Essa vertente surgiu nos Estados Unidos a partir dos anos 1980, vinculada à figura do pastor John Wimber e ao movimento “Vinha” (Vineyard), e se caracteriza por combinar a crença nos dons espirituais com uma teologia menos dogmática, maior abertura ecumênica e intensa utilização de linguagens midiáticas e corporais.
No contexto brasileiro, essa forma de pentecostalismo tem influenciado a formação de igrejas independentes, comunidades urbanas não denominacionais e redes de jovens evangélicos que se afastam das hierarquias tradicionais e buscam uma espiritualidade mais performática, emocional e relacional. É o caso, por exemplo, da Igreja Batista da Lagoinha, Sara Nossa Terra, Comunidade das Nações, Igreja Videira e outras expressões ligadas ao universo gospel contemporâneo.
Essas igrejas, embora diferentes entre si, compartilham características como:
Ênfase na experiência individual de transformação espiritual e cura emocional;
Discurso motivacional associado à realização pessoal;
Forte investimento em estética, música e cultura digital;
Aproximação entre espiritualidade e empreendedorismo, com apelo a classes médias urbanas.
A atuação política dessas igrejas tende a ser menos institucionalizada que a das igrejas neopentecostais, mas seu discurso moralizante e seu engajamento em pautas de costumes também contribuem para a reconfiguração do espaço público, sobretudo entre jovens. Estudiosos como Ronaldo de Almeida, Marcos Alvito e Allan Anderson têm apontado esse segmento como um campo fértil de transição entre o religioso e o cultural, entre o comunitário e o mercadológico.
Embora não se constitua como uma corrente teológica com contornos bem definidos, o pentecostalismo de terceira onda atua como zona de articulação entre diferentes modelos religiosos, combinando elementos pentecostais, evangélicos e até terapêuticos em formatos inovadores e altamente adaptáveis ao mercado religioso contemporâneo.
1.4 Relação entre as correntes evangélicas e a extrema direita no Brasil
A literatura acadêmica sobre o campo evangélico no Brasil indica que, embora todas essas correntes religiosas tenham algum grau de inserção política, a aproximação com a extrema direita é mais pronunciada e consolidada no segmento neopentecostal. Pesquisadores como Paul Freston, Ronaldo de Almeida, e Cecília Mariz destacam que as igrejas neopentecostais desenvolveram estratégias discursivas e práticas políticas alinhadas a uma agenda conservadora, pautada pela teologia da prosperidade, moralidade tradicionalista e polarização ideológica (Almeida, 2011, 2006; Freston, 2002, 2018, 2019; Guerreiro & Almeida, 2021; Harismendy, 2006; C. Mariz, 2013; C. L. Mariz, 2007, 2013; Souza Neto et al., 2022).
Essas igrejas neopentecostais utilizam intensamente os meios de comunicação e mobilizam seus fiéis em apoio a projetos políticos que valorizam a ordem, o autoritarismo e uma visão moral restritiva, o que as torna importantes atores da chamada "direita evangélica" e da emergência da extrema direita no país. Em particular, sua relação com o bolsonarismo e a defesa de pautas políticas conservadoras é amplamente documentada.
Por outro lado, as correntes do protestantismo histórico e do movimento evangélico clássico tendem a apresentar uma postura mais moderada e institucionalizada, com menor envolvimento em polarizações extremas. Embora também possam manifestar posições conservadoras, essas tradições mantêm em geral uma relação mais cautelosa e diversificada com a política partidária, preservando certa autonomia em relação a projetos políticos radicais.
O pentecostalismo tradicional situa-se em um meio-termo, tendo ampliado sua presença política nas últimas décadas, mas sem o mesmo grau de radicalização ou alinhamento explícito com movimentos de extrema direita como os neopentecostais.
O pentecostalismo de terceira onda / neo-carismático apresenta um perfil heterogêneo, com segmentos que variam desde posturas conservadoras próximas da direita religiosa até abordagens mais progressistas ou centristas, dependendo do contexto local e da liderança.
Assim, embora não se possa generalizar que todas as igrejas evangélicas estejam ligadas à extrema direita, a literatura evidencia que o neopentecostalismo é a vertente que mais se associa a essa esfera política no Brasil contemporâneo.
Quadro 02 : Quadro comparativo das principais correntes protestantes no Brasil contemporâneo
Fonte: Adaptado de Almeida (2011, 2006), Barbosa (2005), Caïrus (2010), Carvajal (1999), Cunha (2017, 2019, 2020), Da Silva (2023), De Negri et al. (2023), Ferreira (2020), Freston (2002, 2018, 2019), Gazolli Junior (2022), Guerreiro e Almeida (2021), Harismendy (2006), Lutero (2006), Magalhães (2019), Mariz (2007, 2013, 2021, 2022), Matos (2011), Meira et al. (2021), Offutt (2009), Pantoja e Costa (2013), Quitério (2019), Ribeiro (2007), Souza Neto et al. (2022).
A análise das distintas vertentes do protestantismo no Brasil e no mundo exige um aparato bibliográfico diversificado, capaz de captar as especificidades teológicas, históricas, sociológicas e políticas que marcam cada corrente. No caso do protestantismo histórico, a obra clássica de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo (2004), permanece central para compreender a articulação entre fé, disciplina moral e racionalização econômica. Complementarmente, Peter Berger, em O dossel sagrado (2004), oferece uma teoria sociológica da religião que contribui para situar o protestantismo dentro de processos de secularização e pluralização religiosa. No campo filosófico, Immanuel Kant, com Religião dentro dos limites da simples razão (2009), e Søren Kierkegaard, em O desespero humano (2010), são referências incontornáveis na análise da subjetividade e da experiência moral da fé protestante.
Para o movimento evangélico, especialmente aquele surgido dos reavivamentos religiosos anglo-americanos dos séculos XVIII e XIX, destacam-se as contribuições de Robert Wuthnow, que em The restructuring of American religion (1988) examina os efeitos socioculturais do evangelicalismo nos Estados Unidos. Nancy Ammerman, por sua vez, em Bible believers (1987), investiga práticas de vida e sentidos comunitários entre evangélicos fundamentalistas. Já Mark Noll, em The rise of evangelicalism (2003), oferece um panorama histórico-intelectual da formação do movimento, com atenção especial à sua base teológica e cultural.
No que se refere ao pentecostalismo, a bibliografia internacional reúne nomes como Paul Freston, que em Evangelicals and politics in Asia, Africa and Latin America (2001) analisa a inserção política dos pentecostais no Sul Global. Grant Wacker, em Heaven below (2001), examina os aspectos culturais e espirituais do pentecostalismo nos Estados Unidos, enquanto Donald E. Miller e Tetsunao Yamauchi, em Global Pentecostalism (2007), exploram as práticas sociais e o engajamento público de comunidades pentecostais em contextos globais.
A vertente neopentecostal, que se desenvolveu com maior força a partir da década de 1970, especialmente no Brasil, conta com estudos aprofundados como o de Ronaldo de Almeida, autor de A força da bênção (2023), sobre a teologia da prosperidade na Igreja Universal. Cecília Mariz, em Religião e pobreza (1994), oferece uma perspectiva latino-americana crítica sobre o papel das igrejas neopentecostais em contextos de vulnerabilidade social. Já Paul Freston, em Religião e política no Brasil (2019), articula a análise institucional e histórica da atuação política evangélica nas últimas décadas.
Por fim, o chamado pentecostalismo de terceira onda, também referido como movimento neo-carismático, tem sido objeto de estudos como o de Allan Anderson, cuja obra An introduction to Pentecostalism (2004) é referência obrigatória para a compreensão do fenômeno carismático global. Marcos Alvito, em As cores de Acari (1996), embora focado em uma realidade urbana brasileira, oferece pistas etnográficas importantes sobre religiosidade e juventude. Ronaldo de Almeida, em Religião e política: uma análise da nova direita evangélica brasileira (2022), investiga como parte dessas igrejas mais recentes se articulam à emergência de uma nova direita religiosa no Brasil.
Esse conjunto de obras constitui uma base sólida e multidisciplinar para compreender a complexidade do campo protestante no Brasil e sua relação com os processos de transformação social, cultural e política contemporâneos.
1.5 O Aumento das igrejas, “igrejas evangélicas” e “neopentecostais” no Brasil
O relatório do Censo Demográfico 2022 Religião produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), oferece dados atualizados sobre o perfil religioso da população brasileira com 10 anos ou mais. Com base na amostra representativa, os resultados preliminares revelam transformações significativas na composição religiosa do país, refletindo movimentos históricos, dinâmicas sociais e disputas contemporâneas no campo simbólico e político (IBGE, 2025).
Desde o primeiro censo nacional em 1872, quando 99,7% da população se declarava católica, o Brasil vivenciou um processo contínuo de pluralização religiosa. Esse processo se intensificou a partir da Constituição de 1891, com o reconhecimento da liberdade religiosa e o enfraquecimento do catolicismo como religião oficial. O Censo de 2022 confirma essa tendência de diversificação: a proporção de católicos caiu de 65,1% (2010) para 56,7%, enquanto os evangélicos cresceram de 21,6% para 26,9%. Os que se declaram "sem religião" também aumentaram (de 2,7% para 4%), revelando um movimento de dissociação institucional da fé, ainda que não necessariamente de crença (IBGE, 2025).
· Queda do catolicismo (56,7% em 2022 vs. 65,1% em 2010).
· Ascensão evangélica (26,9%, com crescimento de 5,2 p.p. em 12 anos).
· Expansão dos sem religião (4,0%, incluindo ateus e agnósticos).
O crescimento das igrejas evangélicas, sobretudo pentecostais e neopentecostais, configura-se como uma das transformações mais significativas do cenário religioso. Com maior presença nas regiões Norte (36,8%) e Centro-Oeste (31,4%), essas denominações têm se consolidado como forças sociais e políticas de grande influência. A composição racial também é reveladora: evangélicos predominam entre pretos (30,0%) e pardos (29,3%), indicando a penetração dessas igrejas nas camadas populares e racializadas da sociedade brasileira (IBGE, 2025).
Esse dado é particularmente relevante para compreender a mobilização política recente das igrejas evangélicas, como evidenciado nas eleições de 2022. A emergência de um "poder evangélico" estruturado em redes de templos, mídias religiosas e lideranças carismáticas reflete não apenas uma mudança espiritual, mas também a consolidação de uma infraestrutura político-religiosa que disputa corações, mentes e votos.
O relatório também permite observar distinções relevantes nos perfis demográficos e socioeconômicos entre os grupos religiosos. Os católicos, majoritários entre os idosos (72% com mais de 80 anos), contrastam com os evangélicos, cuja base é mais jovem (31,6% entre 10 e 14 anos). Mulheres são maioria em quase todos os grupos, exceto entre os sem religião e adeptos de tradições indígenas. No que se refere à escolaridade, os espíritas apresentam os mais altos índices de educação formal (48% com ensino superior completo), enquanto os pertencentes a tradições indígenas têm os menores níveis de instrução e os maiores índices de analfabetismo (24,6%).
Essas diferenças revelam que a distribuição religiosa no Brasil está imbricada com desigualdades estruturais. O pertencimento religioso não se dá de forma neutra, mas reflete inserções sociais desiguais, que também moldam o acesso a recursos materiais, culturais e políticos.
A partir desses dados, torna-se possível compreender com maior densidade os achados da presente pesquisa sobre a instrumentalização da fé nas eleições de 2022. O crescimento do campo evangélico – especialmente nas vertentes neopentecostais – não pode ser dissociado de sua atuação política. O entrelaçamento entre fé e ideologia, evidenciado nas igrejas que se tornam palanques, nas narrativas que sacralizam candidatos e nas estruturas que disciplinam os corpos e os votos dos fiéis, encontra respaldo em uma presença demográfica crescente e cada vez mais capilar.
O Censo 2022, portanto, não apenas atualiza estatísticas, mas também oferece um espelho das forças em disputa no Brasil contemporâneo. Em um contexto de acirramento político, uso da religião como dispositivo de governo e fragilização da laicidade, os dados censitários são fundamentais para compreender os rearranjos do poder religioso e suas implicações para a democracia, os direitos humanos e a pluralidade social.
A reconfiguração da esfera pública brasileira, em que a gramática religiosa ocupa o centro da disputa política, exige uma análise crítica e profunda de seus efeitos sobre a democracia, os direitos civis e a pluralidade social. Este estudo, ao iluminar os modos como a religião foi apropriada, ressignificada e mobilizada nas eleições de 2022, pretende contribuir para o debate urgente sobre os riscos da teocratização da política e da colonização do voto pelo sagrado. Uma dimensão central emergente da pesquisa de 2022 refere-se ao crescimento expressivo das igrejas evangélicas e neopentecostais no Brasil, evidenciado pelas estatísticas mais recentes do IPEA (De Negri et al., 2023)e do Censo Demográfico 2022: Religiões (IBGE, 2025)
A reconfiguração da esfera pública brasileira, em que a gramática religiosa ocupa o centro da disputa política, exige uma análise crítica e profunda de seus efeitos sobre a democracia, os direitos civis e a pluralidade social. Este estudo, ao iluminar os modos como a religião foi apropriada, ressignificada e mobilizada nas eleições de 2022, pretende contribuir para o debate urgente sobre os riscos da teocratização da política e da colonização do voto pelo sagrado. Uma dimensão central emergente da pesquisa de 2022 refere-se ao crescimento expressivo das igrejas evangélicas e neopentecostais no Brasil, evidenciado pelas estatísticas mais recentes do IPEA (De Negri et al., 2023)e do Censo Demográfico 2022: Religiões (IBGE, 2025)
Nas A reconfiguração da esfera pública brasileira, em que a gramática religiosa ocupa o centro da disputa política, exige uma análise crítica e profunda de seus efeitos sobre a democracia, os direitos civis e a pluralidade social. Este estudo, ao iluminar os modos como a religião foi apropriada, ressignificada e mobilizada nas eleições de 2022, pretende contribuir para o debate urgente sobre os riscos da teocratização da política e da colonização do voto pelo sagrado. Uma dimensão central emergente da pesquisa de 2022 refere-se ao crescimento expressivo das igrejas evangélicas e neopentecostais no Brasil, evidenciado pelas estatísticas mais recentes do IPEA (De Negri et al., 2023)e do Censo Demográfico 2022: Religiões (IBGE, 2025)
últimas décadas, o Brasil passou por uma significativa transformação em seu panorama religioso, marcada pelo declínio relativo do catolicismo e pela ascensão vertiginosa das denominações evangélicas, especialmente as pentecostais e neopentecostais. Esse fenômeno não se restringe apenas ao aumento no número de fiéis, mas também à expansão territorial e organizacional dessas igrejas, que ampliaram sua presença em municípios de todas as regiões do país. A Nota Técnica 123 do Ipea (2023) (De Negri et al., 2023), elaborada por De Negri, Machado e Cavalcante, oferece uma análise sobre esse processo, utilizando dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) para mapear a distribuição e o crescimento dos estabelecimentos religiosos entre 2000 e 2021.
Os dados revelam uma mudança drástica no cenário religioso institucional. Em 2021, as igrejas evangélicas já representavam 71% dos estabelecimentos religiosos formalizados no país (sendo 19% tradicionais e 52% pentecostais/neopentecostais), enquanto os católicos respondiam por apenas 11%. O crescimento foi particularmente explosivo entre as pentecostais: em 23 anos, o número de estabelecimentos quadruplicou, saltando de 8.718 para 64.494.
Dentre as denominações religiosas que mais se destacam na configuração contemporânea do campo evangélico brasileiro, a Assembleia de Deus ocupa posição central. Em 2021, tornou-se a maior em número de templos formalizados no país (17.329), ultrapassando inclusive a Igreja Católica no número de estabelecimentos registrados (De Negri et al., 2023). Já igrejas como a Universal do Reino de Deus e a Igreja do Evangelho Quadrangular, embora operem com modelos organizacionais mais centralizados — com CNPJs únicos para suas filiais — também apresentaram crescimento expressivo. A comparação entre essas formas organizativas evidencia a coexistência de duas estratégias distintas de expansão evangélica no Brasil:
- Fragmentação organizacional, marcada pelo surgimento de pequenas igrejas independentes, muitas vezes oriundas de dissidências das grandes denominações. Essa proliferação favorece a adaptação a contextos locais específicos e a aproximação com os públicos periféricos.
- Capilaridade geográfica, com forte interiorização das igrejas, inclusive em municípios anteriormente dominados pela Igreja Católica ou sem qualquer presença evangélica significativa.
Essa reconfiguração territorial é evidenciada por dados cartográficos apresentados no estudo do Ipea. Em 1998, mais da metade dos municípios brasileiros — sobretudo nas regiões Norte e Nordeste — não possuíam sequer um templo pentecostal. Em 2017, esse índice foi reduzido para 18%, revelando uma impressionante penetração evangélica em zonas rurais e cidades de pequeno porte. Tal movimento acompanha transformações sociais mais amplas:
· Urbanização acelerada, com as periferias metropolitanas convertendo-se em polos de crescimento evangélico, onde a presença institucional se associa a redes de solidariedade e assistência social;
· Mobilidade religiosa, expressa na busca por vínculos comunitários que ofereçam pertencimento simbólico e apoio cotidiano;
· Estratégias de comunicação massiva, como o uso intensivo de rádio, televisão e redes sociais, que permitem o alcance de fiéis em territórios distantes e diversificados.
A expansão dos estabelecimentos evangélicos, portanto, reflete mais do que uma mudança no perfil de fé da população. Trata-se de uma reestruturação profunda da paisagem religiosa e sociopolítica brasileira. A organização das denominações evangélicas — seja por meio de redes descentralizadas, como a das Assembleias de Deus, seja por estruturas verticais e centralizadas, como a Universal — demonstra uma impressionante capacidade de adaptação aos contextos regionais, econômicos e culturais.
O estudo de (De Negri et al., 2023) também aponta para um dado central: o crescimento institucional das igrejas está diretamente relacionado ao aumento de sua influência nos espaços legislativos e nos debates públicos nacionais. A presença física dos templos nos bairros, vilarejos e centros urbanos reforça sua visibilidade social, sua legitimidade simbólica e sua capacidade de moldar imaginários coletivos e disputas políticas.
Importante destacar que os dados obtidos a partir do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) ainda podem subestimar a magnitude do fenômeno. Igrejas informais, muitas vezes instaladas em garagens, residências ou pequenos salões improvisados em comunidades periféricas, não aparecem nos registros oficiais, mas desempenham papel central na vida cotidiana de milhões de brasileiros e brasileiras.
Assim, a pesquisa conduzida pelo Ipea oferece uma base empírica robusta para compreender como o evangelicalismo tem se consolidado não apenas como identidade religiosa, mas como força política, cultural e econômica. O fenômeno evangélico no Brasil atual envolve a territorialização de poder, a institucionalização da fé e a conversão do espaço religioso em plataforma de mobilização social — um processo que impacta diretamente a configuração democrática do país.
Os dados revelam que, entre 1998 e 2021, o número de templos evangélicos registrados com CNPJ saltou de 26,6 mil para 87,5 mil — um aumento de 228% —, representando cerca de 70% das instituições religiosas formalizadas no país. Esse crescimento se deu, em grande parte, por meio de pequenas congregações de bairro, com expansão ainda mais acentuada entre as vertentes pentecostais e neopentecostais.
No recorte temporal de 2022, esse fenômeno adquiriu relevo político significativo. O aumento no número de templos foi acompanhado de uma maior presença dessas igrejas no campo eleitoral — seja por meio de mobilização política em massa, seja pelo uso estratégico dos novos espaços de culto como palcos para discursos alinhados à campanha de Bolsonaro. O crescimento numérico convergiu com o fortalecimento de lideranças que se posicionam de forma explícita e organizada em defesa de agendas autoritárias, o que reforça a centralidade da dimensão religiosa na análise do ecossistema político contemporâneo.
1.6 As Correntes Católicas e a Relação com a Extrema Direita no Brasil: Reflexões e Nuances
A relação entre segmentos do catolicismo brasileiro e a extrema direita é um fenômeno complexo, marcado por diversidade interna e diferentes graus de articulação política. O panorama religioso não é homogêneo, e suas múltiplas correntes apresentam nuances que precisam ser consideradas para uma análise precisa e responsável.
Catolicismo tradicionalista (tridentino)
O catolicismo tradicionalista, especialmente o segmento tridentino, não é homogêneo, mas se divide em facções com diferentes abordagens políticas e religiosas. A Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), que rejeita o Concílio Vaticano II e adota uma postura conservadora rigorosa, é um exemplo claro dessa divisão. Em contraste, a Fraternidade Sacerdotal São Pedro (FSSP), embora também mantenha práticas litúrgicas tradicionais, aceita as reformas do Concílio e está em plena comunhão com Roma. Isso demonstra que, apesar das semelhanças em práticas religiosas, o catolicismo tradicionalista é diversificado em suas visões teológicas e políticas.(Pérez Martínez, 2024; Santirochi, 2018)
No Brasil, a influência desse catolicismo se dá de forma indireta, especialmente por meio da União dos Juristas Católicos, que busca defender valores conservadores no campo jurídico. Integrados por advogados e magistrados, esses grupos atuam para promover pautas como a proteção da vida, a preservação da família tradicional e a liberdade religiosa. Eles têm se posicionado ativamente em temas como direitos reprodutivos e casamento entre pessoas do mesmo sexo, defendendo uma visão conservadora da moralidade cristã. Além disso, têm influenciado decisões judiciais e trabalhado para moldar a legislação brasileira de acordo com seus valores.
A resistência a reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II é um dos pilares desse movimento. Para esses grupos, as mudanças promovidas pelo Concílio, que incluíam maior diálogo com outras religiões e uma adaptação às demandas modernas, são vistas como compromissos inaceitáveis com a modernidade. Por isso, seu apoio a políticas e figuras políticas conservadoras visa preservar a visão tradicional da Igreja Católica na sociedade, não apenas no plano espiritual, mas também político e legislativo.
Embora a FSSPX se distancie da hierarquia oficial da Igreja, sua influência política cresce, especialmente entre setores conservadores, alinhando-se a movimentos que defendem a restauração de valores familiares tradicionais. Já a FSSP, mais moderada, também tem uma agenda política conservadora, embora sua atuação seja mais discreta. Mesmo com diferentes abordagens, ambos os grupos se alinham com a preservação de princípios morais cristãos.
Esse movimento tem conseguido construir uma rede de apoio importante, especialmente entre setores mais conservadores do Judiciário e da política brasileira. Embora a presença desse movimento não seja tão visível quanto a dos evangélicos, sua influência é clara, especialmente por meio de organizações jurídicas como a União dos Juristas Católicos. À medida que o Brasil se polariza ideologicamente, a atuação desses grupos revela a força da religião na política, mantendo os valores tradicionais no centro das discussões sobre o futuro do país.
Essa influência reflete uma resistência à secularização, defendendo que os princípios cristãos continuem sendo fundamentais não apenas para a fé, mas também para a legislação e a vida pública no Brasil. O catolicismo tradicionalista, com suas diversas facções, continua a desempenhar um papel relevante nas discussões políticas e sociais, reafirmando a interseção entre religião e política no país.
Movimentos pró-vida e pró-família
Os movimentos pró-vida e pró-família começaram a se fortalecer no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, como resposta ao avanço de pautas progressistas, como o direito ao aborto e a redefinição da família tradicional. Influenciados pela Igreja Católica e grupos conservadores, esses movimentos focaram na defesa da vida desde a concepção e na preservação da família nuclear. Líderes como Monsenhor Luiz Carlos Lodi da Cruz e Plinio Corrêa de Oliveira (fundador da TFP) foram figuras centrais na organização e mobilização desses grupos, que também ganharam apoio de parlamentares católicos e evangélicos. Sua principal atuação foi no campo legislativo e judicial, buscando influenciar leis sobre direitos reprodutivos e valores familiares, com destaque para a formação da Frente Parlamentar Evangélica. Esses movimentos têm uma forte presença na classe média conservadora e continuam a atuar ativamente para influenciar a política brasileira em questões morais e sociais.
Os movimentos católicos pró-vida e pró-família têm uma presença crescente, especialmente entre a classe média conservadora, e sua atuação política no Brasil é significativa. Estes movimentos, muitas vezes, buscam alinhar a moral cristã tradicional com a legislação e as políticas públicas, defendendo temas como a proteção da vida desde a concepção e a preservação da família tradicional, entendida como composta por um homem e uma mulher. A atuação dos católicos nesses temas se dá por meio de diversas organizações, incluindo grupos de juristas, associações religiosas e parlamentares com forte vínculo com a Igreja, que formam coalizões para influenciar o debate legislativo e judicial. .(Barbosa de Souza, 2024; Páez & De la Peña, 2018)
Esses movimentos têm forte convergência com a Frente Parlamentar Católica, que, ao lado de outras frentes evangélicas e de movimentos conservadores, atua no Congresso Nacional para combater projetos de lei considerados incompatíveis com a moral católica, como a legalização do aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Além disso, a Igreja Católica tem se mobilizado ao lado de outras organizações religiosas para influenciar decisões importantes no campo da justiça e da legislação, especialmente em relação aos direitos reprodutivos e à educação sexual nas escolas. A União dos Juristas Católicos, por exemplo, tem sido uma das principais organizações jurídicas a advogar por uma visão conservadora da moralidade cristã, contribuindo com pareceres jurídicos e mobilizações em favor de uma interpretação legal que respeite os valores tradicionais da Igreja.
Internacionalmente, os movimentos católicos pró-vida e pró-família se articulam com organizações que compartilham uma agenda similar, como o HazteOir (Espanha) e o March for Life (EUA). Embora essas organizações tenham diferentes contextos locais, elas convergem em torno de uma defesa comum dos valores familiares e da proteção da vida, especialmente contra o aborto. A March for Life, por exemplo, realiza manifestações anuais nos Estados Unidos e se tornou uma das maiores mobilizações pró-vida do mundo, reunindo milhões de pessoas, incluindo católicos de diversas partes do mundo, para protestar contra a legalização do aborto.
Além disso, CitizenGo, uma plataforma internacional que promove campanhas de ativismo digital, tem sido uma ferramenta importante para a mobilização de católicos em torno dessas causas. A plataforma reúne assinaturas e realiza campanhas de lobby para influenciar políticos e autoridades em vários países, defendendo a preservação da família tradicional e se opondo ao aborto e outras políticas que considera contrárias à moral cristã.
A interconexão entre esses grupos católicos locais e as organizações internacionais revela um movimento global que está cada vez mais alinhado na defesa da vida e da família tradicional. A atuação desses movimentos é uma resposta a um mundo cada vez mais secular, no qual muitos católicos sentem que os valores cristãos tradicionais estão sendo ameaçados por políticas progressistas. Esses grupos, portanto, não apenas influenciam a política e a legislação em seus países, mas também atuam em um cenário internacional, criando uma rede de apoio mútuo entre países que compartilham esses valores conservadores.
Essa articulação global reflete o poder crescente de uma rede católica conservadora, que se articula em torno de princípios fundamentais da Igreja, como a defesa da vida, a família tradicional e a moralidade cristã. Embora o movimento ainda seja mais forte em países como os Estados Unidos e na Europa, sua atuação tem se expandido para outras partes do mundo, incluindo o Brasil, onde o catolicismo tradicionalista se envolve ativamente na arena política para moldar as decisões sobre questões sociais e legais.
Portanto, o movimento católico pró-vida e pró-família é uma resposta ao crescente desafio da secularização e da mudança de valores sociais em muitas partes do mundo. Por meio de alianças locais e internacionais, esses grupos têm procurado fortalecer a influência da Igreja Católica nas decisões políticas e jurídicas, buscando preservar uma visão de mundo baseada nos ensinamentos tradicionais da fé cristã. A atuação de organizações como HazteOir, March for Life e CitizenGo sublinha a circulação global de discursos conservadores, onde a religião, a política e os valores morais se entrelaçam para moldar o futuro das sociedades em diversos países.
Renovação Carismática Católica (RCC)
A Renovação Carismática Católica (RCC) surgiu no final da década de 1960 nos Estados Unidos, como parte de um movimento de renovação espiritual dentro do catolicismo, influenciado pela busca por uma vivência mais direta e emocional com Deus. Com ênfase nos dons do Espírito Santo, como cura, profecia e o falar em línguas, a RCC se espalhou rapidamente pelo Brasil a partir dos anos 1970, conquistando muitos fiéis através de encontros de oração, retiros espirituais e celebrações litúrgicas marcadas pela participação intensa da comunidade.
A Renovação Carismática Católica (RCC) é um movimento dentro da Igreja Católica que se caracteriza pela ênfase em uma espiritualidade emotiva, com forte valorização dos dons do Espírito Santo, como a cura, a profecia, o falar em línguas e outros fenômenos místicos. A RCC tem atraído uma grande quantidade de fiéis, especialmente por seu estilo vibrante e dinâmico de fé, que se manifesta principalmente em retiros, encontros de oração e celebrações litúrgicas marcadas por intensa participação emocional e comunitária. No entanto, sua posição política não é homogênea, refletindo a diversidade de visões dentro do movimento e da Igreja Católica como um todo.
O movimento tem uma diversidade de posturas políticas, com alguns setores alinhados com a direita conservadora, defendendo a moral cristã e valores familiares tradicionais, enquanto outros têm uma postura mais progressista, focada em compromisso social e justiça. A RCC não é homogênea em suas visões políticas, mas seu foco está na experiência emocional e espiritual dos fiéis, o que a torna acessível a uma vasta gama de católicos.
Globalmente, a RCC tem uma presença significativa em países da América Latina, Europa e África, sendo reconhecida por sua capacidade de engajamento e renovação espiritual, especialmente entre os jovens. Sua flexibilidade teológica e o uso da oração em comunidade se destacam como elementos-chave que atraem novos adeptos, mantendo uma forte influência na Igreja Católica contemporânea.
Embora alguns setores da RCC tenham se alinhado com o bolsonarismo, sobretudo por sua defesa de pautas conservadoras, como a oposição ao aborto e o fortalecimento dos valores familiares tradicionais, outros segmentos do movimento mantêm uma postura mais moderada, em sintonia com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A CNBB, como representante oficial da hierarquia da Igreja Católica no Brasil, adota uma abordagem mais equilibrada em relação a temas políticos, frequentemente defendendo a justiça social, a inclusão e a defesa dos direitos humanos, o que gera uma divisão interna no movimento carismático (C. L. Mariz, 2007; Silveira, 2022)
No campo político, a RCC tem presença no Legislativo, mas essa presença é mais individualizada do que institucionalizada. Deputados e vereadores que se identificam com o movimento carismático têm atuado em suas respectivas casas legislativas de maneira independente, com base em suas convicções pessoais, sem uma estrutura organizada que represente oficialmente a RCC como um bloco político. Isso se traduz em uma atuação política fragmentada, na qual os membros da RCC influenciam a política de maneira pontual, seja defendendo pautas conservadoras ou buscando um equilíbrio em relação a outras questões sociais e econômicas.
É importante ressaltar que, embora a RCC tenha se envolvido ativamente em questões políticas, sua influência não ocorre de forma uniforme ou centralizada. O movimento é composto por uma rede de lideranças e grupos locais que, em muitos casos, seguem caminhos diferentes em termos de envolvimento político, o que reflete a pluralidade de abordagens dentro da própria RCC. Assim, enquanto alguns membros podem ser veementemente favoráveis a um alinhamento com ideologias conservadoras, outros preferem adotar uma postura mais neutra ou até mesmo progressista em relação a certos temas, como as políticas sociais.
Essa flexibilidade política da RCC também se deve ao fato de que seu foco principal é a espiritualidade e a vivência da fé, com a política sendo, em muitos casos, um aspecto secundário na agenda do movimento. No entanto, sua atuação na política é crescente, principalmente à medida que o Brasil vive um momento de polarização e de forte presença de grupos religiosos na esfera pública. O movimento carismático, por sua vez, continua sendo um agente influente, seja diretamente ou por meio de seus membros, no cenário político nacional.
Arautos do Evangelho e a extinta Tradição, Família e Propriedade (TFP)
Fundada em 1960 por Plínio Corrêa de Oliveira, a Tradição, Família e Propriedade (TFP) nasceu com um propósito claro: resistir à influência de ideias progressistas que, em sua visão, ameaçavam a ordem social tradicional. Essa organização teve um forte papel na defesa da moralidade cristã e na promoção dos valores da família tradicional, da propriedade privada e da tradição católica, especialmente em tempos conturbados do Brasil, como a ditadura militar. O movimento se alicerçou na ideia de uma "contra-revolução" cultural e ideológica, em oposição ao que considerava ser as influências da modernidade e da esquerda no pensamento social e político.
O impacto da TFP foi significativo, com a organização ganhando terreno não só no Brasil, mas em outros países da América Latina e em várias partes do mundo. Seus membros estavam presentes em diversos campos da sociedade, desde o campo educacional, com escolas e instituições de ensino, até o campo político, com forte atuação entre empresários, intelectuais e políticos conservadores. A TFP também teve um papel relevante no apoio ao regime militar brasileiro, com campanhas públicas e ações em defesa da ditadura.
Entretanto, a TFP começou a declinar na década de 1990, após a morte de Plínio Corrêa de Oliveira e o fim da ditadura militar. O movimento perdeu sua relevância política e enfrentou uma série de divisões internas. A dissolução das suas estruturas e a mudança do cenário político brasileiro contribuíram para que a TFP perdesse seu poder de influência, mesmo que algumas de suas ideias continuassem a ressoar em grupos de católicos conservadores.
Os Arautos do Evangelho e a extinta Tradição, Família e Propriedade (TFP) são dois movimentos católicos que, apesar de compartilharem algumas premissas de fé e conservadorismo moral, apresentam diferenças significativas tanto na sua estrutura quanto nas suas formas de atuação política e religiosa. Ambos os grupos têm um impacto notável no Brasil e em outros países, mas se distanciam em suas abordagens quanto à Igreja Católica, à política e à sociedade. Ao longo dos anos, tanto os Arautos quanto a TFP se tornaram símbolos de uma ala conservadora e tradicionalista dentro da Igreja, buscando influenciar o cenário religioso e político a partir de um entendimento conservador da moral católica.
Os Arautos do Evangelho, fundados em 1994, são uma associação religiosa de direito pontifício que se caracteriza por uma espiritualidade intensa e emotiva. O movimento é conhecido por sua ênfase na liturgia tradicional, especialmente na Missa Tridentina, e no fortalecimento dos valores cristãos tradicionais, com destaque para a defesa da família tradicional e a oposição a temas como o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A postura política dos Arautos do Evangelho, no entanto, não é unívoca. Embora setores do movimento tenham se alinhado com o governo Bolsonaro, defendendo valores conservadores que coincidem com a agenda política do presidente, outros segmentos continuam a manter uma postura mais moderada, alinhada com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Isso reflete a diversidade interna do movimento, que, embora tenha presença política significativa, não se configura como um bloco homogêneo com uma agenda política centralizada .(N. de Souza & Lanfranchi, 2022; Stadelmann, 2019)
Por outro lado, a Tradição, Família e Propriedade (TFP), fundada por Plinio Corrêa de Oliveira nos anos 1960, tinha uma proposta ainda mais explícita de atuação política, com o objetivo de combater o que considerava ser os perigos do liberalismo, do comunismo e das reformas do Vaticano II. A TFP se opunha veementemente à modernização da Igreja Católica promovida pelo Concílio Vaticano II e defendia um catolicismo conservador que pregava uma sociedade hierárquica, marcada pela defesa da propriedade privada e da autoridade tradicional, em particular a autoridade da Igreja e da família. O movimento foi ativo na defesa do regime militar brasileiro e se envolveu em campanhas de mobilização política que apoiavam políticas conservadoras e reagiam ao avanço de pautas progressistas no Brasil. A TFP se destacava pela organização de militância ativa, com um discurso focado na preservação dos valores católicos tradicionais e no combate ao secularismo, ao comunismo e ao que entendiam como as ameaças da modernidade.
Apesar de suas diferenças de abordagem, ambos os movimentos compartilham uma visão comum de preservação dos valores cristãos tradicionais. Para os Arautos do Evangelho, a centralidade da liturgia e a vivência intensa da fé são ferramentas para fortalecer um catolicismo genuíno, sem se deixar corromper pelos ventos da secularização. Já para a TFP, a política tinha um papel central na manutenção desses valores, sendo o movimento visto como uma espécie de guardião da sociedade cristã tradicional. Embora a TFP tenha se dissolvido após a morte de seu fundador, muitos dos seus princípios e ideias continuam a influenciar setores conservadores da Igreja e da sociedade, com alguns ex-membros se integrando em movimentos como os Arautos do Evangelho ou em outras organizações de fé e política conservadora.
Em termos de atuação política, ambos os grupos mostram como a Igreja Católica pode ser mobilizada para servir a determinados interesses ideológicos, especialmente em um contexto de crescente polarização política. A atuação dos Arautos do Evangelho no cenário político, por exemplo, reflete o crescimento de um catolicismo conservador que se alinha com agendas políticas de direita, com um foco na preservação da família tradicional, na oposição ao aborto e na defesa de uma moral cristã pública. Essa atuação não ocorre de forma institucionalizada, mas por meio de indivíduos e deputados carismáticos que defendem pautas conservadoras nas esferas legislativas, como também por meio de suas conexões com outras entidades religiosas e políticas.
Embora a TFP tenha sido extinta como movimento organizado, seus resquícios continuam a se fazer sentir no campo político e religioso, especialmente entre os setores mais conservadores do Brasil. O legado de sua militância conservadora se reflete na continuidade de uma agenda moralista e tradicionalista em questões como direitos reprodutivos e a moralidade cristã, sendo um dos pilares do apoio a políticos que se alinham com essas posições, como no caso de movimentos que defendem a preservação dos valores da Igreja dentro da sociedade e da política.
Em síntese, tanto os Arautos do Evangelho quanto a TFP, em suas respectivas formas, exemplificam a interação entre religião e política no Brasil, mostrando como movimentos católicos conservadores podem, de formas diferentes, influenciar o cenário público. Enquanto os Arautos continuam a defender uma agenda religiosa sem um alinhamento político rígido, a TFP deixou um legado de atuação política direta que ainda ressoa em movimentos conservadores. Ambos compartilham um compromisso com a defesa da família tradicional e da moral cristã, mas as formas pelas quais buscam implementar essa visão são distintas, refletindo a diversidade de abordagens dentro da Igreja Católica brasileira.
Opus Dei
O Opus Dei é uma instituição dentro da Igreja Católica, fundada por São Josemaría Escrivá em 1928. O movimento tem como missão ajudar os membros a buscarem a santidade no cotidiano, no trabalho profissional e nas responsabilidades familiares, sem precisar se afastar do mundo secular. A ideia central é que o trabalho e a vida comum podem ser meios para a santificação, e não apenas a vida religiosa ou monástica.
O Opus Dei se apresenta como uma instituição que, ao longo das décadas, tem se consolidado em diversas esferas de poder e influência. Sua presença nas universidades de elite, reflete seu objetivo de moldar a formação intelectual a partir de uma perspectiva conservadora, alinhada com os princípios da fé católica. Essas instituições acadêmicas, que têm uma forte tradição em formar lideranças sociais e políticas, acabam por se tornar espaços férteis para a atuação do Opus Dei, que busca influenciar o pensamento acadêmico, especialmente nas áreas de direito, filosofia e ciências sociais.
Além da atuação nas universidades, o Opus Dei se destaca no empresariado brasileiro, onde mantém uma rede de contatos e aliados estratégicos. Empresários e líderes de diversas indústrias que fazem parte da organização têm desempenhado papéis importantes não apenas na economia, mas também no fortalecimento das relações entre Igreja e mercado. A presença de membros do Opus Dei no Judiciário também não é desprezível, uma vez que muitos juízes e promotores ligados à instituição têm contribuído para uma maior visibilidade da organização na esfera legal, principalmente no que diz respeito a questões morais, como a defesa da família tradicional e a proibição do aborto.
Ainda assim, é importante destacar que a atuação do Opus Dei no Brasil, embora bastante impactante, não é unificada em termos de estratégia política. Embora a organização compartilhe uma ideologia conservadora em termos de valores familiares e morais, seus membros não adotam uma postura política única. A diversidade de áreas de atuação – que vão desde o setor acadêmico até o empresarial e jurídico – torna difícil caracterizá-la como um bloco coeso e homogêneo. Em vez disso, o Opus Dei parece atuar de forma mais estratégica e segmentada, influenciando decisões em diferentes esferas de poder de acordo com os interesses e capacidades de seus membros.
Legionários de Cristo
Os Legionários de Cristo não são uma organização exclusivamente brasileira, mas sim uma ordem religiosa internacional, fundada por Marcial Maciel em 1941, no México. Desde sua fundação, a ordem se expandiu para diversos países ao redor do mundo, com forte presença na América Latina, Europa e Estados Unidos. No Brasil, a ordem obteve uma influência significativa, especialmente no campo educacional e político, mas sua atuação ultrapassa as fronteiras nacionais.
No Brasil, os Legionários de Cristo foram particularmente conhecidos por manterem instituições de ensino de alto nível, com escolas e universidades, muitas vezes associadas a uma educação católica conservadora. Sua presença no país foi marcante, principalmente em ambientes católicos de classe média e alta, com um foco especial em lideranças empresariais e políticas que buscavam alinhar seus valores com os princípios da Igreja Católica.
Apesar de a crise que envolveu os escândalos de abuso sexual ter afetado profundamente a imagem e a atuação dos Legionários de Cristo, a ordem continua a ter presença em algumas regiões, não só no Brasil, mas também em outros países. As reformas internas após a intervenção papal no começo dos anos 2000, somadas à perda de prestígio da organização, reduziram sua capacidade de influência, mas a base de fiéis e alguns aliados políticos ainda mantém apoio à instituição.
Portanto, os Legionários de Cristo têm uma atuação global, embora no Brasil sua presença tenha sido mais visível devido às suas escolas e às relações políticas com setores conservadores.
Por fim, os chamados católicos bolsonaristas e neointegralistas apresentam uma forte presença nas redes sociais, por meio de movimentos e canais conservadores como o "Brasil Paralelo". Contudo, o termo "neointegralista" é controverso, pois remete ao Integralismo da década de 1930, movimento ao qual muitos bolsonaristas rejeitam associação explícita. A base social desse grupo é heterogênea, reunindo fiéis populares e lideranças emergentes, com atuação crescente no Legislativo e cargos executivos locais.
Em suma, a conexão entre correntes católicas e a extrema direita no Brasil demanda uma leitura atenta às particularidades internas, aos contextos regionais e às dinâmicas políticas específicas. Evitar generalizações excessivas e considerar a pluralidade interna dessas correntes é fundamental para um diagnóstico preciso das relações entre religião e política no país contemporâneo.
Para análises acadêmicas mais aprofundadas, é recomendável a triangulação desses dados com pesquisas empíricas, dados eleitorais, documentos eclesiais e estudos sociológicos que possam revelar a complexidade e a multiplicidade desses fenômeno
Quadro 03: Correntes Católicas de centro e direita
Fontes: Adaptado de Pérez Martínez (2024), Santirochi (2018), Barbosa de Souza (2024), Páez e De la Peña (2018), Mariz (2007), Silveira (2022), N. de Souza e Lanfranchi (2022), Stadelmann (2019).
1.7 Eleições de 2022 no Brasil
A análise a seguir foca nos resultados das eleições de 2022, com ênfase nas dinâmicas geográficas, demográficas e ideológicas que emergem desses dados. Em especial, destaca-se a crescente influência de grupos conservadores, particularmente os evangélicos, na política institucional. Utilizando dados eleitorais oficiais, o texto mapeia a distribuição dos votos para os cargos de presidente, governadores e representantes legislativos, evidenciando a ascensão da direita como força dominante em estados-chave. Além disso, a análise sublinha a sub-representação de mulheres e minorias raciais no Congresso e a ascensão de uma agenda política marcada por valores religiosos. Nesse contexto, a religião se apresenta não apenas como um pano de fundo, mas como um eixo estruturante da disputa política, afetando desde as campanhas eleitorais até a formação de coalizões governativas.
Análise do Resultado do 2º Turno das Eleições 2022: Lula vs. Bolsonaro
O segundo turno das eleições presidenciais de 2022 no Brasil foi uma disputa extremamente polarizada e tensa. A campanha entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) mobilizou o país de uma forma sem precedentes, refletindo a profunda divisão política que marcou os últimos anos do governo de Bolsonaro. No final, Lula obteve 50,90% dos votos válidos (60.345.999 votos), enquanto Bolsonaro alcançou 49,10% (58.206.354 votos). A diferença entre ambos foi de apenas 1,8 pontos percentuais, ou cerca de 2,1 milhões de votos, demonstrando o quão acirrada foi essa disputa.
1. O Impacto das Regiões e o Crescimento de Bolsonaro no Segundo Turno
Durante o segundo turno, a geografia eleitoral do Brasil não apresentou mudanças significativas na maioria dos estados, com Lula mantendo sua base no Nordeste e Bolsonaro reforçando seu apoio em estados mais ao sul e centro-oeste. No entanto, houve uma mudança surpreendente no Amapá, onde Bolsonaro superou Lula, algo que foi inesperado considerando os números do primeiro turno.
O Amapá foi o único estado a registrar essa virada, com Bolsonaro recebendo 51,36% dos votos válidos (200.547 votos), contra 48,64% (189.918 votos) de Lula. Nos demais estados, tanto Lula quanto Bolsonaro viram um aumento no número de votos, mas não houve grandes surpresas.
2. Análise dos Resultados nos Estados Chave
Aqui estão os votos totais de alguns estados importantes, com base nos percentuais de votos:
Piauí: Lula recebeu 1.551.383 votos (76,86%), e Bolsonaro obteve 467.065 votos (23,14%).
Bahia: Lula obteve 6.097.815 votos (72,12%), e Bolsonaro recebeu 2.357.028 votos (27,88%).
Maranhão: Lula recebeu 2.668.425 votos (71,14%), enquanto Bolsonaro teve 1.082.749 votos (28,86%).
Esses estados refletem o apoio maciço que Lula recebeu no Nordeste, um dos pilares do seu apoio popular. Por outro lado, Bolsonaro manteve sua base no Sul, Centro-Oeste e parte da Amazônia.
3. Estados de Resultados Acirrados
Outros estados que apresentaram resultados apertados foram Minas Gerais e Amazonas. Em Minas Gerais, Lula venceu por uma margem mínima de apenas 0,4 pontos percentuais (50,20% a 49,80%), um total de 6.190.960 votos para Lula e 6.141.310 votos para Bolsonaro. Já no Amazonas, a diferença foi igualmente estreita, com Lula alcançando 51,10% (1.004.991 votos) contra 48,90% (961.741 votos) de Bolsonaro.
Esses resultados destacam a divisão interna em muitos estados, onde a competição foi muito acirrada e evidenciam como cada voto foi decisivo.
4. Votos Brancos, Nulos e Abstenção
Outro ponto relevante foi a taxa de abstenção que se manteve elevada em várias regiões. Em São Paulo, por exemplo, o eleitorado de 34.684.876 apresentou 7.304.385 de abstenções (21,06%), e a taxa de votos nulos e brancos foi significativa em diversas localidades. Em geral, a abstenção foi de 20,59% do total de eleitores, com 32.200.558 de ausentes.
As taxas de votos nulos e brancos também variaram, com destaque para Pernambuco, onde 286.535 votos foram anulados ou brancos, representando 4,94%. Em comparação, o Amapá, com apenas 1.000 votos brancos e nulos em relação ao total, teve uma participação mais decisiva nos resultados.
5. Contexto Histórico: A Perda da Reeleição por Bolsonaro
Um dos marcos mais significativos desta eleição foi a derrota de Jair Bolsonaro, que se tornou o único presidente da Nova República a não conseguir se reeleger. Sua derrota marca uma ruptura com a tendência de reeleições bem-sucedidas que dominaram o cenário político desde Fernando Henrique Cardoso, passando por Lula e Dilma Rousseff.
A derrota de Bolsonaro, embora esperada por muitos devido ao desgaste de seu governo, representa uma mudança significativa na política nacional. A sua derrota, especialmente em meio a um governo altamente polarizado e marcado por tensões com a oposição, traz à tona a instabilidade do apoio popular e o risco de um governo altamente controverso.
6. Resultado Final e O Desafio da Reconciliação Nacional
A vitória de Lula no segundo turno não foi apenas uma vitória eleitoral, mas um reflexo de uma sociedade profundamente dividida. Com uma diferença de apenas 2,1 milhões de votos entre os dois candidatos, fica claro que o Brasil permanece polarizado. O próximo governo de Lula terá o desafio não só de governar para todos os brasileiros, mas também de buscar a reconciliação entre os diferentes segmentos da sociedade.
Em termos de votos totais:
Lula recebeu 60.345.999 votos (50,90%).
Bolsonaro recebeu 58.206.354 votos (49,10%).
Esse resultado sublinha a necessidade de união e diálogo político, buscando superar as divisões que se aprofundaram nos últimos anos. O Brasil se encontra em uma encruzilhada política, onde será necessário mais do que uma simples vitória nas urnas, mas um esforço contínuo de reconstrução de pontes entre as diversas correntes políticas.
Quadro : Resultado do 2º Turno das Eleições Presidenciais 2022 - Por Estado
Fonte: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dados Abertos. Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/. Acesso em: 5 jul. 2025.
Análise Crítica da Representatividade e Diversidade nas Eleições para o Senado de 2010 a 2022
O Senado Federal brasileiro, uma das casas do Congresso Nacional, desempenha um papel fundamental no processo legislativo. No entanto, sua composição tem sido historicamente marcada por desigualdades de gênero, raça e espectro político, refletindo disparidades presentes na sociedade brasileira. A análise das eleições para o Senado de 2010 a 2022 revela padrões que evidenciam a persistência da hegemonia masculina, branca e de direita, bem como a baixa representatividade de segmentos da sociedade, como mulheres, negros e indígenas. Este estudo visa examinar as mudanças e continuidades na representatividade no Senado, destacando os avanços e retrocessos verificados nas últimas eleições.
Fonte: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dados Abertos. Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/. Acesso em: 5 jul. 2025.
A Questão de Gênero: Desigualdade Persistente
A desigualdade de gênero na política brasileira é um problema estrutural que se reflete claramente na composição do Senado. Em 2010, apenas 11,1% das vagas disputadas foram ocupadas por mulheres. Esse percentual aumentou para 18,5% em 2014, mas caiu para 15,4% em 2022. A eleição de 2018 representou uma exceção, com um aumento para 26,9%, mas o número de mulheres eleitas caiu novamente nas eleições seguintes.
A representatividade feminina no Senado está muito aquém da proporção de mulheres na sociedade brasileira, que corresponde a 51% da população. Além disso, a totalidade das senadoras eleitas em 2022 era branca, o que expõe a falta de inclusão das mulheres negras e indígenas na política. Em um cenário mais amplo, as mulheres enfrentam barreiras estruturais significativas, como o financiamento insuficiente de suas campanhas, a violência política de gênero e o preconceito, que limitam suas chances de ascender a posições de poder.
Embora o número de mulheres tenha variado, a predominância de figuras femininas brancas, especialmente na direita, reforça a ideia de que as políticas de inclusão ainda são incipientes. Das quatro mulheres eleitas em 2022, três pertencem a partidos da direita, com apenas uma representante de esquerda (Teresa Leitão, do PT). Isso reflete o distanciamento entre as políticas públicas e as necessidades da população feminina diversificada.
A Representação Racial: Descompasso com a Realidade Demográfica
A representação racial no Senado é outro aspecto de desigualdade que precisa ser abordado. Em 2010, apenas 7,4% dos senadores eleitos eram negros (somando pardos e pretos), e esse número aumentou para 14,8% em 2014. Em 2022, a proporção de senadores negros foi de 19,2%, o que ainda é insuficiente quando comparado à composição racial da população brasileira, onde 56% da população se identifica como preta ou parda, de acordo com o IBGE.
A representação de senadores indígenas, por sua vez, foi de 7,7% em 2022, o que é superior à proporção de indígenas na população brasileira (aproximadamente 0,8%). No entanto, todos os senadores indígenas eleitos foram homens (Wellington Dias, do PT-PI, e Hamilton Mourão, do PL-RS), o que aponta para a ausência de representatividade indígena feminina no Senado.
Embora tenha ocorrido um aumento no número de senadores negros e indígenas ao longo das eleições, esse crescimento ainda está muito abaixo do esperado em uma sociedade que se caracteriza pela diversidade racial. O aumento de negros no Senado, por exemplo, não é proporcional à sua presença na população, o que sugere que os obstáculos à candidatura e à eleição de pessoas negras e indígenas continuam a ser um desafio no processo político.
A Direita Predominante: O Crescimento do Conservadorismo
O espectro político do Senado tem sido dominado pela direita nos últimos anos. Em 2010, aproximadamente 40% dos senadores eleitos estavam alinhados com partidos de direita, enquanto em 2022 esse número subiu para 76,9%, refletindo a onda conservadora que se intensificou após a eleição de Jair Bolsonaro à presidência do Brasil em 2018. A ascensão de partidos como o PL, União Brasil, Republicanos e PP tem consolidado a hegemonia da direita, especialmente entre as lideranças políticas do Senado.
A eleição de 7 senadores do PL em 2022 e a crescente força dos partidos conservadores demonstram o sucesso da agenda política de direita, caracterizada por valores mais tradicionais e por uma oposição às pautas progressistas. Essa dominância da direita também reflete uma polarização crescente no Brasil, onde as diferenças entre os campos político e ideológico se tornam mais evidentes.
A presença da esquerda no Senado diminuiu ao longo dos anos, passando de 26,9% em 2018 para 19,2% em 2022. Com isso, a representatividade de partidos como o PT e o PSB continua limitada, e a voz da oposição se vê cada vez mais silenciada em um cenário legislativo que favorece as políticas conservadoras.
Renovação e Desgaste: O Fenômeno da Alta Taxa de Reeleição
A renovação no Senado em 2022 foi alta, com 84,6% dos senadores eleitos sendo novatos. No entanto, apenas 15,4% dos eleitos conseguiram se reeleger. A eleição de novos nomes, como o ex-jogador Romário, indica um movimento de renovação, mas também um possível desgaste da política tradicional e das figuras políticas consolidadas.
A alta taxa de renovação pode ser vista como uma resposta da sociedade ao descontentamento com a classe política tradicional. Contudo, essa renovação não está necessariamente ligada a uma mudança no perfil ideológico ou racial dos senadores. O crescimento da direita e a baixa representatividade de negros, indígenas e mulheres continuam sendo questões prementes, que precisam ser abordadas para garantir uma representação política mais equitativa.
A análise das eleições para o Senado entre 2010 e 2022 revela que, embora haja avanços pontuais na representação de mulheres, negros e indígenas, o Senado Brasileiro ainda está longe de refletir de forma justa a diversidade e a pluralidade da sociedade brasileira. A dominação masculina, branca e de direita ainda prevalece, e a sub-representação de mulheres, negros e indígenas continua sendo um obstáculo para uma verdadeira democracia representativa.
O crescimento da direita conservadora no Senado reflete um cenário político polarizado, em que as pautas progressistas perdem força. Esse fenômeno, aliado à baixa renovação entre políticos de esquerda, contribui para uma maior concentração de poder nas mãos de grupos ideológicos específicos.
Reformas políticas, políticas públicas de inclusão e financiamento de campanhas são fundamentais para combater as barreiras estruturais que limitam a representação diversificada. A reforma do sistema eleitoral e a implementação de cotas de gênero e raça poderiam ser soluções importantes para promover uma representação mais equitativa e democrática no Senado. Apenas com um Senado mais representativo e plural será possível garantir que as políticas públicas atendam verdadeiramente à diversidade da população brasileira.
Análise do Perfil da Câmara dos Deputados Federais: 2022 vs. 2018
A comparação entre os perfis da Câmara dos Deputados em 2022 e 2018 revela algumas mudanças significativas nas características demográficas e ideológicas dos parlamentares. Embora a composição total de 513 deputados tenha permanecido a mesma, uma série de variações mostra um fortalecimento de determinados grupos, enquanto outros ainda enfrentam desafios para alcançar uma representação mais proporcional à população brasileira.
Em termos de gênero, houve um aumento no número de mulheres eleitas, passando de 77 em 2018 para 91 em 2022, o que representa um crescimento de 18,2%. Embora esse aumento seja significativo, o percentual de mulheres na Câmara ainda é baixo, representando apenas 17,73% do total de deputados. Entre as mulheres negras, o aumento foi ainda mais expressivo, subindo de 13 para 29, um crescimento de 123%. Apesar disso, as mulheres negras ainda representam apenas 5,65% do total de deputados, evidenciando a persistente sub-representação desse grupo.
Os homens ainda representam a maior parte da Câmara, com 422 deputados em 2022, embora tenha ocorrido uma redução de 3,2% em relação a 2018, quando havia 436. No entanto, essa diminuição é modesta, e os homens continuam a ser a maioria, com 82,26% dos assentos.
O total de negros na Câmara também aumentou, passando de 126 em 2018 para 135 em 2022, representando 26,32% do total de deputados. Isso representa um crescimento de 7,1%, mas ainda assim está abaixo da representação proporcional da população negra no Brasil, que é superior a 50%. O número de homens negros teve uma ligeira redução, caindo de 113 para 106, o que resultou em uma diminuição de 6,2%. No entanto, a proporção de mulheres negras aumentou consideravelmente, o que é um avanço significativo para a representatividade desse grupo.
A presença de indígenas na Câmara também teve um crescimento impressionante, passando de 1 em 2018 para 5 em 2022. Isso representa um aumento de 400%, embora ainda seja um número muito baixo em termos absolutos. A representação indígena, que corresponde a 0,97% do total de deputados, continua a ser extremamente sub-representada em relação à população indígena do país, que representa cerca de 0,5% da população total, mas com uma diversidade muito mais ampla de culturas e demandas.
O número de brancos na Câmara diminuiu marginalmente, passando de 374 para 369 deputados. Isso representa uma redução de 1,3%, mas ainda os brancos são a maioria, com 71,93% do total de deputados, o que não reflete a composição racial do Brasil, onde os brancos correspondem a cerca de 47% da população.
A ideologia da Câmara dos Deputados também apresenta uma clara predominância da direita. Em 2022, 314 deputados (ou 61,2%) se posicionam à direita, enquanto 130 deputados (25,34%) se alinham à esquerda e 69 deputados (13,45%) ocupam posições centradas. A direita tem, portanto, uma maioria absoluta na Câmara, refletindo uma tendência conservadora crescente no Brasil, com destaque para temas como valores tradicionais, segurança pública e pautas religiosas. A esquerda e o centro, embora representados, permanecem em uma posição minoritária, o que indica uma dificuldade de influência das agendas progressistas no Legislativo.
A reeleição foi significativa, com 283 deputados (55,16%) retornando ao cargo. Isso reflete a continuidade de certos grupos e blocos políticos, enquanto 230 novos deputados (44,83%) foram eleitos, trazendo renovação ao Congresso Nacional. Este equilíbrio entre experiência e renovação é essencial para a manutenção da estabilidade política, enquanto novos nomes e perspectivas têm o potencial de alterar a dinâmica das discussões políticas.
Os termos militares/segurança e religiosos também são indicadores importantes da agenda política da Câmara. Um total de 35 deputados (6,82%) tem um vínculo explícito com temas de segurança e militarismo, o que reflete o crescente foco em segurança pública e defesa. Já os termos religiosos são mencionados por 7 deputados (1,36%), indicando a presença de parlamentares que se posicionam explicitamente em defesa de valores religiosos, especialmente no campo do evangelismo.
A média de idade dos deputados foi de 49,9 anos, o que aponta para uma classe política mais madura, embora sem um grande distanciamento da população jovem, que também tem se engajado mais na política. A média de bens declarados foi de R$ 3,05 milhões, refletindo um perfil de representatividade, em termos de riqueza, que pode ser visto como distante de boa parte da população brasileira, mais vulnerável economicamente.
O Brasil continua a enfrentar um desequilíbrio de representação na Câmara dos Deputados, com a direita dominando amplamente e questões de gênero e raça ainda sendo pontos de desigualdade, embora com avanços no número de mulheres e negros, especialmente mulheres negras. A representatividade indígena é ainda incipiente, mas seu aumento de 400% representa um passo importante.
Além disso, a polarização ideológica é evidente, com a direita claramente à frente da esquerda, enquanto o centro ocupa um papel secundário, mas fundamental na mediação entre as duas extremidades. O fortalecimento de pautas como segurança e a influência religiosa indicam que temas como direitos humanos, pautas sociais e políticas progressistas podem encontrar desafios significativos para avançar no Legislativo.
A análise dos dados demonstra que o Brasil continua a ser governado por um Congresso majoritariamente de direita, o que tem implicações diretas nas políticas públicas e no direcionamento da agenda nacional, especialmente em relação a questões sociais e de direitos humanos.
Composição da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) Pós-Eleições de 2022: Análise Demográfica e Ideológica
Após as eleições de 2 de outubro de 2022, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) apresenta uma composição marcada por disparidades de gênero e raça, mas também por uma significativa presença da diversidade racial. Além disso, o espectro político da casa reflete uma predominância da direita, com representatividade expressiva da esquerda. A seguir, será realizada uma análise detalhada da composição da CLDF, com ênfase em gênero, raça e ideologia, além de pontos destacados no processo eleitoral.
A representatividade feminina na CLDF continua sendo um desafio. Das 24 cadeiras ocupadas pelos deputados, 4 são ocupadas por mulheres (16,66%), o que indica uma sub-representação feminina considerável, em contraste com a população geral. A participação de mulheres é ainda mais restrita no contexto da política local, onde 83,33% das cadeiras são ocupadas por homens. Isso demonstra que, apesar de avanços em outras esferas políticas no Brasil, a presença feminina nas assembleias legislativas continua abaixo do esperado.
A diversidade racial na CLDF é expressiva, com 45,83% dos eleitos sendo negros (soma de pretos e pardos). No entanto, a composição étnica ainda apresenta desigualdade em relação à população geral. Os homens brancos continuam predominando com 41,66% das cadeiras. Homens pardos representam 33,33%, enquanto homens pretos somam 8,33%. As mulheres têm uma participação ainda menor na representação racial: 2 mulheres brancas (8,33%), 1 mulher preta (4,16%), e 1 mulher sem raça declarada (4,16%). Isso indica uma representação desproporcional de negros na bancada em relação à população total de negros no Distrito Federal (cerca de 52% segundo o IBGE), mas ainda reflete um cenário onde homens brancos dominam.
A divisão ideológica da Câmara Legislativa do Distrito Federal apresenta uma clara predominância da direita, com 50% dos deputados se identificando como direita. A esquerda ocupa 33,33% das cadeiras, enquanto 16,66% se alinham ao centro. Esse cenário evidencia que a direita continua sendo uma força predominante no Distrito Federal, especialmente no contexto legislativo, o que reflete a tendência nacional de fortalecimento do campo conservador, especialmente em temas como segurança pública e valores tradicionais.
A renovação política também é notável, com 50% dos eleitos sendo novos deputados. Ao mesmo tempo, 12 deputados (também 50%) foram reeleitos, o que mostra uma estabilidade e continuidade em certos segmentos políticos da casa. A combinação entre renovação e reeleição sugere que, apesar da ascensão de novos nomes, alguns paradigmas políticos continuam prevalecendo, especialmente em relação à direita.
Um dos destaques da eleição foi a eleição de Fábio Félix (PSOL), um deputado negro e assumidamente gay, que obteve 51.792 votos, o que representa uma significativa vitória de candidaturas progressistas. Sua eleição é um reflexo de uma busca crescente por maior representatividade e diversidade no legislativo local, principalmente em relação a questões de direitos civis e minorias.
Outro nome relevante é o de Pastor Daniel de Castro (PP), o único deputado a ter afiliado explicitamente a religião no seu nome de urna. A presença de termos religiosos é uma tendência crescente, refletindo o fortalecimento do evangelismo e de valores conservadores na política, especialmente no campo da direita.
A eleição de Doutora Jane (AGIR), uma mulher preta, e Jacqueline Silva (AGIR), uma mulher sem raça declarada, também merece destaque. Elas são exemplos de como as mulheres, embora ainda sub-representadas, estão ganhando espaço no legislativo, especialmente entre as mulheres negras, que ainda enfrentam desafios significativos de acesso ao poder político.
A composição da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) após as eleições de 2022 reflete um cenário político ainda caracterizado por desigualdades de gênero e raça, apesar de algumas vitórias importantes, como a eleição de Fábio Félix e o crescimento de representações negras e de gênero.
A representação feminina ainda é extremamente baixa, com apenas 16,66% de mulheres nas cadeiras, um número que está aquém da média esperada para uma democracia representativa. O predomínio da direita e o fortalecimento de valores conservadores estão claramente refletidos na maior parte das cadeiras, o que se alinha com a política nacional, embora a esquerda tenha mostrado força suficiente para garantir 33,33% das vagas. O desafio da representatividade racial continua, especialmente em um contexto onde homens brancos dominam as bancadas, embora a presença de negros seja significativa.
A CLDF apresenta um legislativo com desafios de representatividade, tanto em termos de gênero quanto de raça, mas também com avanços pontuais e uma renovação política visível, principalmente por meio da ascensão de figuras progressistas e diversificadas, que poderão influenciar as políticas públicas no Distrito Federal.
Análise da Distribuição dos Governadores por Espectro Político e Religião nas Eleições de 2022
A análise da distribuição dos governadores eleitos nas eleições de 2022, baseada no espectro político e na religião, revela algumas tendências importantes que refletem o cenário político atual do Brasil. A tabela apresentada divide os governadores em três espectros principais: direita, centro e esquerda.
Quadro : Governadores por Espectro Político e Religião
Fonte: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Dados Abertos. Disponível em: https://dadosabertos.tse.jus.br/. Acesso em: 5 jul. 2025.
O cenário político das eleições de 2022 no Brasil revela uma clara divisão ideológica entre os diferentes espectros políticos, com a religião desempenhando um papel cada vez mais central nas escolhas eleitorais, especialmente no caso dos governadores. Cada espectro político apresenta uma relação distinta com a religião, o que molda as agendas políticas e os direcionamentos que cada grupo busca implementar em seus respectivos estados.
Direita
A direita se destaca como a força política dominante, com 11 governadores eleitos, a maioria deles com fortes vínculos com o protestantismo evangélico, especialmente com as denominações Assembleia de Deus e Igreja Universal. Esses governadores têm se alinhado a uma agenda conservadora, com ênfase em questões sociais como direitos reprodutivos e os valores da família tradicional. A relação entre política e religião se tornou um fator decisivo para o alinhamento desses governadores, refletindo uma crescente influência de grupos evangélicos na definição das políticas estaduais, particularmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.
Centro
No espectro central, sete governadores foram eleitos, adotando uma postura mais pragmática e com uma agenda política menos vinculada a temas religiosos. Embora alguns desses governadores sejam católicos ou evangélicos, suas políticas tendem a ser mais moderadas, buscando equilibrar questões sociais e econômicas de forma flexível. A religião, embora presente, não se impõe como um ponto central nas decisões políticas, o que caracteriza o centro como uma área de negociação e equilíbrio, com menos ênfase em valores religiosos nas pautas governamentais.
Esquerda
O espectro da esquerda, representado por sete governadores, segue uma agenda progressista, focada na promoção dos direitos humanos, igualdade de gênero e políticas públicas inclusivas. A maioria desses governadores segue a religião católica, mas com uma abordagem mais liberal em relação a questões sociais, como direitos reprodutivos e diversidade. Além disso, é importante destacar a presença do espiritismo em um dos casos, refletindo a diversidade religiosa dentro da esquerda, em contraste com a dominância do protestantismo na direita.
Tendências Religiosas e Implicações para o Cenário Político
A religião emerge como um dos principais fatores de diferenciação no cenário político atual. A correlação entre a direita e o protestantismo evangélico tem sido um motor importante no fortalecimento dessa ala política, especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde a presença de grupos evangélicos é mais expressiva. A influência dos evangélicos, portanto, continua a consolidar a direita como um bastião de valores cristãos, com um enfoque nas pautas conservadoras, como a restrição de direitos reprodutivos e a oposição ao aborto.
Por outro lado, a presença do catolicismo permanece dominante no Brasil, embora com um padrão mais diluído entre as diferentes correntes políticas. Enquanto a direita adota um discurso alinhado aos valores religiosos, o centro e a esquerda tendem a tratar a religião de maneira mais moderada, buscando, no caso do centro, um equilíbrio pragmático entre questões sociais e econômicas, e, no caso da esquerda, uma abordagem mais progressista e inclusiva.
A presença da religião espírita entre alguns governadores de esquerda também sinaliza uma maior diversidade religiosa nesse espectro político, contrastando com o perfil mais homogêneo observado na direita e no centro. Essa diversidade religiosa pode indicar uma flexibilidade maior na forma como as questões sociais são tratadas, com uma ênfase maior em direitos individuais e políticas públicas voltadas para a inclusão social.
Implicações para o Futuro Político
A crescente força de governadores de direita apoiados por grupos evangélicos sugere a continuidade de políticas conservadoras, especialmente em questões relacionadas à família e aos valores cristãos. Esses governadores provavelmente seguirão promovendo uma agenda que prioriza a restrição de direitos reprodutivos, a oposição ao aborto e a valorização de princípios religiosos na esfera pública. Por outro lado, o centro político se configura como um campo de negociação, onde as questões sociais e econômicas são tratadas de forma mais flexível e técnica, com a religião ainda presente, mas sem a mesma centralidade que possui à direita.
A esquerda, com seu foco progressista e inclusivo, tende a continuar promovendo a ampliação dos direitos humanos, com uma abordagem mais liberal em relação a questões sociais e religiosas, sem submeter suas políticas a um alinhamento rígido com qualquer grupo religioso específico. Essa configuração sugere que, apesar das tensões e divisões, o Brasil continuará a ser um campo de disputas intensas entre diferentes visões de mundo, com a religião desempenhando um papel determinante nas escolhas políticas e nas perspectivas sobre o futuro do país.
A esquerda enfrenta desafios para articular uma agenda progressista diante da crescente polarização religiosa e conservadora. No entanto, governadores de esquerda podem se concentrar em políticas inclusivas, com foco em direitos humanos e justiça social, mas também terão de lidar com as tensões religiosas presentes no Brasil.
O Brasil está majoritariamente governado por governadores de direita, com uma presença significativa de evangélicos, refletindo uma crescente polarização religiosa na política nacional. A relação entre direita e religião evangélica continua forte, enquanto o centro e a esquerda buscam manter um espaço político, muitas vezes focando em pragmatismo e inclusividade. A influência da religião, especialmente no campo da direita, provavelmente continuará a moldar as políticas públicas, especialmente em temas sociais.
A divisão religiosa dentro do cenário político brasileiro parece não apenas refletir, mas também reforçar, a polarização política que o país enfrenta atualmente.
O processo eleitoral de 2022 reforçou ainda mais a centralidade da religião na política brasileira, consolidando uma aliança estratégica entre o conservadorismo evangélico e projetos autoritários de poder. Os dados analisados revelam um cenário paradoxal: embora a representatividade de mulheres, negros e indígenas tenha avançado lentamente, a direita ampliou seu domínio nas assembleias legislativas, governos estaduais e no Congresso, com uma base eleitoral que vê na fé um instrumento para estruturar a ordem social. A polarização ideológica e religiosa que se intensificou nas urnas em 2022 aponta para um Brasil profundamente dividido, no qual fé e ideologia se entrelaçam de forma indissociável, moldando os rumos da democracia nacional.
2. Achados da pesquisa de 2022: Do púlpito às urnas: instrumentalização religiosa e autoritarismo nas eleições de 2022
Os resultados da pesquisa realizada em 2022, retomando os mesmos locais e perfis investigados em 2018, permitem observar deslocamentos importantes nas percepções políticas e nos critérios de identificação eleitoral entre os entrevistados. Se, em 2018, predominavam sentimentos de ruptura com a ordem política tradicional e um discurso difuso contra a “corrupção” institucional, em 2022 o cenário se intensificou em outra direção: o componente religioso passou a desempenhar um papel mais central, reorganizando valores morais, afetos políticos e posicionamentos eleitorais.
Entre os achados mais relevantes está o avanço de uma gramática política marcada pela fusão entre fé e poder, em que a ideia de um “Governo de Deus” sobrepõe-se à concepção de Estado laico garantida constitucionalmente. Tal processo, já insinuado em 2018, foi ampliado e normalizado nas eleições de 2022 por meio da monetização da fé, da mobilização simbólica de temas religiosos em espaços públicos e da presença ativa de lideranças evangélicas em campanhas políticas, principalmente nas eleições presidenciais de 2022.
O que se observa não é apenas o uso estratégico da religião como recurso eleitoral, mas uma tentativa sistemática de redefinir os marcos normativos do Estado, deslocando o centro de gravidade do debate público para uma esfera dogmática e disciplinadora, com impactos diretos sobre direitos fundamentais, especialmente os vinculados às pautas de gênero, sexualidade, educação e pluralismo.
A eleição de 2022 destaca-se por sua profunda imbricação com o contexto religioso, sobretudo pela atuação de lideranças evangélicas e neopentecostais. Esses líderes não apenas manifestaram apoio explícito à candidatura de Jair Bolsonaro, representante da extrema-direita no Brasil, mas também transformaram seus templos religiosos em espaços de mobilização política para a agenda da extrema direta. Ao desconsiderar a tradicional separação entre religião e política, esses atores utilizaram o púlpito para legitimar ideologias alinhadas a pautas autoritárias e fascistas, configurando um quadro em que a “Igreja com Partido” politiza a fé dos seus seguidores em prol de uma agenda ideológica conservadora.
Tal fenômeno sinaliza um deslocamento significativo da narrativa eleitoral do campo partidário para o domínio religioso — espaço tradicionalmente associado à fé e à formação de valores morais. Esse movimento remete a padrões históricos de governança, como os observados na cristandade medieval, em que as esferas religiosa e política se entrelaçavam profundamente. No entanto, o que se observa no contexto atual é a apropriação seletiva de símbolos cristãos para justificar projetos autoritários e excludentes, frequentemente em desacordo com os princípios éticos centrais do cristianismo, como a compaixão, a justiça social e o acolhimento dos vulneráveis.
A igreja, tradicionalmente entendida como espaço de pureza e sacralidade, vê-se comprometida pela propagação de discursos que distorcem seus valores essenciais. Ao servirem para justificar práticas corruptas, defender agentes envolvidos em escândalos e desqualificar opositores políticos, essas instituições protagonizam uma inversão completa dos ensinamentos cristãos, que colocam o amor, a compaixão e a tolerância como alicerces da convivência social.
Esta reconfiguração do espaço sagrado em um cenário de disputas políticas e ideológicas durante as eleições brasileiras não apenas questiona a integridade das práticas religiosas contemporâneas, mas também suscita preocupações relevantes acerca da saúde da democracia no país, evidenciando a necessidade urgente de repensar a relação entre fé e poder no século XXI.
O processo eleitoral de 2022 revelou uma inquietante inversão de valores, deslocando o Brasil de um Estado laico rumo a um modelo cada vez mais próximo de um Estado teocrático. Cabe esclarecer que laicidade não equivale a ateísmo — equívoco frequentemente propagado por alguns atores políticos. Na verdade, o Estado laico se define pela capacidade de assegurar a pluralidade religiosa e garantir a coexistência pacífica das diversas crenças.
Nesse contexto eleitoral, a instrumentalização da religião não se apresenta como um caminho para a emancipação, mas como um mecanismo de opressão, violência simbólica e coerção política direcionada ao eleitorado. As narrativas mobilizadas distorcem, com frequência, os princípios tanto republicanos quanto cristãos, minando-os em vez de promovê-los.
A análise dos dados coletados na pesquisa de 2022 revela uma complexa trama na qual a religião se converteu em instrumento central para a mobilização política para o palco das eleições no Brasil contemporâneo. As igrejas evangélicas e neopentecostais emergem não apenas como espaços de fé, mas como protagonistas na construção de um projeto político conservador que articula símbolos, práticas e narrativas voltadas à manutenção de hierarquias sociais e à ampliação da polarização política.
Esse fenômeno expressa uma tensão profunda entre o princípio constitucional da laicidade do Estado e o avanço da influência religiosa no espaço público, configurando uma disputa que ultrapassa as esferas partidárias tradicionais. A instrumentalização da fé, somada à mercantilização das práticas religiosas e à imposição de disciplina sobre os fiéis, resulta em formas específicas de controle social e político que impactam diretamente o exercício da cidadania e a qualidade da democracia brasileira.
Para fins deste estudo, adotou-se como opção metodológica o uso dos termos “igrejas evangélicas” e “neopentecostais” para designar o conjunto de denominações cristãs não católicas com maior incidência nas práticas observadas. Reconhece-se a limitação e os riscos de homogeneização implicados nessa escolha, mas ela se justifica pela necessidade de delimitação do objeto e pela centralidade empírica dessas expressões religiosas nos dados analisados.
Durante a coleta e análise das entrevistas, observou-se que essas igrejas não apenas reproduzem, mas reconfiguram sentidos políticos, operando como espaços privilegiados de socialização moral, disciplinamento do corpo e gestão dos afetos. A política, nesse contexto, não aparece como campo de disputa racional entre projetos distintos de sociedade, mas como guerra espiritual entre “o bem” e “o mal”, entre “os de Deus” e “os inimigos”.
Entre os achados mais relevantes está o aprofundamento da fusão entre religião e política, por meio de uma intensa mobilização simbólica, econômica e afetiva promovida por igrejas evangélicas e lideranças religiosas que atuaram ativamente nas campanhas — sobretudo nas eleições presidenciais de 2022. Esse processo resultou não apenas na violação dos princípios constitucionais do Estado laico, mas também na legitimação de discursos autoritários e excludentes em nome da fé.
A análise dos dados aponta para nove eixos centrais que serão discutidos ao longo das seções seguintes:
1. Instrumentalização da religião na política, com igrejas evangélicas e neopentecostais atuando como plataformas estratégicas para a mobilização eleitoral e construção de identidades políticas exclusivistas.
2. Monetização da fé, evidenciando a transformação das práticas religiosas em empreendimentos econômicos que financiam campanhas políticas e fortalecem lideranças religiosas.
3. Controle e coação sobre fiéis, por meio de práticas que monitoram, disciplinam e ameaçam eleitores, especialmente mulheres e grupos vulneráveis.
4. Narrativas de medo e desinformação, que alimentam a polarização e dificultam o diálogo democrático.
5. Mudança na expressão do preconceito, com a persistência de discriminações veladas mesmo diante da redução dos discursos explícitos.
6. Priorização da pauta econômica nas eleições, coexistindo com agendas conservadoras.
7. Impacto do armamentismo sobre o aumento da violência doméstica e a vulnerabilidade de grupos historicamente oprimidos.
8. Persistência do conservadorismo religioso, que mantém valores tradicionais e resistência aos direitos humanos e à diversidade.
9. Demanda por regimes autoritários e poder supremo ao líder, consolidando projetos políticos personalistas que fragilizam as instituições democráticas.
Tais achados revelam um cenário em que a religião é mobilizada não como um espaço de emancipação ou cuidado coletivo, mas como instrumento de dominação simbólica e política. As próximas seções apresentam e analisam detalhadamente cada um desses pontos, lançando luz sobre as intersecções entre fé, poder e democracia no Brasil contemporâneo.
2.1 A instrumentalização religiosa como tecnologia política nas eleições de 2022
Trata-se de um fenômeno que ultrapassa o simples apoio político por parte de líderes religiosos: o que se evidencia é a constituição de um ecossistema de poder, no qual estruturas e símbolos religiosos são mobilizados para naturalizar desigualdades, legitimar violências simbólicas e promover um projeto de sociedade baseado em hierarquias morais e exclusões sociais. Entre os principais achados, destaca-se a intensificação de processos de instrumentalização da religião, nos quais lideranças evangélicas transformam o espaço eclesial em plataforma política. Esse movimento evidencia o que Michel Foucault chamou de microfísica do poder — formas capilares e difusas de dominação que operam sobre os corpos, os afetos e as consciências, promovendo a internalização de normas e a adesão voluntária à autoridade (Foucault, 2011; Michel Foucault, 1987, 1988, 1999a, 1999b, 2002). Nesse caso, trata-se da produção de sujeitos políticos a partir da doutrina religiosa, submetidos a dispositivos de controle e disciplinamento legitimados em nome da fé.
As perguntas que orientaram esta pesquisa ganham, assim, densidade e contorno empírico a partir do material analisado:
- A quem serve o discurso opressivo que circula em certos templos e práticas eclesiais?
- Quais formas de subjetivação política e moral estão sendo forjadas entre os fiéis, convertidos também em eleitores?
- Que sociedade se projeta a partir do entrelaçamento entre fé e autoritarismo?
- E quais os impactos dessa aliança sobre o ideal democrático, a laicidade do Estado e os direitos das minorias?
As respostas a essas questões começam a emergir das entrevistas e observações realizadas durante o ano eleitoral de 2022, revelando estratégias de articulação entre crença religiosa e ativismo político que operam no plano simbólico e afetivo, e que incidem diretamente sobre a formação da opinião pública, os comportamentos eleitorais e os sentidos atribuídos à política e à cidadania.
A crescente imbricação entre fé e política no cenário brasileiro contemporâneo exige um esforço analítico que vá além da simples constatação de sua ocorrência. O fenômeno observado nas eleições de 2022 indica uma profunda reorganização dos marcos simbólicos da participação política, em que categorias religiosas — tradicionalmente associadas à experiência da fé, à espiritualidade pessoal e à vida comunitária — são mobilizadas como instrumentos de definição eleitoral, disciplinamento social e legitimação de projetos autoritários. A partir da escuta qualitativa com eleitores(as) bolsonaristas e da observação de práticas discursivas em ambientes religiosos, identificaram-se cinco eixos centrais que estruturam essa religiosidade politicamente engajada: a erosão da laicidade, a transformação das igrejas em espaços partidários, a reatualização da metáfora do rebanho, a monetização da fé e a conversão litúrgica em estratégia eleitoral.
Tais dinâmicas operam no plano do simbólico e do afetivo, conferindo à religião um papel estruturante na produção de subjetividades políticas. Em vez de servir como lugar de acolhimento, reflexão moral e abertura ao outro, a fé é, muitas vezes, instrumentalizada como tecnologia de poder, forjando vínculos de obediência, homogeneização de condutas e exclusão dos diferentes. É nesse cenário que se impõe a necessidade de distinguir os múltiplos campos do cristianismo não católico, evitando generalizações e reconhecendo as especificidades doutrinárias, históricas e sociológicas de suas principais vertentes — do protestantismo histórico ao neopentecostalismo contemporâneo.
As análises que se seguem propõem-se, assim, a mapear os sentidos atribuídos à política por meio da gramática religiosa, evidenciando como essa fusão tem reconfigurado não apenas o voto, mas o próprio imaginário moral da sociedade brasileira. A religião, nesses contextos, deixa de ser apenas crença — torna-se projeto político.
As seções seguintes apresentam os principais eixos temáticos identificados nas entrevistas e observações realizadas durante o ano eleitoral de 2022. Cada eixo corresponde a uma estratégia de articulação entre crença religiosa e ativismo político, que, ao operar no campo do simbólico e do afetivo, incide diretamente sobre a formação da opinião pública:
· Laicidade versus Teocracia: o tensionamento entre o princípio constitucional da separação entre Igreja e Estado e os discursos que almejam submeter a política à moral religiosa, promovendo uma erosão da laicidade sob o manto da “defesa dos valores cristãos”.
· Igreja com Partido: a transfiguração de comunidades de fé em núcleos de militância ideológica, onde a escolha eleitoral é apresentada como expressão de obediência espiritual.
· Fiéis versus Rebanho: a produção de uma subjetividade política marcada pela obediência pastoral, na qual a figura do “rebanho” é reatualizada para operar como metáfora e prática de docilidade.
· Monetização da Fé: o cruzamento entre economia da salvação e economia de mercado, em que dízimos, campanhas de prosperidade e promessas de bênçãos são instrumentalizados como formas de sustentação de projetos políticos e de enriquecimento de lideranças religiosas.
· Igreja com Palanque Eleitoral: a conversão de rituais litúrgicos e celebrações religiosas em instrumentos de campanha, onde orações se tornam comícios e cultos se transformam em arenas de combate político.
2.1.1 Laicidade versus teocracia
Esta pesquisa revela a crescente intersecção entre religião e política que definiu a eleição de 2022, ampliando uma tendência já identificada em 2018 de forma mais estruturada e pronunciada. Um dos achados mais importantes é a disputa política que ameaça a transição do Estado laico para um modelo teocrático. Esse cenário é intensificado pela ascensão da "Igreja com Partido", com uma presença marcante de igrejas evangélicas e neopentecostais, diferenciando-se da influência historicamente exercida pela Igreja Católica na política nacional.
A disputa entre laicidade e teocracia ressalta não apenas uma mudança nos atores religiosos que influenciam o espaço político, mas também uma transformação significativa na própria dinâmica política. A Igreja Católica, que anteriormente ocupava um papel central na interação entre fé e política no Brasil, vê-se agora acompanhada, e em alguns aspectos ultrapassada, por movimentos evangélicos e neopentecostais. Essa evolução reflete uma diversificação das vozes religiosas na arena política, marcando um momento crucial de redefinição dos limites entre o sagrado e o secular na sociedade brasileira.
A expressão "o sagrado e o secular na sociedade brasileira" refere-se à interação e ao equilíbrio entre elementos religiosos (sagrados) e não religiosos (seculares) dentro do contexto social e cultural do Brasil. Este contraste abrange uma ampla gama de dimensões, incluindo políticas, culturais, sociais e legais, refletindo como as crenças religiosas e as práticas seculares coexistem, interagem e, às vezes, entram em conflito no país.
O "sagrado" refere-se a tudo o que é considerado religioso ou espiritual, abrangendo crenças, práticas, instituições e objetos que as pessoas consideram sagrados ou divinos. No Brasil, um país conhecido por sua diversidade religiosa, o sagrado manifesta-se de várias formas, incluindo o catolicismo, que tem sido historicamente dominante, assim como o protestantismo, o pentecostalismo, o neopentecostalismo, religiões afro-brasileiras como o Candomblé e a Umbanda, entre outras expressões de fé.
O "secular" abrange aspectos da vida social e cultural que não são explicitamente religiosos, incluindo políticas governamentais, educação, ciência, economia e entretenimento. A secularização refere-se ao processo pelo qual áreas da vida, anteriormente influenciadas ou controladas por instituições religiosas, tornam-se independentes dessas influências, guiadas por princípios racionais, científicos ou éticos não religiosos.
No Brasil, a relação entre o sagrado e o secular é complexa e multifacetada. Por um lado, a Constituição brasileira de 1988 estabelece a separação entre Igreja e Estado, garantindo a liberdade de crença e culto e enfatizando a natureza laica do Estado. Por outro lado, a religião desempenha um papel significativo na vida pública e na identidade cultural do país, influenciando desde festivais e feriados até debates sobre políticas públicas e comportamento eleitoral.
A interação entre o sagrado e o secular torna-se particularmente visível em discussões sobre questões morais e sociais, como direitos LGBTI+, aborto, educação sexual nas escolas e políticas de saúde pública. A ascensão política de líderes e partidos ligados a agendas religiosas específicas, especialmente das igrejas católicas, evangélicas e neopentecostais, ilustra a influência crescente do sagrado no espaço secular, desafiando a separação entre religião e Estado e provocando debates sobre a manutenção do laicismo.
As igrejas evangélicas e neopentecostais têm demonstrado uma atuação partidária sem precedentes, mergulhando ativamente nas campanhas eleitorais e mobilizando seus fiéis numa disputa explícita pelo poder político e acesso a recursos orçamentários. Essa dinâmica transformou os espaços de culto em verdadeiros palcos eleitorais, inaugurando uma era na qual a fronteira entre o espiritual e o político no Brasil torna-se cada vez mais difusa. Tal fenômeno não apenas reconfigura o papel tradicional das igrejas na sociedade, mas também desafia os princípios de laicidade ao entrelaçar crenças religiosas com agendas políticas.
Segundo dados levantados pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER), na atual configuração da Câmara dos Deputados no Brasil, nota-se uma representação religiosa diversificada que, de certa forma, reflete o amplo espectro de crenças presentes na sociedade brasileira. Dos 514 parlamentares que compõem a casa, a distribuição por afiliação religiosa destaca uma forte predominância do Catolicismo, com 235 deputados se identificando como católicos, representando 45,72% do total. Essa proporção não apenas evidencia a influência histórica do Catolicismo no Brasil, mas também sublinha seu papel continuamente proeminente na arena política do país, conforme aponta o levantamento realizado pelo ISER (INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER), 2023).
Além do Catolicismo, o segmento identificado genericamente como "Cristãos", que abrange diversas denominações não católicas, representa 16,73% da Câmara, com 86 deputados. Essa categoria sugere uma presença significativa de outras vertentes cristãs, evidenciando a pluralidade dentro do cristianismo praticado no Brasil. Os Evangélicos, especificamente, formam outro grupo notável, com 76 deputados ou 14,79% do total, indicando a influência crescente dessas denominações no cenário político nacional.
A representação de crenças minoritárias, como Afrorreligiosos (3 deputados, 0,58%), Espiritualidades Indígenas (1 deputado, 0,19%), e Espíritas (2 deputados, 0,39%), embora numericamente modesta, é significativa por demonstrar a inclusão de uma ampla gama de expressões de fé no parlamento. No entanto, esses números também apontam para uma possível sub-representação dessas crenças na política brasileira, levantando questões sobre diversidade e inclusão no espectro religioso do parlamento.
Notavelmente, 98 deputados (19,07%) não tiveram sua afiliação religiosa identificada, e 12 deputados (2,33%) se declararam sem religião. Esses dados sugerem uma parcela da representação política que escolhe não declarar sua afiliação religiosa ou que se identifica com a ausência de crença religiosa, refletindo as complexidades da identidade religiosa na política brasileira.
A composição religiosa da Câmara dos Deputados, portanto, não apenas destaca a predominância do cristianismo, particularmente do Catolicismo e das vertentes Evangélicas, mas também revela a existência de uma pluralidade que vai além do monolitismo religioso. Esta diversidade, contudo, traz à tona desafios relativos à representatividade, à laicidade do Estado e ao papel da religião na definição de políticas públicas, questionando como o Brasil pode equilibrar a rica tapeçaria de crenças religiosas de sua população com os princípios de um Estado laico e democrático.
A pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) sobre a identidade religiosa dos deputados federais eleitos e dos suplentes que assumiram mandato na 57ª Legislatura (2023-2027) oferece uma visão detalhada e reveladora das dinâmicas entre religião e política no Brasil. Este estudo não apenas fornece um panorama atualizado da composição religiosa na Câmara dos Deputados, mas também serve como um recurso valioso para pesquisadores e demais interessados em analisar a influência do pertencimento religioso na formulação de políticas públicas e na retórica parlamentar. Um aspecto particularmente intrigante do levantamento é a observação sobre a estagnação no número de deputados evangélicos, contrariando as expectativas de líderes influentes dentro desse segmento religioso.
A demanda por fidelidade do voto entre os evangélicos, expressa pelo presidente da Frente Parlamentar Evangélica (FPE), o deputado pastor Sóstenes Cavalcante, revela uma tensão inerente ao coração da democracia representativa. A aspiração de alinhar a representação política na Câmara dos Deputados com a proporção demográfica dos evangélicos no Brasil, visando atingir um marco de 30%, levanta questões críticas sobre a natureza e os limites da representação política em um Estado laico.
Em primeiro lugar, a ênfase na "fidelização" dos votos do segmento evangélico pode ser interpretada como uma tentativa de homogeneizar um grupo demográfico diversificado, ignorando a pluralidade de crenças, interpretações teológicas e prioridades políticas dentro da comunidade evangélica. Essa abordagem reducionista corre o risco de simplificar excessivamente a complexa tapeçaria de identidades religiosas e políticas, potencialmente alienando aqueles cujas convicções podem divergir das posições dominantes dentro da FPE.
Além disso, a estratégia de mobilizar votos com base em identidades religiosas desafia o princípio da separação entre Igreja e Estado, um pilar fundamental das democracias modernas. Ao buscar uma representação política proporcional à sua presença demográfica, a liderança evangélica pode estar inadvertidamente promovendo uma fusão entre esferas religiosa e política que ameaça a neutralidade do Estado em assuntos de fé. Isso não apenas coloca em risco a imparcialidade do Estado, mas também mina a inclusividade e a diversidade, valores essenciais em uma sociedade democrática e pluralista.
A demanda por fidelidade do voto também levanta questões sobre a autonomia individual e a liberdade de escolha. Em uma democracia saudável, o voto é uma expressão da vontade individual, refletindo uma variedade de considerações, incluindo, mas não limitadas a, questões de fé. A pressão para que os eleitores votem de acordo com as diretrizes de lideranças religiosas pode ser vista como uma forma de coerção, limitando a liberdade de escolha e promovendo um monolitismo que é antitético aos ideais democráticos de liberdade e diversidade.
Por fim, a instrumentalização da fé para fins políticos pode ter implicações duradouras para a coesão social. Ao transformar espaços de culto em arenas políticas, corre-se o risco de polarizar ainda mais a sociedade, exacerbando divisões e conflitos. Além disso, a crescente politização das igrejas pode desviar o foco de sua missão espiritual e social, comprometendo sua capacidade de atender às necessidades espirituais e materiais de suas comunidades.
Em suma, enquanto a representação política equitativa é um objetivo louvável, a abordagem adotada pela liderança evangélica, conforme expressa pelo deputado pastor Sóstenes Cavalcante, merece uma análise crítica. A ênfase na fidelização do voto evangélico toca em questões fundamentais sobre os limites da influência religiosa na política, a autonomia individual e o respeito pela pluralidade e pela separação entre Igreja e Estado, desafiando os princípios democráticos que sustentam a sociedade brasileira.
Neste contexto, as igrejas evangélicas e neopentecostais emergem como forças políticas potentes, canalizando sua influência espiritual para o âmbito político com uma eficácia que remodela o cenário eleitoral brasileiro. Embora algumas congregações católicas também tenham começado a participar dessa tendência, adotando posturas mais ativas na política, seu engajamento ainda é considerado modesto em comparação ao ímpeto e à organização observados nas comunidades evangélicas e neopentecostais.
Essa nova configuração sugere uma revisão necessária dos paradigmas que governam as interações entre religião e estado no Brasil, exigindo uma reflexão aprofundada sobre as implicações dessa convergência para a democracia e a governança laica. A inserção da religião no debate político, por meio dessas igrejas, não apenas redefine o papel social que elas desempenham, mas também levanta questões fundamentais sobre a autonomia das instituições estatais frente a influências religiosas crescentemente assertivas.
Este momento histórico distingue-se pela forma como a religião transcendeu a esfera privada, influenciando de maneira profunda e direta a formulação de políticas públicas e a governança estatal no Brasil. A proposta de um Estado pautado em princípios bíblicos, tal como interpretados por igrejas evangélicas e neopentecostais, não é apenas um discurso teórico, mas tornou-se uma aspiração política tangível, refletida em várias frentes de ação governamental.
Embora a interseção entre religião e política não seja uma novidade em contextos eleitorais — com a agenda conservadora frequentemente evocando temas como o antiaborto para galvanizar o apoio religioso —, o cenário atual é marcado por uma influência religiosa sem precedentes na política pública. Essa expansão vai além de debates morais e familiares, inserindo-se no âmago da gestão pública e da definição de políticas que afetam todos os aspectos da vida social e econômica.
O que se destaca, portanto, é a amplitude e a intensidade com que as concepções religiosas começaram a moldar as decisões políticas e administrativas. As políticas de saúde, educação, meio ambiente e direitos humanos, entre outras, são agora campos de batalha ideológicos onde visões de mundo religiosas buscam se afirmar e direcionar o rumo das ações governamentais. Isso sugere uma mudança paradigmática onde a fé não apenas informa as preferências políticas individuais, mas aspira a reconfigurar o próprio tecido da governança nacional.
Este fenômeno levanta questões cruciais sobre a separação entre Igreja e Estado, um princípio fundamental da democracia que visa garantir a liberdade religiosa e proteger o espaço público de ser dominado por qualquer credo específico. A emergência de uma agenda política explicitamente religiosa desafia essa separação, colocando em risco não apenas a neutralidade estatal em assuntos de fé, mas também a inclusividade e a pluralidade que caracterizam uma sociedade democrática.
Portanto, a análise desse contexto requer uma reflexão cuidadosa sobre os limites da influência religiosa na política e as implicações dessa tendência para a democracia brasileira. Como equilibrar as convicções religiosas profundamente arraigadas de uma parcela significativa da população com a necessidade de manter um Estado laico e inclusivo? A resposta a essa pergunta é fundamental para entender os desafios e oportunidades que o Brasil enfrenta nesta encruzilhada histórica.
O diferencial deste momento histórico reside no fato de que a pauta religiosa ultrapassou os limites da vida privada e da família, adentrando decisivamente o terreno das políticas públicas e da governança estatal. A visão de um Estado regido pelos princípios bíblicos, conforme interpretados por igrejas evangélicas e neopentecostais, emerge como uma realidade política concreta.
Este fenômeno não é novo em períodos eleitorais, onde a agenda conservadora, especialmente a pauta antiaborto, tradicionalmente mobiliza narrativas religiosas. No entanto, o que agora se observa é uma expansão dessa influência para além das questões morais e familiares, atingindo o cerne da formulação e implementação de políticas públicas.
A presente análise busca não apenas descrever esse cenário, mas também entender as implicações dessa transformação para o tecido social e político brasileiro. Ao optar pelos termos "igrejas evangélicas e neopentecostais", o estudo procura abarcar um espectro amplo de congregações cristãs não católicas, reconhecendo a complexidade e a diversidade do campo religioso no Brasil. Tal escolha reflete a predominância dessas agremiações entre os eleitores participantes da pesquisa, conforme evidenciado nas entrevistas.
Assim, esta pesquisa ilumina a crescente partidarização da fé no Brasil, um fenômeno que desafia as fronteiras tradicionais entre o sagrado e o secular, e que convoca uma reflexão crítica sobre os rumos da democracia brasileira em um contexto de crescente influência religiosa na esfera política. A análise apresentada nesta pesquisa destaca um fenômeno sem precedentes na história republicana do Brasil: a emergência de uma disputa política que tangencia a fronteira entre a manutenção do Estado laico e a inclinação para um modelo de governança teocrático. Este movimento é principalmente mediado pela "Igreja com Partido", uma alusão à crescente influência política de igrejas evangélicas e neopentecostais, contrastando com um apoio mais moderado de segmentos da Igreja Católica.
Historicamente, a relação entre religião e política no Brasil tem sido complexa, porém, o atual cenário revela uma intensificação da atuação partidária de entidades religiosas, sobretudo evangélicas e neopentecostais. Estas igrejas não apenas se engajam ativamente nas campanhas eleitorais e na mobilização de fiéis contra opositores políticos, mas também disputam espaço político e recursos orçamentários de maneira mais explícita do que em qualquer outro momento da história republicana. As igrejas transformaram-se em verdadeiros palcos eleitorais, onde a agenda política é pregada junto à espiritual.
O que distingue este período de eleições anteriores é a amplitude com que a pauta religiosa se insere nas discussões sobre políticas públicas e na direção das ações do Estado. A religião, especificamente as interpretações bíblicas promovidas por igrejas evangélicas e neopentecostais, agora orienta decisões governamentais e a formulação de políticas públicas de uma maneira sem precedentes na política brasileira.
Este fenômeno não é inteiramente novo em períodos eleitorais, visto que agendas conservadoras, especialmente relacionadas à pauta antiaborto, têm tradicionalmente mobilizado o apoio religioso. No entanto, a influência religiosa atual transcende essas questões morais e familiares, permeando a gestão pública e a definição de políticas em uma gama mais ampla de áreas, marcando uma mudança significativa em relação ao passado.
Entender este debate é crucial, pois reflete uma longa tradição de vinculação entre religião e política no Brasil, onde a Igreja Católica historicamente desempenhou um papel influente. A emergência de uma pauta explicitamente religiosa na esfera política desafia os fundamentos do Estado laico e suscita importantes questionamentos sobre a separação entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa e a pluralidade democrática. A atual conjuntura, portanto, demanda uma análise crítica e profunda sobre como a religião molda as políticas públicas e a governança no Brasil, destacando a necessidade de reavaliar os limites da influência religiosa na política em um contexto de crescente partidarização da fé.
2.2 Igreja com Partido
A evolução da relação entre igreja e política no Brasil tem atingido um marco significativo na contemporaneidade, caracterizado por uma tendência que denomino "Igreja com Partido". Essa tendência marca uma ruptura histórica com o papel tradicionalmente mais reservado que as instituições religiosas desempenhavam na esfera política do país.
Historicamente, desde o ano de 1500, a Igreja Católica tem sido uma força influente na política brasileira. A icônica pintura de Victor Meirelles, "Primeira Missa no Brasil" (1860), é emblemática dessa influência, retratando a conexão entre fé e poder desde os primórdios da colonização. Ao longo dos séculos, a Igreja Católica não apenas defendeu seus interesses durante os processos eleitorais, mas também se posicionou como um ator significativo nos momentos cruciais da história nacional.
Durante a Ditadura Civil-Militar (1964-1986), por exemplo, a aliança entre os militares e a Igreja Católica destacou-se como um pilar para a consolidação do regime, embora houvesse correntes dentro da própria igreja, como a Teologia da Libertação, que se opunham à ditadura e seguiam um caminho divergente. Neste período, a Igreja Católica, apesar de suas complexas dinâmicas internas, manteve uma aparência de neutralidade apartidária perante a sociedade.
No entanto, o cenário político-religioso no Brasil sofreu uma transformação dramática nas últimas eleições. A postura historicamente apartidária das instituições religiosas, em especial da Igreja Católica, foi abandonada, em um gesto simbólico reminiscente da passagem bíblica em que o véu do Templo de Salomão se rasga após a morte de Jesus, conforme descrito em Mateus 27:50-51. Esse ato simbólico de "rasgar a veste apartidária" reflete a intensificação da partidarização das igrejas, que agora se engajam abertamente no cenário político, promovendo agendas e candidatos específicos.
A emergência dessa "Igreja com Partido" representa não apenas uma nova fase na interação entre religião e política no Brasil, mas também suscita questões profundas sobre os impactos dessa tendência na laicidade do Estado e na democracia. As igrejas, ao assumirem papéis ativamente partidários, desafiam a separação tradicional entre o sagrado e o secular, influenciando diretamente as políticas públicas e o comportamento eleitoral de seus fiéis.
Esse fenômeno exige uma análise cuidadosa e crítica das implicações para a sociedade brasileira, levantando debates essenciais sobre o futuro da democracia, a liberdade religiosa e a manutenção dos princípios laicos em um país marcado por sua diversidade cultural e religiosa. A "Igreja com Partido" não é apenas um indicativo da crescente influência religiosa na política, mas também um chamado para refletir sobre os limites dessa influência e assegurar que o Brasil continue a promover um espaço público inclusivo e democrático.
Nas eleições de 2022 no Brasil, observa-se um fenômeno preocupante: o uso dos púlpitos de várias igrejas como plataformas para a promoção de agendas da extrema-direita, visando especialmente à reeleição de Jair Bolsonaro. Este movimento reflete uma tendência crescente de partidarização das instituições religiosas, um processo que não é inédito na história, mas que agora assume contornos específicos no contexto brasileiro.
É importante salientar que a menção a este fenômeno não busca estabelecer paralelos diretos entre as figuras históricas contemporâneas e Jesus Cristo. A referência aos eventos bíblicos visa ilustrar como a politização da religião, especialmente por parte de lideranças religiosas, pode ter consequências profundas, como demonstrado pela crucificação de Jesus, um episódio marcado pela disputa política entre clérigos da época.
A atual conjuntura eleitoral revela um confronto significativo com o princípio do Estado laico, destacando-se como um dos principais campos de batalha político no país, sob minha perspectiva. Observa-se que a agenda moral tradicional cede espaço para uma agenda intensamente religiosa, que subsume questões morais sob o manto do cristianismo, revelando uma estratégia de camuflagem de pautas ideológicas.
A transformação de alguns indivíduos entrevistados em líderes religiosos, e a consequente aquisição de uma autoridade discursiva significativa, é um fenômeno que merece um olhar mais atento. Ao assumirem posições de liderança, essas pessoas passam a ser vistas como arautos da verdade por seus seguidores, uma posição que lhes confere um poder considerável na moldagem das percepções e opiniões de sua comunidade. Esta autoridade não se restringe a questões de fé, mas se estende ao território da política, onde a retórica religiosa é usada para definir os contornos de uma luta ideológica entre o bem e o mal.
Neste cenário polarizado, adversários políticos são frequentemente demonizados, como observado na personificação do mal na figura de Luiz Inácio Lula da Silva, pejorativamente rotulado de "ladrão" por esses líderes. Tal estratégia não apenas simplifica indevidamente o debate político a um dualismo moral, mas também ignora as complexidades inerentes ao processo democrático, incluindo a presunção de inocência e o respeito pelas decisões judiciais. A persistência da descrença em relação à absolvição de Lula, apesar das evidências e do veredicto legal, revela uma recusa em aceitar informações que contradigam a narrativa construída por esses líderes.
O apelo a "outras fontes de informação", quando confrontado com fatos que desafiam essas crenças, é particularmente revelador. A indefinição e obscuridade dessas fontes indicam uma possível dependência de circuitos informacionais fechados e polarizados, onde a verificação factual é secundarizada em favor da manutenção de uma narrativa conveniente. Esse fenômeno não apenas dificulta o diálogo e o entendimento mútuo entre diferentes segmentos da sociedade, mas também mina a base informacional sobre a qual as decisões políticas e eleitorais deveriam idealmente ser tomadas.
Essa dinâmica culmina na declaração de apoio a outro candidato, muitas vezes baseada em critérios que não são transparentes ou bem fundamentados. A escolha de um candidato torna-se, assim, menos uma decisão informada por uma análise crítica das políticas propostas e mais uma expressão de lealdade a uma visão de mundo construída e sustentada por lideranças religiosas com interesses políticos específicos.
Esse cenário evidencia não apenas a influência crescente da religião na política brasileira, mas também a necessidade de um debate crítico sobre as implicações dessa tendência para a democracia e para a laicidade do Estado. A partidarização das igrejas e a instrumentalização da fé para fins políticos específicos colocam em xeque valores democráticos fundamentais, exigindo uma reflexão atenta sobre o futuro da pluralidade e da liberdade religiosa no Brasil.
2.3 Fiéis versus rebanho, é igual eleitores: o que a psicanálise pode falar sobre isso
A eleição presidencial de 2022 no Brasil destaca-se não apenas pelo cenário político conturbado, mas também pela intensificação da intersecção entre religião e política, marcada pela convergência de discursos religiosos com a campanha de Jair Bolsonaro. Esse fenômeno evidencia uma dinâmica preocupante, onde igrejas assumem um papel ativamente partidário, transformando seus espaços sagrados em arenas políticas. A expressão "Igreja com Partido" encapsula essa tendência, onde a fé e a política se entrelaçam de maneira indistinta, apontando para uma mercantilização da religiosidade em favor de agendas conservadoras.
A pesquisa revelou uma contradição flagrante entre o discurso e a prática, evidenciando a disparidade entre as ideologias propagadas e as ações concretas realizadas
Ao fazer o argumento com o eleitor(a) bolsonarista, percebe-se um constrangimento da contradição da imagem agressiva e violenta que o presidente Jair Bolsonaro reproduz ao longo da sua carreira política, que foi agudizada, como presidente, principalmente durante a pandemia da covid 19 e no 7 de setembro de 2021.
A eleição presidencial de 2022 no Brasil destaca-se não apenas pelo cenário político conturbado, mas também pela intensificação da intersecção entre religião e política, marcada pela convergência de discursos religiosos com a campanha de Jair Bolsonaro. Esse fenômeno evidencia uma dinâmica preocupante, onde igrejas assumem um papel ativamente partidário, transformando seus espaços sagrados em arenas políticas. A expressão "Igreja com Partido" encapsula essa tendência, onde a fé e a política se entrelaçam de maneira indistinta, apontando para uma mercantilização da religiosidade em favor de agendas conservadoras.
Nesse contexto, torna-se crucial investigar como o discurso de fé contrasta com as atitudes e a retórica adotada por Bolsonaro, frequentemente marcadas por agressividade e antagonismo, especialmente evidenciadas durante a pandemia de COVID-19 e nos eventos do 7 de setembro de 2021. A discrepância entre os valores pregados por líderes religiosos e as ações do presidente gera uma contradição palpável entre os eleitores religiosos, muitos dos quais se veem forçados a conciliar suas convicções de fé com o apoio a um candidato cujas atitudes contradizem os ensinamentos de compaixão e pacifismo.
A tentativa de justificar ou ignorar essas contradições revela uma complexidade na relação dos fiéis com a verdade dos fatos, onde a desinformação e a negação se tornam ferramentas para sustentar o apoio político. Essa dinâmica é reforçada por lideranças religiosas que, ao propagarem uma visão maniqueísta da política, como uma luta do bem contra o mal, contribuem para a polarização e a construção de narrativas baseadas mais em crenças do que em fatos objetivos.
Os(as) eleitores(as) bolsonaristas entrevistados(as) afirmaram, em geral, desconhecer ou não apoiar determinados posicionamentos do presidente Bolsanaro. É particularmente curioso observar que pessoas com forte religiosidade possam se confrontar com contradições em relação à verdade dos fatos, chegando a recorrer à distorção ou à falsidade para justificar seu apoio ao candidato Bolsonaro. Essa prática de disseminar inverdades tem sido, de certa forma, legitimada e difundida como uma espécie de "hóstia" ou "unção" concedida por padres ou pastores a seus seguidores nas redes sociais.
É neste ponto que gostaria de comentar que a religiosidade dos bolsonaristas pode estar ancorada em outros dogmas que não têm a ver com os preceitos bíblicos, principalmente com relação à passagem de Cristo pela Terra, que pregou a paz e a libertação dos povos oprimidos: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos" (Lucas 4:18). Esta não é uma fala de natureza ideológica comunista, mas sim a essência do ensinamento cristão.
Na perspectiva psicanalítica, a análise desse trecho sugere uma reflexão sobre como os indivíduos constroem suas crenças e identidades religiosas. A citação do Evangelho de Lucas, que destaca a mensagem de paz, libertação e compaixão pregada por Jesus, apresenta uma visão idealizada da religião, associada a valores de altruísmo e solidariedade. No entanto, a interpretação dos bolsonaristas pode revelar uma reconfiguração desses preceitos, com uma ênfase seletiva em determinados aspectos da doutrina religiosa que se alinham com suas convicções políticas e ideológicas.
Freud, por exemplo, abordaria essa questão à luz do conceito de sublimação, sugerindo que os desejos e impulsos humanos são canalizados para formas socialmente aceitáveis de expressão, como a religião. Nesse sentido, a adoção seletiva de princípios religiosos pelos bolsonaristas pode refletir uma sublimação de ansiedades e conflitos internos relacionados à identidade e ao pertencimento social.
Além disso, Lacan contribui com a ideia do "Outro", que representa uma autoridade simbólica responsável por atribuir significado e orientação às experiências individuais. A interpretação seletiva dos ensinamentos religiosos pode ser entendida como uma busca por validação e identificação com esse "Outro", reforçando a coesão do grupo e a sensação de pertencimento.
No entanto, a distorção ou manipulação dos princípios religiosos também pode ser vista como uma manifestação de mecanismos de defesa, como a negação ou a racionalização, que servem para proteger o ego contra ansiedades e contradições internas. Assim, a interpretação seletiva dos ensinamentos religiosos pelos bolsonaristas pode ser entendida como uma forma de lidar com conflitos internos e justificar suas crenças e ações, mesmo que em desacordo com a mensagem original pregada por Jesus.
2.3.1 Controle dos pastores com seu rebanho
Durante a entrevista, algumas entrevistadas mostraram suas redes sociais, e algumas estavam sendo monitoradas por seus pastores para saber o que estavam fazendo. Havia ali uma rede permanente de informação e controle do rebanho pelo pastor da igreja, o que chamou muito a minha atenção. Houve um caso em que um pastor ordenou que a entrevista fosse encerrada e proibiu qualquer comunicação não autorizada por ele. Além disso, foi instruído que não se discutisse política com ninguém fora da igreja.
O controle exercido pelos líderes religiosos sobre os fiéis pode ser interpretado à luz dos conceitos psicanalíticos de submissão e identificação. A submissão dos fiéis aos pastores pode ser vista como uma forma de lidar com a ansiedade e a incerteza inerentes à condição humana. Ao se submeterem à autoridade do líder religioso, os fiéis encontram uma sensação de segurança e certeza em meio à complexidade e ambiguidade da vida.
Além disso, a proibição de discutir política fora do ambiente da igreja revela a rigidez das normas sociais impostas pelo grupo religioso. Essa rigidez reflete a necessidade de conformidade social e a supressão do pensamento crítico em prol da coesão do grupo. Sob essa perspectiva, os fiéis podem sentir-se compelidos a internalizar as crenças e valores do grupo, mesmo que isso signifique sacrificar sua autonomia e liberdade individual.
Por trás desses comportamentos, podem estar em jogo mecanismos de defesa psicológica, como a identificação e a idealização. Os fiéis podem identificar-se com o líder religioso e idealizá-lo como uma figura perfeita e infalível, projetando nele seus próprios desejos e aspirações. Essa idealização serve como uma forma de mitigar a ansiedade e a ambivalência inerentes à relação com a autoridade, oferecendo uma sensação de segurança e proteção.
No entanto, é importante reconhecer os potenciais efeitos negativos desse tipo de dinâmica. A submissão cega aos líderes religiosos pode levar à alienação e à perda do eu autêntico, resultando em uma identidade fragmentada e vulnerável à manipulação. Além disso, a supressão do pensamento crítico pode dificultar a capacidade dos fiéis de questionar e avaliar de forma objetiva as diretrizes impostas pelo grupo, aumentando o risco de abuso e exploração por parte dos líderes religiosos.
Por outro lado, a projeção ocorre quando os fiéis atribuem ao pastor características que eles próprios possuem, mas que são reprimidas ou negadas em seu próprio eu. Nesse sentido, os pastores podem representar uma espécie de receptáculo para os aspectos indesejados da psique dos fiéis, aliviando temporariamente sua própria carga emocional.
Além disso, a perspectiva lacaniana nos convida a considerar o papel do "objeto a" nessa dinâmica. Esse conceito se refere a um objeto de desejo inatingível que atua como um ímã psíquico, orientando as ações e aspirações dos indivíduos. Para os fiéis, os líderes religiosos muitas vezes ocupam esse lugar de objeto de desejo, representando uma fonte de significado e plenitude que transcende o mundo material.
Ao mesmo tempo, a relação com o líder religioso também pode ser vista como uma busca pelo reconhecimento do "grande Outro", conforme descrito por Lacan. Esse "grande Outro" é uma construção simbólica que representa a autoridade e o sentido de ordem e significado no mundo. Os pastores exercem essa função de "grande Outro" para os fiéis, oferecendo uma estrutura narrativa e moral que dá sentido às suas vidas.
No entanto, é importante ressaltar que essa relação nem sempre é benigna ou saudável. O poder exercido pelos líderes religiosos pode facilmente ser abusado, levando à manipulação e à exploração dos fiéis em benefício próprio. Nesses casos, a psicanálise também oferece insights valiosos sobre os mecanismos de defesa que os fiéis podem usar para justificar ou ignorar os abusos e manter sua lealdade ao líder religioso.
Ao examinar a relação entre os fiéis e seus líderes religiosos sob a ótica da psicanálise, somos levados a uma compreensão mais profunda das complexas interações psicológicas que moldam essa dinâmica, desde os mecanismos de defesa individuais até as estruturas simbólicas que organizam a experiência coletiva.
2.3.2 Ideia de Pureza e verdade
Há uma ideia de pureza na fala destes eleitores, digna de se acreditar que eles são realmente pessoas boas e puras, como querem crer. É curioso ver estas vestes religiosas na fala dos eleitores(as) de Bolsonaro, onde há uma crença de que eles são os dono(a)s da verdade, pois falam de acordo com a Palavra (de Deus).
Eles(as) não percebem o que lhes gritam aos olhos, o que me faz lembrar o personagem de Natanael, do conto do alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, "Homem de Areia". A pureza de seu coração o faz acreditar em seus delírios, até de se apaixonar por uma boneca ventríloqua e querer casar-se com ela.
O limiar entre o que é real é algo que nos escapa. Sigmund Freud e Jacques Lacan nos fazem lembrar sobre isso em suas obras. No entanto, quando a dificuldade é coletiva vale a pena olhar para este fenômeno com maior acuidade.
A ideia de pureza presente na fala dos eleitores de Bolsonaro reflete uma dinâmica psicológica complexa, que pode ser compreendida à luz das teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Na psicanálise, a busca pela pureza muitas vezes está relacionada à idealização de figuras de autoridade, como líderes políticos ou religiosos, e é influenciada por fantasias inconscientes e mecanismos de defesa psicológica.
Freud explorou o conceito de idealização como um mecanismo de defesa no qual os indivíduos atribuem qualidades positivas exageradas a figuras externas, projetando nelas seus próprios desejos e ideais inatingíveis. Nesse sentido, os eleitores de Bolsonaro podem estar idealizando o líder político como uma figura que personifica seus valores e aspirações, o que os leva a enxergá-lo como um defensor da verdade e da pureza.
Por outro lado, Lacan contribui para essa compreensão ao destacar a importância do real, do imaginário e do simbólico na formação da identidade e das crenças individuais. Os eleitores de Bolsonaro podem estar se identificando com uma narrativa política que oferece uma visão simplificada e idealizada da realidade, na qual seu líder é retratado como um protetor da ordem e da moralidade.
A referência ao conto de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, "Homem de Areia", é pertinente nesse contexto, pois ilustra como a pureza de coração pode levar à crença em ilusões e delírios. Assim como o personagem Natanael se apaixona por uma boneca ventríloqua, os eleitores podem estar sendo seduzidos por uma narrativa política que apela para seus ideais mais profundos, mesmo que essa narrativa seja baseada em fantasias e distorções da realidade.
Portanto, ao analisar o fenômeno da idealização política e da busca pela pureza na fala dos eleitores de Bolsonaro, é essencial considerar as contribuições da psicanálise de Freud e Lacan. Essa análise pode oferecer insights valiosos sobre as motivações e os mecanismos psicológicos subjacentes ao apoio político e às crenças individuais, destacando a importância de uma abordagem crítica e reflexiva para compreender esses fenômenos na sociedade contemporânea.
A inserção da religião neste contexto pode enriquecer ainda mais nossa compreensão psicanalítica sobre a dinâmica dos eleitores de Bolsonaro. Na narrativa religiosa, encontramos diversos elementos que podem ser relacionados às teorias de Freud e Lacan, ajudando a explicar a busca pela pureza e a idealização de figuras de autoridade.
Por exemplo, muitos eleitores bolsonaristas baseiam sua visão política em interpretações particulares dos ensinamentos religiosos, identificando Bolsonaro como um defensor dos valores cristãos e da moralidade. Essa interpretação pode ser considerada uma manifestação do complexo de Édipo, onde o líder político é projetado como uma figura paterna idealizada, capaz de garantir segurança e ordem para seus seguidores.
Além disso, a religião frequentemente apresenta dualidades entre o bem e o mal, o certo e o errado, que podem ser refletidas na visão maniqueísta da política promovida pelos eleitores de Bolsonaro. Essa polarização entre "nós" (os eleitores do presidente) e "eles" (os opositores) pode ser entendida como uma tentativa de simplificar e dar sentido ao mundo, mesmo que isso implique em uma visão distorcida da realidade.
Os ensinamentos religiosos sobre paz, amor e redenção também são relevantes nesse contexto. Os eleitores de Bolsonaro podem estar reinterpretando esses ensinamentos à luz de sua própria ideologia política, idealizando o presidente como um instrumento divino para combater o que eles percebem como ameaças à sua fé e valores.
Portanto, ao considerar a influência da religião nesse fenômeno político, é importante reconhecer como as narrativas religiosas podem alimentar e legitimar as crenças e comportamentos dos eleitores de Bolsonaro, oferecendo uma moldura simbólica através da qual eles interpretam e justificam suas escolhas políticas. Essa análise multidisciplinar, que combina elementos da psicanálise com a sociologia da religião, nos ajuda a compreender mais profundamente as complexidades da psicologia política e da formação de identidades sociais.
Este ponto pode se tornar um importante laboratório de estudos também psicanalíticos para que se compreendam estas narrativas que são postas durante as eleições no Brasil que, depois, permeiam a vida das pessoas na sua vida cotidiana.
A igreja muitas vezes é concebida como um organismo em si, uma entidade que transcende suas paredes físicas e assume um papel central na vida dos fiéis. Essa analogia evoca uma sensação de consagração, reminiscente dos tempos antigos em que as virgens eram dedicadas à igreja como símbolo de pureza e devoção. Hoje, muitos fiéis demonstram uma devoção tão profunda que entregam não apenas suas mentes, mas também seus próprios corpos à causa da fé.
2.3.3 Castração do desejo
O desafio para esses devotos reside em alcançar a pureza e a castidade, ideais que são promovidos e enaltecidos pela instituição religiosa. Nessa busca incessante, surgem crenças coletivas que visam o bem comum e a luta contra o mal, consolidando uma narrativa poderosa que permeia toda a comunidade de fé. No entanto, quando o púlpito se transforma em palanque político, a igreja inadvertidamente se torna parte de uma história mais sombria, que ecoa o conto do "Homem de Areia".
Nessa narrativa, os líderes religiosos desempenham um papel crucial como manipuladores, criando inimigos e conduzindo seu rebanho - composto por fiéis que os veem como crianças - em direção a uma visão distorcida da realidade. Assim, a igreja, que deveria ser um símbolo de esperança e redenção, muitas vezes se vê envolvida em jogos de poder e controle, afastando-se de sua verdadeira missão espiritual.
Na perspectiva da psicanálise, a análise da relação entre a igreja e seus fiéis à luz dos conceitos de Freud e Lacan revela insights valiosos. Freud ressaltou a importância do inconsciente e dos mecanismos de defesa na formação da personalidade e no comportamento humano. Nesse contexto, a devoção intensa dos fiéis à igreja pode ser interpretada como uma manifestação desses mecanismos, como a projeção e a idealização, que ajudam a lidar com ansiedades e conflitos internos. Além disso, a sublimação desempenha um papel crucial, permitindo a transformação de desejos não realizados em formas socialmente aceitáveis de expressão, contribuindo assim para a manutenção da devoção religiosa.
Por sua vez, Lacan trouxe contribuições importantes, especialmente com seu conceito de desejo, "objeto a" e a noção do grande "Outro". A relação dos fiéis com a igreja pode ser compreendida como uma busca pelo "objeto a", um objeto de desejo inatingível que é constantemente perseguido. A igreja, por sua vez, representa o "Outro", uma autoridade simbólica que detém o poder de conferir significado e orientação às vidas dos fiéis. No entanto, essa relação pode se tornar problemática quando há uma identificação excessiva com o discurso religioso, levando à alienação e à perda do eu autêntico.
Quem será que irá gritar: o rei está nu, como bem nos lembra o conto do dinamarquês, Hans Christian Andersen. A criança acreditar em contos de fada é muito saudável e auxilia a viver as agruras da vida para que se possa sustentar a vida adulta com estes aprendizados de forma lúdica quando se é criança.
A narrativa do conto de Hans Christian Andersen sobre "O Rei Está Nu" nos convida a questionar a ilusão por trás da autoridade e do poder. Assim como a criança no conto, é necessário que alguém grite a verdade, expondo as falácias por trás da narrativa infantilizada e delirante que permeia a política e, por extensão, as relações entre a igreja e seus fiéis. Essa análise nos leva a refletir sobre os mecanismos que sustentam a submissão e a manipulação dentro das comunidades religiosas e políticas, destacando a importância de questionar e desafiar as narrativas dominantes para promover uma sociedade mais justa e equitativa.
Será que ainda estamos a viver os contos de fadas na política, será que estamos acreditando que os fiéis são crianças que acreditam em contos de fada? Sabemos que não, então a quem interessa esta narrativa infantilizada, alucinada e delirante da realidade, que nos permeia na política? O que na verdade produz um cidadão perverso, tendo gozo pelo sadismo e masoquismo?
A interpretação da realidade é algo profundamente difícil de ser experienciado, por que ela escapa o tempo todo. Falar dela pode parecer como de um objeto distante de si, que poderá gerar interpretação, como faz o cinema de forma ficcional. Outra coisa é a experiência da vida, na pele que lhe habita e é feita de muitas camadas que atravessam a psique humana, que, por medo de viver que a experiência traumática recalcada venha à tona, negam a realidade e precisam de um ''pai'' opressor para castrá-lo perante a realidade. Entregando desta forma o seu corpo, mente, psiquismo, espírito e a mitificação da crença.
O que chama atenção, e isso foi verificado na pesquisa de campo ao falar com os(as) eleitores(as) de Bolsonaro, é que eles/elas realmente acreditam que o que os move é a crença de que estão a defender o bem, que consiste na verdade em praticamente exterminar a vida do outro em sua essência, já que é diferente de si. Que contradição há nesta construção religiosa brasileira que nada difere de outros períodos da história, principalmente a medieval! Nesta, a Igreja Católica, em nome de Jesus, promoveu uma Cruzada sangrenta contra os não-cristãos. Por isso é conhecido este período de Era das Trevas. Será que querem voltar à era das trevas?
A reflexão sobre a persistência de narrativas infantilizadas na política nos leva a questionar quem se beneficia dessa visão simplista e distorcida da realidade. Essa narrativa alucinada e delirante, que muitas vezes permeia o discurso político, pode ser vista como uma forma de escapismo, uma tentativa de negar a complexidade e os desafios da vida real. No entanto, por trás dessa negação, podemos identificar processos psicológicos profundos, como a castração do desejo, a submissão ao poder e a busca por um sentido de segurança e pertencimento.
Na psicanálise, a castração do desejo refere-se ao processo pelo qual o sujeito é confrontado com a falta, a limitação e a impossibilidade de alcançar plenamente seus desejos. Esse confronto com a castração é fundamental para o desenvolvimento psicológico saudável, pois obriga o sujeito a renunciar a certos objetos de desejo e a aceitar a realidade como ela é. No entanto, quando essa castração não é enfrentada de forma adequada, pode levar a uma série de distorções psíquicas, como a perversão.
A perversão, segundo Freud, envolve uma rejeição da castração e uma busca pelo prazer fora das normas sociais estabelecidas. O perverso busca o prazer através da dominação e da submissão, muitas vezes envolvendo elementos de sadismo e masoquismo. Nesse contexto, a produção do "bem" e do "mal" pode ser distorcida, com o suposto "bem" sendo usado como justificativa para o sadismo e a violência contra o "mal". Essa dinâmica pode ser observada em contextos políticos e religiosos, onde o desejo de proteger o que é considerado sagrado pode levar a formas extremas de dominação e controle.
Assim, a análise psicanalítica nos ajuda a compreender as complexas interações entre desejo, poder, sexualidade e moralidade na política e na religião. Ao confrontarmos essas questões de forma crítica e reflexiva, podemos buscar formas mais saudáveis e equilibradas de lidar com os desafios da vida em sociedade.
2.3.4 Fantasias e delírios: O desejo de dominar o corpo e o voto do outro
Desde a campanha de 2018, os eleitores(as) de Bolsonaro expressam a necessidade de transformar os corpos em igreja. Naquele período, o grupo LBGTQIA+ foi profundamente atacado e afetado pela igreja. Isso foi muito simbólico nas falas desses eleitores, naquele período da eleição, pois havia uma perseguição a esta comunidade diferente da heteronormatividade.
A pesquisa de 2022 finalizou somente quando já faltavam três dias para as eleições no primeiro turno e se percebia que haveria uma guerra dos pastores(as) atrás dos fiéis para votar em Bolsonaro. Isto se fez com muita coação mediada pelo contato particular no whatsapp dos fiéis. Os/as fiéis estavam sendo bombardeados com mensagens de medo e pânico, principalmente de que Lula iria fechar a igreja deles. Este era o assunto do momento, algumas leram as mensagens durante a entrevista. Estavam realmente tensos(as) e preocupados(as) de que suas igrejas pudessem ser fechadas pelo tal de comunismo. Uma entrevistada comentou que o Brasil ia se transformar em um país comunista se Lula ganhasse, como o pastor estava avisando. Havia ali um ódio e temor aos comunistas. Perguntadas sobre o que seria esse comunismo, respondiam: era algo que o demônio criou para acabar com a vida dos cristãos e tirar os bens e liberdade, principalmente religiosa, deles.
Isso convidou-me a refletir que poderia haver algo muito mais estruturado no sentido da construção de um estado teocrático. Houve uma estratégia das igrejas em bombardear o rebanho a partir de quinta-feira, 29 de setembro de 2022, até o dia da eleição que seria no domingo, 02 de outubro de 2022.
Era uma guerra montada, eles foram para campo de batalha para não perder nenhum voto do rebanho, e todas as falas foram usadas contra o oponente de Bolsonaro, no caso, Lula. A igreja se transformou neste momento em curral eleitoral aos moldes do tempo do coronelismo. A diferença é que agora a guerra era santa.
Houve relato de evangélicas que receberam "ameaças/ordens" do pastor da congregação para o voto em Bolsonaro, sendo que esta pessoa, em verdade queria votar no Lula, pois ela sentia que a vida dela havia melhorado muito no governo Lula, apesar de ela achar que ele roubou. Ela comenta que, já no governo Bolsonaro, a vida dela estava muito ruim e ela perdeu muito seu poder aquisitivo e estava mal dando para comer com o salário. Como ela era uma mulher de fé, como ela mesmo fala, ela preferia ficar doente a ter que votar em Bolsonaro. Conversando com ela em outro momento se percebeu que o pastor aumentou a pregação e amaldiçoava quem não fosse votar, havendo até coação de buscar em casa e levar para votar.
Os relatos que foi possível identificar é que havia um cenário de terror sendo construído dentro das igrejas para quem se atrevesse votar em alguém contrário à escolha dos pastores, no caso da pesquisa, o Bolsonaro e seus correligionários.
Outra estratégia eleitoral usada pela igreja foi o propalado Jejum. os fiéis foram convidados a se comprometer a fazer jejum por três dias, para ter Bolsonaro eleito. Poucos dos fiéis com quem conversei estavam confortáveis com esta abordagem do líder da igreja. Alguns estavam com muito receio do jejum, pois têm diabete e problema de hipertensão. Ficar sem comer por muito tempo, é algo santo na visão deles(as), mas que o corpo sofre muito.
Outra coisa que aconteceu, pouco comentada na mídia, que chamou bastante atenção, e que é pouco conhecida pelos não evangélicos, é fazer as orações e petições nos morros de Brasília. Assim como o Jejum, algumas igrejas promovem a subida aos morros na semana das eleições. Alguns fiéis temiam as "ameaças" ou ser amaldiçoados se não subissem o morro para orar pela vitória do Bolsonaro.
Enfim, não foi nada florida esta abordagem das lideranças religiosas junto ao seu rebanho. E como sempre, entre os fiéis, os que mais se viram amedrontados foram as mulheres, seja pelo pastor, pelo marido ou pai. Os homens, junto a essas mulheres evangélicas e católicas, têm muita força de poder e mando, apesar de que são elas, as mulheres, que praticamente sustentam a família. Algumas mulheres, que se sentiram muito ameaçadas por seus líderes religiosos na condução da liturgia religiosa traduzida em ato político partidário a favor de Bolsonaro, até deixaram de frequentar a igreja e mudaram de igreja para poderem sentir-se mais livres com sua vida pessoal.
Houve relatos de mulheres que trocaram a igreja evangélica pela católica, em função da pressão que o pastor exerce sobre elas.
Os líderes religiosos, nestes quatro anos, aumentaram o poder sobre a vida das eleitoras. Essa é uma coisa que se tornou mais visível na pesquisa.
A narrativa sobre a campanha de 2018, a tensão política e religiosa envolvendo eleitores de Bolsonaro, a coação exercida por lideranças religiosas, e a estratégia de incutir medo em seus seguidores, quando analisada sob a ótica da psicanálise de Freud e Lacan, revela profundas camadas de complexidade psíquica que refletem sobre a teoria da pulsão de vida e de morte, a perversão, o masoquismo e o conceito de castração.
Freud, em seu conceito de pulsão de vida (Eros) e de morte (Thanatos), propõe que o comportamento humano é dirigido por essas duas forças fundamentais: uma que busca a preservação e a união (Eros) e outra que busca a destruição e o retorno ao estado inorgânico (Thanatos). A dinâmica descrita, onde eleitores são impelidos a transformar corpos em "igreja" e a perseguir aqueles que divergem de suas visões (especificamente o grupo LGBTQIA+), pode ser vista como uma manifestação da luta entre essas pulsões. A coação e o medo disseminados pelos líderes religiosos, especialmente em relação à ameaça comunista, seriam exemplos do predomínio da pulsão de morte no contexto social, onde a destruição do "outro" é vista como uma forma de proteger a própria identidade e coesão do grupo.
A perversão, neste contexto, pode ser entendida como uma estratégia para desafiar ou negar a castração simbólica - a aceitação dos limites e da lei simbólica que ordena a realidade social. A insistência em uma guerra santa e a demonização do comunismo atuam como recusas da castração, tentativas de estabelecer um poder ilimitado e incontestável dos líderes religiosos sobre seus seguidores. Isso é reforçado pelo masoquismo dos seguidores, que aceitam e até mesmo buscam o sofrimento e a submissão como formas de afirmação de sua fé e lealdade ao grupo, submetendo-se a jejuns e orações penosas.
Lacan ampliaria essa análise, enfatizando o papel da ordem simbólica na construção da realidade social e individual. A transformação dos corpos em igreja e a mobilização contra inimigos políticos seriam atos simbólicos que visam estabilizar a identidade do grupo frente ao Real, aquilo que escapa à simbolização. A castração, para Lacan, é o momento em que o sujeito reconhece sua submissão à ordem simbólica e a falta inerente ao ser. No entanto, a narrativa sugere uma recusa coletiva dessa castração, onde líderes e seguidores buscam uma posição de totalidade e completude, negando a falta e a vulnerabilidade inerentes à condição humana.
A estratégia de incutir medo e coação, a idealização de uma guerra santa, e a submissão voluntária a práticas penosas refletem um complexo entrelaçamento das pulsões de vida e de morte, onde o desejo de coesão e unidade do grupo (Eros) é perseguido através da exclusão e potencial destruição do "outro" (Thanatos). Essa dinâmica é sustentada pela perversão dos líderes, que negam a castração ao se colocarem como autoridades supremas, e pelo masoquismo dos seguidores, que encontram no sofrimento uma forma de pertencimento e identidade. Lacan nos lembra que tais tentativas de negar a castração e buscar uma completude são fadadas ao fracasso, pois a ordem simbólica sempre é marcada pela falta, e o Real sempre escapa, deixando um resíduo que não pode ser plenamente simbolizado nem pela religião nem pela política.
2.3.5 As Mulheres e a Pulsão de Morte
A situação das mulheres, conforme descrita na narrativa das entrevistadas, revela aspectos cruciais que podem ser analisados sob a perspectiva psicanalítica de Freud e Lacan, especialmente no tocante ao masoquismo, à perversão e à castração, bem como à dinâmica entre a pulsão de vida e de morte. Essas mulheres, enfrentando uma pressão intensa e multifacetada — seja pelo pastor, marido ou pai —, exemplificam uma complexa interseção de poder, desejo e submissão dentro de um contexto marcado por intensas lutas ideológicas e religiosas.
Freud poderia interpretar a experiência das mulheres no contexto descrito como uma manifestação da pulsão de morte (Thanatos) em seu aspecto de masoquismo. O masoquismo não se manifesta apenas na busca de sofrimento físico ou emocional, mas também na aceitação de uma posição subordinada dentro de estruturas de poder patriarcais e autoritárias. A disposição dessas mulheres em permanecer fiéis a práticas e lideranças que as subjugam pode ser vista como uma expressão de lealdade ao grupo que, paradoxalmente, promete proteção e pertencimento ao custo da própria autonomia e bem-estar.
A perversão, neste cenário, se manifesta na recusa de reconhecer a vulnerabilidade e a falta inerente à condição humana, um tema central na teoria lacaniana da castração. Os líderes religiosos, ao exercerem seu poder de maneira absoluta, negam a castração simbólica, perpetuando uma estrutura de poder que se baseia na ilusão de uma autoridade incontestável. As mulheres, sujeitas a essa dinâmica, encontram-se em uma posição particularmente precária, pois são chamadas a sustentar a fantasia de um poder patriarcal inabalável, mesmo quando isso implica na negação de suas próprias necessidades, desejos e, em alguns casos, na sua integridade física e psicológica.
Lacan enfatizaria a posição das mulheres como sujeitos divididos, capturados entre o desejo de autonomia e a pressão para se conformarem ao papel que lhes é designado pela ordem simbólica dominante. A mudança de algumas mulheres de uma igreja para outra, ou a preferência expressa por não votar conforme ditado pelo pastor, pode ser interpretada como tentativas de reafirmar sua agência diante de uma ordem simbólica opressiva. No entanto, estas ações também revelam a dificuldade de escapar completamente das malhas do poder e do desejo que as constituem como sujeitos.
A análise da posição das mulheres neste contexto, portanto, revela a complexidade das dinâmicas de poder, desejo e identidade que caracterizam suas experiências. Freud e Lacan nos oferecem ferramentas para entender como estruturas de poder patriarcais e autoritárias se sustentam e se perpetuam, não apenas através da imposição externa, mas também por meio da incorporação interna dos mecanismos de controle e submissão. Ao mesmo tempo, a resistência das mulheres, mesmo que sutil ou ambivalente, aponta para a possibilidade de subversão e reconfiguração dessas dinâmicas, sugerindo caminhos para uma reivindicação mais plena de sua agência e autonomia.
2.3.6 Pulsões e Poder: A Dinâmica Psicanalítica entre Fé e Política
A análise do capítulo "Fiéis versus rebanho, é igual a eleitores" revela uma teia complexa de interações entre política, religião e identidade pessoal, profundamente imbricada com conceitos psicanalíticos chave, como a pulsão de vida e de morte, masoquismo, perversão, e o processo de castração. Esses fenômenos psíquicos ajudam a elucidar a dinâmica subjacente à relação entre os fiéis (eleitores) e a figura autoritária representada tanto pelos líderes religiosos quanto pela figura política de Jair Bolsonaro. A dinâmica de poder, onde os líderes religiosos e políticos procuram controlar não apenas as ações, mas também os corpos e as mentes dos fiéis, pode ser vista como uma manifestação do medo da castração simbólica. A imposição do sofrimento ao outro, assim, serve como uma defesa contra a própria vulnerabilidade, uma tentativa de negar a própria falta através da afirmação de um poder que parece incontestável.
A intensa fusão entre discursos religiosos e a campanha política de Bolsonaro pode ser interpretada à luz das teorias freudianas das pulsões de vida (Eros) e morte (Thanatos). A convergência entre a fé e o apoio a um candidato cujas ações e retórica frequentemente contradizem os ensinamentos fundamentais de compaixão e pacifismo revela uma luta interna nos fiéis, onde a pulsão de morte, manifestada através do desejo de eliminar o "outro" percebido como ameaça, conflita com a pulsão de vida, o impulso para a união e a coesão social. A figura do líder, neste caso Bolsonaro, atua como o pivô em torno do qual os desejos sadísticos e perversos são articulados. A contradição entre os ensinamentos fundamentais da fé cristã e as práticas políticas adotadas sugere uma complexa negociação entre o idealizado (os princípios religiosos de compaixão e comunhão) e o real (a prática da exclusão e da dominação). Esse conflito interno nos fiéis, entre suas crenças religiosas e seu apoio a práticas que infligem sofrimento, é um campo fértil para a análise psicanalítica, revelando a tensão entre a pulsão de vida e a pulsão de morte.
Freud, em sua teoria sobre o narcisismo das pequenas diferenças, discute como as identidades coletivas são muitas vezes construídas em oposição a um "outro", a quem se atribuem qualidades negativas ou inferiores. Esse processo de diferenciação e distinção amplifica as qualidades negativas do outro, resultando em uma hostilidade exacerbada contra aqueles que são percebidos como diferentes. Essa dinâmica é evidente na maneira como os eleitores e as lideranças religiosas descritas no texto demonizam seus oponentes políticos ou grupos sociais específicos, encontrando no sofrimento desses "outros" uma fonte de coesão interna e um reforço de suas próprias identidades.
A relação entre o Ideal do Eu e o gozo também é crucial. Lacan discute como o Ideal do Eu, uma instância relacionada à imagem idealizada que o sujeito aspira ser, está intrinsecamente ligado ao campo do Outro e à ordem simbólica. Os fiéis, ao se identificarem com as figuras de autoridade e com o grupo coletivo, podem estar buscando alcançar uma imagem idealizada de si mesmos, uma que está em harmonia com os valores e ideais promovidos por essas autoridades. O gozo de fazer o outro sofrer, portanto, pode ser uma tentativa distorcida de alinhar-se com esse Ideal do Eu, satisfazendo as demandas do superego e do Outro simbólico ao custo de transgredir os limites éticos e morais.
O superego, conforme delineado por Freud, atua como uma instância crítica e moralizadora dentro da psique, internalizando as proibições, limites e autoridades externas. No contexto descrito, o superego coletivo dos fiéis pode ser intensamente influenciado pelas figuras de autoridade religiosa e política, que impõem um conjunto rígido de normas e valores. A agressividade e o desejo de fazer o outro sofrer, então, podem ser vistos como uma externalização da severidade do superego, onde a punição e o controle do outro servem como um substituto para a auto-regulação e o autocontrole.
O masoquismo, entendido como a submissão voluntária a figuras de autoridade que perpetuam discursos de ódio e divisão, reflete uma complexa dinâmica de poder onde os fiéis encontram satisfação ou mesmo prazer na própria subjugação. Essa dinâmica é exacerbada pela perversão, na qual a negação da castração simbólica permite que os líderes e seus seguidores rejeitem as limitações morais e éticas em favor de uma identificação total com a autoridade incontestada.
Lacan introduziu o conceito de jouissance para descrever uma forma de prazer que transcende o prazer simbólico e entra no domínio do excesso, muitas vezes associado ao sofrimento. Na dinâmica descrita, o gozo de fazer o outro sofrer pode ser interpretado como uma busca por jouissance, onde a satisfação deriva da transgressão dos limites simbólicos e da imposição de sofrimento ao Outro. Essa busca por jouissance reflete não apenas uma falha na mediação simbólica do desejo, mas também uma tentativa de responder à castração simbólica com uma afirmação de poder absoluto.
A utilização da religião como uma ferramenta política, especialmente na mobilização de discursos que incitam o medo e a exclusão do "outro" (por exemplo, através da demonização do comunismo ou da marginalização do grupo LGBTQIA+), pode ser vista como uma manifestação de sadismo. Nesse contexto, o gozo não provém apenas do exercício do poder, mas especificamente do sofrimento infligido àqueles considerados adversários ou externos ao grupo. Este fenômeno reflete uma perversão no sentido psicanalítico, onde o prazer é derivado da transgressão dos limites morais e éticos.
Lacan contribuiria para essa análise destacando como a submissão aos líderes religiosos e políticos representa uma tentativa de negar o processo de castração, ou seja, a aceitação das limitações impostas pela ordem simbólica. A figura do líder torna-se um "Nome-do-Pai", uma autoridade que promete preencher a falta inerente ao sujeito, oferecendo uma ilusão de completude e segurança.
A contradição entre os valores pregados pela fé cristã e as ações e discursos de Bolsonaro evidencia uma clivagem significativa no psiquismo dos fiéis. Essa dissonância é gerenciada através de mecanismos de defesa como a negação e a racionalização, permitindo que mantenham seu apoio ao candidato apesar das evidentes contradições com seus valores religiosos fundamentais.
O controle exercido pelos líderes religiosos sobre seus rebanhos, exemplificado pela monitoração das redes sociais e pela proibição de discussões políticas fora do ambiente controlado da igreja, reflete um desejo de manter a coesão do grupo através da supressão da autonomia individual. Essa dinâmica ressalta a tensão entre o desejo de pertencimento e a perda da individualidade, onde a submissão à autoridade é tanto imposta quanto internamente desejada.
Através da lente das teorias freudianas e lacanianas, é explorado o fenômeno da intensa fusão entre discursos religiosos e a campanha política de Bolsonaro, revelando uma luta interna nos fiéis. Esta luta é caracterizada pelo conflito entre o desejo de eliminar o "outro" percebido como ameaça (pulsão de morte) e o impulso para a união e coesão social (pulsão de vida). A figura de Bolsonaro, nesse contexto, emerge como um pivô central em torno do qual os desejos sadísticos e perversos são articulados, evidenciando a negociação complexa entre os ideais religiosos de compaixão e as práticas políticas de exclusão.
A relação entre os fiéis bolsonaristas e a figura de Bolsonaro, intermediada e reforçada por líderes religiosos, é permeada por uma complexidade psíquica que envolve a negociação contínua entre os impulsos de vida e de morte, a luta contra a castração simbólica, e o enfrentamento das contradições internas através do masoquismo e da perversão.
Essa dinâmica não apenas molda a identidade dos fiéis e sua relação com o poder, mas também revela os desafios inerentes à reconciliação entre crenças religiosas profundamente arraigadas e a realidade política contemporânea. Essa análise destaca a importância de uma reflexão crítica sobre como as estruturas de poder e autoridade influenciam as crenças individuais e coletivas, e como os indivíduos negociam suas identidades dentro dessas estruturas, muitas vezes de maneiras que podem parecer contraditórias ou até mesmo autodestrutivas.
2.3.7 Laicidade versus teocracia versus monetização da fé
No panorama contemporâneo, a prática religiosa transcendeu as esferas do espiritual e do comunitário para se estabelecer firmemente no domínio econômico, tornando-se, para muitos, um empreendimento lucrativo. A isenção fiscal concedida às instituições religiosas configura um terreno fértil para essa transformação, permitindo-lhes acumular recursos financeiros de fiéis e outras fontes sem a necessidade de transparência quanto à origem desses fundos. Este privilégio fiscal não apenas facilita a gestão financeira dessas instituições, mas também abre portas para potenciais abusos, dada a falta de obrigação em declarar a proveniência dos recursos.
Adicionalmente, o caminho para se tornar líder religioso em determinados segmentos da esfera religiosa evidencia uma flexibilidade que pode ser tanto inclusiva quanto problemática. Em algumas congregações, o título e a posição de pastor(a) podem ser adquiridos mediante o reconhecimento de um grupo de seguidores, sem a necessidade de uma validação formal por uma instituição religiosa estabelecida. Essa abertura permite uma democratização do acesso ao ministério religioso, mas também suscita questões sobre a autenticidade e a responsabilidade dos que assumem tais cargos.
Contudo, é crucial destacar que essa característica não é uniforme em todo o espectro religioso. Denominações tradicionais, como a Igreja Católica, Batista e Presbiteriana, adotam processos rigorosos para a formação de seus líderes clericais, enfatizando a educação teológica formal e um profundo compromisso com os valores e doutrinas da fé. Essa discrepância sublinha a diversidade de práticas e critérios dentro do universo religioso, refletindo diferentes interpretações do que significa servir como guia espiritual.
Desde os anos 80, especialmente marcado pelo processo de redemocratização do Brasil em 1986, a participação de figuras religiosas na política tornou-se cada vez mais evidente. Religiosos de diversas denominações têm buscado o apoio de seus rebanhos para adentrar a arena política, aspirando conquistar cargos eleitorais em níveis local, regional e nacional. Essa confluência de religião e política revela uma estratégia deliberada de mobilização de capital social e espiritual para fins eleitorais, ilustrando a complexa teia de influências entre fé, poder e sociedade.
A inserção de líderes religiosos na política não apenas reflete a busca por reconhecimento e influência, mas também levanta questões profundas sobre a separação entre Igreja e Estado, a representatividade na esfera pública e o impacto da fé nas decisões políticas. Ao mesmo tempo, evidencia o papel significativo que as comunidades religiosas desempenham na formação da consciência política e social de seus membros, bem como na configuração do discurso público e na definição de agendas políticas.
Essa intersecção entre religião, economia e política no Brasil contemporâneo desafia as concepções tradicionais sobre o papel das instituições religiosas na sociedade, convidando a uma reflexão crítica sobre as implicações éticas, sociais e políticas da crescente monetização da fé e da politização da religiosidade.
A pesquisa revelou um padrão interessante: indivíduos religiosos tendem a expressar opiniões políticas mais fortes, especialmente quando discutem os candidatos que escolheram apoiar. Essa expressividade se intensifica quando existe uma conexão direta com líderes religiosos — seja por laços de liderança, como pastores ou missionários, ou por relações familiares com pessoas em posições de destaque dentro da igreja.
Este fenômeno sugere uma interseção significativa entre fé e política, onde as preferências políticas dos fiéis são influenciadas, e muitas vezes reforçadas, pelas suas relações pessoais e institucionais dentro da comunidade religiosa. Esse vínculo entre identidade religiosa e escolha política destaca o papel das lideranças religiosas não apenas como guias espirituais, mas também como influenciadores políticos dentro de suas comunidades.
A observação de que fiéis defendem com fervor seus líderes religiosos, especialmente em contextos políticos, pode ser analisada à luz da teoria de Hannah Arendt sobre o "movimento totalitário" e o papel das massas. Arendt argumenta que as massas não surgem necessariamente da homogeneização cultural ou da expansão educacional. Pelo contrário, mesmo indivíduos altamente cultos podem se sentir atraídos por movimentos de massa, o que indica que as motivações por trás desse fenômeno podem ser complexas e variadas, frequentemente enraizadas em interesses pessoais.
Essa análise sugere que a fervorosa defesa de certos políticos, como Bolsonaro, por parte dos fiéis religiosos, pode estar associada a uma identificação mais profunda com os valores ou as promessas representadas por esses líderes, além da influência direta das lideranças religiosas. A base desse apoio, portanto, torna-se um aspecto crucial para entender a dinâmica entre religião e política no Brasil, apontando para a necessidade de investigar mais a fundo como as identidades religiosas e políticas se entrelaçam e se reforçam mutuamente dentro das comunidades de fé.
Nesse contexto, a teoria de Hannah Arendt (2012, pg. 366) sobre o "movimento totalitário" e o papel das massas desperta interesse, pois é importante compreender as motivações por trás do fervor com que essa massa defende Bolsonaro. Identificar a base desse apoio torna-se relevante para a análise. Hannah Arendt nos lembra que: "As massas, contrariamente ao que foi previsto, não resultaram da crescente igualdade de condição e da expansão educacional, com a sua consequente perda de qualidade e popularização de conteúdo, pois até os indivíduos altamente cultos se sentiam particularmente atraídos pelos movimentos de massa"(Arendt, 2012). Em outras palavras, a massa é frequentemente movida por algum tipo de interesse pessoal, em muitos casos.
Arendt nos provoca a pensar além das análises convencionais sobre o comportamento das massas, apontando para a complexidade das motivações humanas e a capacidade de movimentos totalitários de mobilizar apoio em amplas camadas da sociedade. Segundo ela, as massas podem ser movidas por interesses pessoais que não são imediatamente aparentes, como a busca por um sentido de pertencimento, identidade ou até mesmo por uma resposta a sentimentos de deslocamento e alienação na modernidade.
Essa teoria se torna particularmente relevante no contexto brasileiro, onde a defesa apaixonada de Bolsonaro por uma parte significativa da população pode refletir não apenas concordâncias ideológicas, mas também um apelo mais profundo a sentimentos de insegurança, descontentamento com o status quo e a desejo de pertencer a um grupo com uma identidade clara e assertiva. A ligação entre os líderes religiosos e seus fiéis, neste cenário, pode servir como um reforço adicional dessa identidade coletiva, onde a orientação política se entrelaça com a fé e a comunidade religiosa, criando um tecido social robusto que apoia determinadas figuras políticas.
Assim, a análise proposta por Arendt nos desafia a investigar as raízes profundas do apoio político em contextos como o brasileiro, reconhecendo a complexidade das dinâmicas sociais e psicológicas que levam indivíduos e grupos a se mobilizarem em torno de líderes e movimentos que, à primeira vista, poderiam parecer contraditórios com seus próprios interesses ou valores. Identificar a base desse apoio torna-se, portanto, não apenas relevante, mas essencial para entender as transformações políticas e sociais contemporâneas.
A pesquisa destacou a adesão à massa como um fator crítico, ativando o que é conhecido como "efeito manada" ou "efeito de massa". Esta observação encontra fundamento na análise de Sigmund Freud em "Psicologia das Massas e Análise do Eu" (1921) (Freud, 2011), onde ele examina o comportamento coletivo e a dinâmica psicológica subjacente às massas. Freud argumenta que, dentro de um grupo, os indivíduos tendem a dissolver suas identidades pessoais, adotando uma consciência coletiva que direciona suas ações e pensamentos. Esta mentalidade de grupo pode levar a ações que o indivíduo, isoladamente, consideraria inaceitáveis, incluindo comportamentos de violência e agressão extremos.
Freud propõe que a massa opera sob a lógica de um desejo inconsciente de pertencimento, que supera as barreiras da moralidade individual e promove uma identificação mútua entre seus membros. Esta identificação é tão forte que os membros da massa se tornam capazes de atos que, em circunstâncias normais, seriam repudiados por seus princípios individuais. Este fenômeno não é apenas uma curiosidade psicológica; tem implicações profundas para a compreensão dos movimentos sociais e políticos, especialmente em contextos autoritários.
Hannah Arendt (Arendt, n.d.; Arendt, Hannah - Sobre La Violencia (1.1)(Pdf), n.d.; Hannah Arendt - A Condicao Humana, n.d.)complementa essa visão ao discutir como os governos autoritários podem explorar e intensificar o "efeito de massa" para solidificar seu controle sobre a sociedade. Ela observa que, ao contrário das expectativas de que a educação e a igualdade de condições levariam à diminuição da susceptibilidade aos movimentos de massa, até mesmo indivíduos altamente educados podem ser atraídos por esses movimentos. Arendt aponta para o fascínio que a promessa de uma identidade coletiva forte e clara exerce sobre as pessoas, especialmente em tempos de incerteza e crise. Esse fascínio pode ser manipulado por líderes autoritários que buscam mobilizar o apoio popular para consolidar seu poder.
Assim, a pesquisa sublinha a importância de compreender o "efeito de massa" e sua capacidade de induzir comportamentos coletivos que podem sustentar ou desafiar o status quo político. A convergência das análises de Freud e Arendt oferece uma lente valiosa para examinar como as dinâmicas de massa operam em contextos políticos contemporâneos, especialmente em relação ao apoio a figuras autoritárias. Essa compreensão é crucial para desvendar as complexas interações entre psicologia individual, dinâmicas de grupo e estruturas de poder na sociedade.
2.4 Fé e Empreendedorismo: A Transformação da Prática Religiosa em Espaço de Poder e Comunidade
A transformação da prática religiosa em um empreendimento lucrativo destaca uma dimensão comercial da fé, onde a abertura de uma igreja não se limita apenas ao cumprimento de um chamado espiritual, mas também pode representar uma oportunidade econômica. A posição de pastor ou missionário, além de conferir um título honroso, eleva o status do indivíduo perante a família, a comunidade e os fiéis, oferecendo uma plataforma de influência e autoridade.
A afirmação de um pastor durante a entrevista, expressando total confiança de que suas palavras refletem a verdade divina, ilustra o papel central que a autoconfiança e a convicção desempenham no exercício da liderança religiosa. A igreja, neste contexto, é vista não apenas como um espaço de culto, mas também como um veículo para o cumprimento de uma missão salvadora, onde os líderes religiosos se apresentam como intermediários entre os fiéis e o sagrado.
O que se pode observar é que muitos desses líderes religiosos são indivíduos que, ao longo de suas vidas, não conseguiram alcançar sucesso ou reconhecimento no mundo do trabalho e na sociedade. Como resultado, encontram na esfera da igreja um espaço para promover-se pessoalmente por meio da representação de sua liderança.
Percebe-se que, neste contexto, a igreja pode ser equiparada a uma indústria que comercializa algo. Algumas igrejas obtêm sucesso nesse "mercado", enquanto outras não. O êxito parece depender do poder de persuasão de cada líder religioso, o que talvez justifique as distintas características observadas em múltiplas igrejas no Brasil atualmente.
Os líderes religiosos recebem os dízimos dos fiéis para a manutenção da igreja e para seu próprio sustento. Além disso, eles podem receber contribuições de outras instituições sem a necessidade de declarar nominalmente a fonte dessas doações. Essa prática levanta a possibilidade de que algumas igrejas estejam envolvidas em transações duvidosas.
Outro aspecto a ser observado é que algumas igrejas estabelecem uma relação de irmandade entre seus membros, atuando de forma próxima e íntima ao auxiliar os fiéis em questões pessoais, como busca de emprego e formação profissional, demonstrando uma relevância na assistência à família dos fiéis.
2.5 Igreja palanque eleitoral
Constatou-se que há eleitores que sinceramente crêem no Deus vivo apresentado na Bíblia, professado em suas igrejas, e buscam cumprir os preceitos religiosos advogados por sua fé.
Muitas fiéis religiosas são devotas a Jesus de Nazaré e nutrem a crença de que seu sofrimento representa uma expiação de seus pecados.
Muitas dessas mulheres têm histórias de vida marcadas por adversidades e desafios. Algumas foram abandonadas pelos maridos, enfrentaram problemas com familiares envolvidos com álcool ou drogas. Ela tem baixa escolaridade, o que pode refletir em um poder argumentativo limitado na política como elas falaram.
Algumas delas são beneficiárias de programas sociais (Bolsa-família). Elas relatam que enfrentam a precariedade em seus empregos em empresas prestadoras de serviços.
Essas mulheres são exemplos de resiliência, forjadas por suas experiências dolorosas, que, por vezes, restringem seus sonhos. Essas mulheres são moldadas pela dor e veem seus sonhos silenciados. E foi interessante dialogar com elas, pois gradualmente sorriam ao serem indagadas sobre o Brasil que desejam. A primeira resposta que emerge é um Brasil sem fome, dado que essa carência já bateu à sua porta e muitas delas enfrentaram momentos de privação alimentar em suas vidas. Seus anseios são por um mundo melhor para seus filhos e filhas.
Essas mulheres não demonstraram qualquer simpatia por Bolsonaro, revelando maior afinidade com Lula, por considerarem que este último se comunica melhor com elas, ao passo que Bolsonaro é tido como agressivo. Essas revelações somente aparecem depois de um tempo do diálogo da entrevista. Elas manifestaram certa vergonha em ter que falar da pessoa do Bolsonaro. Ao serem perguntadas sobre o que melhorou na vida delas, no governo Bolsonaro, não conseguem externalizar nada. As respostas foram que a vida delas piorou muito e que têm que trabalhar muito mais para dar conta de pagar as despesas básicas de casa. Elas se queixam muito do aumento da cesta básica, da luz da água.
Tais mulheres são pouco ouvidas, poucos perguntam sobre elas. Parece ainda aquele Brasil rural, e elas vieram desse lugar, desse Brasil rural, onde há poucas palavras, e muito sentimento com a terra.
A fé é um elemento crucial em suas vidas, proporcionando-lhes sustentação emocional. Removê-la significaria uma perda insuportável. A igreja exerce um papel de destaque na vida dessas mulheres, que se veem como servas do Senhor, mesmo que reconheçam ser usadas pela Igreja, algumas vezes. Receiam confrontar as lideranças religiosas, pois discordar do líder é visto como uma ação favorável a Satanás, o que evidencia a presença marcante do patriarcado nessas comunidades.
A linguagem bíblica flui naturalmente em suas falas. "Sangue de Jesus tem poder" foi uma expressão ouvida muitas vezes durante as entrevistas, especialmente quando manifestavam seus desejos.
Seus sonhos são de um Brasil com menos fome e lixo, e onde tenham acesso à saúde, um problema crucial para elas atualmente. Esses três aspectos parecem ser os mais complexos em suas vidas.
Algumas delas sobem ao morro para realizar petições individuais em busca de graças. Tais petições são orações realizadas no morro. Em Brasília, há diversos pontos onde os fiéis ascendem para realizar suas petições, alguns durante à noite, outros antes do nascer do sol.
Esse ritual parece ser um encontro com Deus, assim como Jesus fez ao subir o monte. Trata-se de uma representação da fé cristã, mais comumente utilizada pelos evangélicos. As mulheres suplicam por suas famílias: para que o marido pare de beber, para que o filho se liberte das drogas, para que a filha encontre um bom marido, para que o filho ou a filha conquiste um bom emprego. Enfim, fazem pedidos que refletem suas carências.
A fé é embalada por aquilo que lhes falta, buscando encontrar o objeto perdido que clama em suas almas. Na fé, encontram consolo em sua jornada pela vida.
O jejum também é praticado, especialmente durante as eleições, sendo uma demanda das lideranças religiosas, conforme mencionado anteriormente.
A igreja também desempenha um papel central como ponto de encontro, socialização e alegria para os membros, constituindo-se em uma espécie de praça pública em Brasília. Os fiéis consideram-se parte de uma grande família, com obediência ao Senhor e a Bíblia como guia. As lideranças religiosas exercem forte influência sobre o rebanho, inclusive no direcionamento de seus votos nas eleições.
O medo é mediado pela eterna culpa entre a escolha livre do bem e do mal. De acordo com os entrevistados, os líderes religiosos nesta eleição têm imposto suas crenças políticas, visando o voto no candidato Bolsonaro.
É relevante observar que a crença religiosa não se restringe a um determinado nível de escolaridade, sendo compartilhada por fiéis de diversas religiões. Contudo, o apoio a um governo que defende ideias autocráticas e apoia torturadores desperta reflexões entre os eleitores de Bolsonaro, que buscam justificar suas escolhas com base em argumentos bíblicos ao atacar o oponente político, Lula.
A questão da misoginia não parece ser um tema central para essas eleitoras, o que pode parecer contraditório, considerando que muitas delas são mulheres. Algumas eleitoras possuem formação acadêmica, demonstrando conhecimento ao defender pautas como austeridade econômica, o armamento e a melhoria da saúde pública, sem mencionar o transporte público. No entanto, defender o voto em Bolsonaro é um desafio para elas, levando-as a atacar Lula, embora algumas admitam que votaram anteriormente no ex-presidente Lula e que ele melhorou suas condições de vida e de suas famílias, embora o considerem um ladrão, o que é inaceitável para elas.
Essa narrativa é corroborada pelo temor, incutido pelas lideranças religiosas, de que Lula possa supostamente fechar todas as igrejas evangélicas. O comunismo é retratado como o outro grande inimigo da igreja, consolidando-se como um aspecto central nas reflexões políticas dos eleitores de Bolsonaro.
Note-se que essas constatações emergiram a partir de entrevistas realizadas, revelando a intersecção
entre a fé, a política e o contexto social dessas eleitoras. O estudo destaca a importância de compreender suas perspectivas e experiências para uma análise mais abrangente dos fenômenos políticos e sociais em questão.
Uma entrevistada mostrou-me uma mensagem no Whatsapp que o pastor acabara de enviar, informando que o Lula iria fechar todas as igrejas evangélicas. Ela estava realmente muito brava com Lula e o chamado comunismo que ele pretende implantar no Brasil. A partir dessa narrativa, o comunismo se torna o outro grande inimigo da igreja.
A análise das narrativas e experiências compartilhadas por eleitoras religiosas revela a profunda imbricação entre fé, política e as condições socioeconômicas na vida dessas mulheres. Ao longo das entrevistas, emergem histórias de resiliência diante de adversidades, onde a fé em Deus e a devoção a Jesus de Nazaré se apresentam como pilares de sustentação emocional e espiritual. Essas mulheres, muitas das quais enfrentam desafios como a precariedade no trabalho, baixa escolaridade e a dependência de programas sociais, encontram na fé um refúgio e uma fonte de esperança para um futuro melhor.
A fé, para essas mulheres, não é apenas uma prática espiritual, mas também um meio de confrontar e processar as dificuldades da vida. As lideranças religiosas desempenham um papel central em suas vidas, não apenas como guias espirituais, mas também como figuras de autoridade que influenciam suas percepções políticas e decisões eleitorais. A igreja, além de ser um espaço de culto, atua como um ponto de encontro e socialização, fortalecendo laços comunitários e proporcionando um senso de pertencimento.
No entanto, a influência das lideranças religiosas também evidencia a presença do patriarcado nessas comunidades, onde questionar ou discordar das orientações do líder é frequentemente visto como um ato de rebeldia contra a ordem divina. Essa dinâmica reflete uma complexa relação entre fé, autoridade e poder, onde o medo e a culpa são utilizados como mecanismos de controle.
Politicamente, a maioria dessas mulheres manifesta uma clara preferência por Lula, percebido como alguém que se comunica de forma mais efetiva e compreensiva com elas, em contraste com a agressividade atribuída a Bolsonaro. A vida sob o governo Bolsonaro é descrita como marcada por dificuldades econômicas, com muitas expressando a sensação de que suas condições de vida pioraram. A fé e a política se entrelaçam nessas narrativas, com a religião servindo não apenas como um refúgio espiritual, mas também como um prisma através do qual as realidades políticas são interpretadas e vivenciadas.
As práticas religiosas, como petições feitas em morros e o jejum durante as eleições, revelam uma fé ativa e vivida, que se entrelaça com a vida cotidiana e os desafios enfrentados por essas mulheres. Esses rituais, além de refletirem uma busca por intervenção divina em questões pessoais e comunitárias, também evidenciam a forma como a religiosidade molda a percepção e a interação com o mundo.
Esta análise sublinha a necessidade de reconhecer e valorizar as vozes dessas mulheres, frequentemente marginalizadas tanto na esfera política quanto na religiosa. Ao compreender a fé não apenas como uma dimensão espiritual, mas também como um fator que influencia decisões políticas e a navegação das realidades socioeconômicas, podemos obter insights mais profundos sobre os fenômenos políticos e sociais contemporâneos. A fé, neste contexto, emerge como um elemento central na construção de identidades, na formação de comunidades e na luta por justiça social e dignidade.
3 Comparação com a pesquisa de 2018 e a pesquisa de 2022
A análise comparativa das pesquisas realizadas em 2018 e 2022 revela uma evolução significativa no cenário político e social brasileiro, especialmente no que tange às temáticas dominantes na agenda pública. Nota-se uma notável transição nas prioridades e preocupações da população, refletindo as mudanças sociopolíticas ocorridas no intervalo entre os dois períodos.
3.1 Da Ostentação ao Silêncio: A Evolução do Preconceito nas Eleições Brasileiras de 2018 a 2022
A eleição de 2022 evidenciou uma transformação notável na maneira como os eleitores de Jair Bolsonaro abordam questões de racismo e misoginia, em comparação com a abordagem mais ostensiva observada em 2018. Enquanto na eleição anterior o preconceito e a discriminação eram proclamados abertamente, em 2022, percebe-se um recalcamento dessas temáticas, uma tendência ao silenciamento e um desconforto palpável quando esses tópicos emergem em conversas.
Do Discurso Aberto ao Silêncio Constrangido
Os dados da pesquisa indicam que, em 2018, muitos eleitores de Bolsonaro expressavam sem reservas suas opiniões preconceituosas e discriminatórias, fazendo questão de enfatizar suas posturas em entrevistas e discussões públicas. Já em 2022, a mesma franqueza deu lugar a um silêncio constrangido. Quando confrontados com a necessidade de discutir tais questões, muitos eleitores demonstraram desconforto, evitando o tema, mudando de assunto, ou negando abertamente serem racistas ou machistas. Esse comportamento sugere uma internalização do preconceito, que, embora não mais expresso abertamente, ainda se manifesta de maneira velada.
Sinais de Desconforto e Negação
Os sinais não verbais dos entrevistados, como evitar contato visual e demonstrar desconforto ao falar sobre racismo, misoginia e preconceito LGBTQIA+, ilustram a complexidade da mudança de postura. Alguns eleitores recorrem à negação, utilizando termos como "não sou racista" ou "não sou machista", numa tentativa de se distanciar das acusações sem refletir uma mudança genuína de atitude. Isso sugere que, embora a expressão pública de preconceitos tenha se tornado menos aceitável socialmente, as crenças subjacentes podem permanecer inalteradas.
Reflexões sobre a Dinâmica Eleitoral
Esta transição do discurso aberto para a negação ou denegação e o silenciamento revela uma dinâmica eleitoral complexa, onde a mudança na expressão de preconceitos não necessariamente indica uma transformação nas atitudes. O fenômeno observado sugere que os eleitores de Bolsonaro, enquanto talvez mais cautelosos na expressão de suas visões em um ambiente social que cada vez mais repudia o preconceito, não necessariamente abandonaram essas crenças.
A análise comparativa entre as eleições de 2018 e 2022 oferece uma visão perspicaz sobre a evolução da sociedade brasileira em relação ao racismo, misoginia e preconceito LGBTQIA+. Ao reconhecer que um único ato pode esconder ou perpetuar essas formas de discriminação por medo de consequências legais ou sociais, é possível compreender a complexidade do processo de mudança. Essa reflexão indica que a sociedade está em um estágio de introspecção, questionando a aceitabilidade do preconceito enraizado, embora reconheça que essas atitudes exigem uma análise mais profunda. A importância de investigar não apenas as manifestações explícitas de preconceito, mas também as formas mais sutis e ocultas que persistem na estrutura social, é evidente. Portanto, o caminho para uma sociedade mais inclusiva e igualitária requer não apenas o confronto direto com o preconceito manifesto, mas também um exame cuidadoso das maneiras pelas quais ele se manifesta e se perpetua. É somente através desse processo contínuo de reflexão e ação que podemos aspirar a uma sociedade verdadeiramente justa e equitativa para todos os seus membros.
1. Foco na Sobrevivência: Reflexões a partir dos Entrevistados nas Eleições de 2022
As eleições brasileiras de 2022 trouxeram à tona uma realidade contundente, especialmente quando observadas através das vozes dos entrevistados, cujas preocupações refletem um deslocamento significativo das prioridades eleitorais em comparação com 2018. Diferentemente daquela eleição, onde a pauta econômica foi notavelmente ausente nas discussões entre os eleitores de Bolsonaro, em 2022, a crise econômica e os desafios da sobrevivência se tornaram centrais nas preocupações dos entrevistados.
A Emergência da Pauta Econômica entre os Eleitores
Nas entrevistas realizadas em 2022, os entrevistados expressaram uma ansiedade palpável com a situação econômica do país, manifestando preocupações diretas com a fome e a dificuldade em arcar com as despesas básicas. Essa mudança de cenário revela um contraste agudo com a eleição de 2018, quando questões econômicas praticamente não figuravam na agenda de debates dos eleitores, principalmente daqueles que apoiavam Bolsonaro. Naquela época, o discurso estava mais voltado para temas de moralidade, identidade e segurança pública, com pouco ou nenhum destaque para as questões de sobrevivência econômica.
Reflexões dos Pesquisados: Da Ausência à Prevalência da Questão Econômica
Os pesquisados em 2022 detalharam uma realidade onde, mesmo com avanços profissionais ou ascensão na carreira, o salário não conseguiu acompanhar a Paridade do Poder de Compra (PPP), evidenciando uma mudança estrutural na capacidade de consumo da população. Esse cenário marcou um distanciamento das eleições anteriores, particularmente em comparação com 2013, apontando para uma deterioração nas condições econômicas que impulsionou a questão econômica para o centro do debate político.
Entre a Economia e a Identidade: Uma Dupla Face
Embora as questões econômicas tenham ganhado proeminência nas preocupações expressas pelos pesquisados em 2022, é crucial reconhecer que a pauta identitária não desapareceu completamente, mas foi relegada a um espaço de expressão mais reservado. A economia emergiu como um tema central, possivelmente como um vetor menos controverso e mais universalmente reconhecido de preocupação. Entretanto, a reticência em discutir abertamente questões identitárias sugere uma persistência dessas atitudes em níveis mais privados ou em círculos considerados seguros.
Implicações para a Dinâmica Social e Política
A relutância em falar abertamente sobre pautas identitárias, movida pelo medo de repercussões legais e sociais, revela um aspecto preocupante da dinâmica eleitoral e social no Brasil. Esse silêncio pode esconder a extensão real do preconceito dentro da sociedade, complicando os esforços para endereçar e mitigar discriminações. Ao mesmo tempo, o destaque dado às questões econômicas reflete uma preocupação legítima com a sobrevivência, mas não deve ser interpretado como uma substituição completa das preocupações morais e identitárias anteriores.
2. Do "Direito de Matar" e Violência Doméstica: Perspectivas das Eleitoras Bolsonaristas de 2018 a 2022
A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro em 2018 se destacou não apenas por suas propostas políticas, mas também pelo uso intensivo de uma retórica que enfatizava a violência como uma forma legítima de solução de conflitos e de promoção da segurança. O gesto de "disparo" que Bolsonaro e seus apoiadores frequentemente faziam se tornou um símbolo poderoso dessa campanha, encapsulando a mensagem de que o armamento civil seria uma resposta eficaz aos problemas de segurança enfrentados pelo Brasil.
Exemplos de Violência Retórica e Reivindicação do "Direito de Matar"
Discursos em Eventos Públicos: Em diversos momentos da campanha, Bolsonaro fez declarações que reforçavam a ideia de que cidadãos deveriam ter o direito de se armar para proteger suas famílias e propriedades. Em um evento, por exemplo, ele sugeriu que a violência só poderia ser combatida com mais violência, uma afirmação que ressoou fortemente entre seus apoiadores.
Redes Sociais: As redes sociais foram palco para a disseminação dessa retórica violenta, onde vídeos e imagens de Bolsonaro fazendo o gesto de disparo circulavam amplamente. Esses materiais não apenas promoviam a imagem de um candidato "durão" em questões de segurança, mas também incentivavam um clima de confronto e polarização.
Manifestações de Apoio: Durante a campanha, era comum ver apoiadores de Bolsonaro em manifestações públicas reproduzindo o gesto de disparo e utilizando vestimentas e adereços que remetiam ao uso de armas. Essas manifestações frequentemente incluíam cânticos e slogans que advogavam pela liberação do porte de armas e pela autonomia dos cidadãos em defender-se.
Impacto na Polarização Social: A adoção dessa retórica e de seus símbolos por parte da campanha de Bolsonaro contribuiu significativamente para a polarização da sociedade brasileira. Grupos opostos reagiam com intensidade às manifestações pró-armamento, gerando um ciclo de tensão e antagonismo que se refletia tanto nas redes sociais quanto nas ruas.
3.2 Consequências da Retórica Violenta
A campanha de 2018, marcada por essa forte presença da retórica de violência, teve implicações profundas para o tecido social brasileiro. Além de aprofundar a polarização política, gerou preocupações sobre o aumento da violência real, especialmente em contextos vulneráveis onde a presença de armas poderia escalar conflitos domésticos ou interpessoais.
A reivindicação do "direito de matar" como uma solução para a insegurança refletiu e intensificou debates sobre a segurança pública no Brasil, com críticos argumentando que a facilitação do acesso às armas poderia levar a um aumento nos índices de violência, ao invés de sua redução. A associação entre a postura agressiva adotada na campanha e o aumento de casos de violência doméstica e de conflitos interpessoais nos anos subsequentes tornou-se um ponto de crítica e reflexão sobre as consequências de discursos que promovem o armamentismo como política pública.
Jair Bolsonaro, figura central nessa discussão, anteriormente associado a uma postura agressiva e defensora do uso indiscriminado da força, tentou remodelar sua imagem de 2018 para 2022. Em busca de reeleição, esforçou-se para apresentar-se sob uma luz diferente, enfatizando um perfil mais sério e alinhado às preocupações cotidianas do povo. Essa tentativa de rebranding político visa capturar o apoio de eleitores anteriormente alienados por sua retórica polarizadora, sinalizando um reconhecimento da necessidade de abordar um espectro mais amplo de questões de interesse público.
Experiências Pessoais e a Revisão das Crenças
Relatos de eleitoras que apoiavam Bolsonaro em 2022 lançam luz sobre uma consequência preocupante da política de armamentismo: o aumento da violência doméstica ou a intensificação da percepção dessa violência como uma ameaça iminente. Algumas dessas mulheres compartilharam experiências pessoais profundamente traumáticas, tendo sido vítimas de violência doméstica cometida por parceiros que, além de serem fervorosos apoiadores de Bolsonaro, são também defensores intransigentes do direito ao armamento. Estas vivências traumáticas agiram como um ponto de inflexão, provocando uma revisão substancial de seus pontos de vista e levando-as a reconsiderar a necessidade e a segurança de manter armas em casa.
Além disso, foram relatados casos em que parentes ou vizinhos sofreram violência doméstica grave, frequentemente exacerbada pela disponibilidade de armas. Esses relatos evidenciam as consequências não intencionais e perigosas da proliferação de armas, desafiando a ideia de que mais armas significam mais segurança. O que se observou, na verdade, foi que um maior número de armas resultou em mais medo e sofrimento, perpetrados pela violência doméstica para os participantes da pesquisa.
Reflexão sobre o Armamentismo e a Violência Doméstica
A transição observada entre as eleições de 2018 e 2022 sinaliza uma evolução no debate sobre segurança pública e direitos das mulheres no Brasil. As histórias compartilhadas pelas eleitoras bolsonaristas sublinham a necessidade de uma abordagem mais cuidadosa e considerada em relação às políticas de armamento, levando em conta os potenciais impactos na violência doméstica.
Silenciamento e Complexidade nas Motivações
O silenciamento da pauta armamentista nas eleições de 2022 pode ser interpretado sob várias luzes. Uma delas é a possibilidade de que, assim como ocorreu com temas de racismo, misoginia e homofobia, os eleitores podem ter escolhido não vocalizar seu apoio ao armamentismo tão abertamente devido a uma crescente estigmatização dessas posições. Essa camuflagem não necessariamente implica uma mudança genuína de crenças, mas pode refletir uma adaptação tática às normas sociais e ao discurso público predominante.
Reavaliação Crítica ou Camuflagem Estratégica?
A reavaliação crítica das políticas de armamento, especialmente por parte das eleitoras que vivenciaram ou tomaram conhecimento de casos de violência doméstica exacerbados pela disponibilidade de armas, pode representar uma genuína preocupação com a segurança. Contudo, também é possível que, tanto para homens quanto para mulheres apoiadores de Bolsonaro, a diminuição do entusiasmo pela pauta armamentista seja parte de uma estratégia mais ampla para evitar críticas e sanções sociais, alinhando-se, assim, a uma postura mais cautelosa publicamente, enquanto mantêm suas opiniões pessoais.
O aparente recuo na defesa do armamentismo e outras pautas controversas pode refletir uma evolução nas estratégias de sobrevivência política dos eleitores de Bolsonaro, que optam por priorizar temas menos divisivos em um ambiente político volátil. Essa abordagem poderia ser uma tentativa de manter o apoio político sem se expor ao crescente escrutínio público e legal que temas como o armamentismo, racismo, misoginia e homofobia têm atraído.
A transição observada na pauta armamentista entre as eleições de 2018 e 2022 destaca a necessidade de uma análise cautelosa das motivações subjacentes aos discursos e comportamentos políticos. Enquanto algumas mudanças podem refletir uma genuína reavaliação de valores e preocupações, outras podem ser estratégicas, visando navegar um terreno social e político em constante mudança. Entender essas dinâmicas requer um olhar atento às nuances da comunicação política e às complexidades do contexto em que essas opiniões são formadas e expressas.
3.3 Crise de Desinformação: O Impacto Destrutivo das Fake News nas Eleições Brasileiras de 2018 e 2022
A disseminação de fake news tem sido um aspecto recorrente e preocupante nas eleições brasileiras, tanto em 2018 quanto em 2022, revelando o papel das redes sociais como ferramentas poderosas de influência política. Os eleitores de Jair Bolsonaro, particularmente ativos nesse ambiente digital, têm demonstrado uma tendência a se engajar e compartilhar informações muitas vezes não verificadas ou claramente falsas, impactando significativamente o discurso público e a percepção da realidade.
Exemplos e Aprofundamento nas Fake News
Eleições de 2018: O "Kit Gay"
Um exemplo emblemático da campanha de 2018 foi a disseminação da notícia falsa sobre o "Kit Gay", um suposto material educativo que seria distribuído em escolas para promover a homossexualidade entre crianças. Apesar de ser completamente infundado, esse boato ganhou tração significativa nas redes sociais, alimentando medos e preconceitos entre os eleitores e sendo usado como ferramenta de campanha para atacar adversários políticos.
Eleições de 2022: O Fechamento de Igrejas Evangélicas e urnas eletrônicas
Em 2022, uma narrativa falsa semelhante ganhou destaque: a alegação de que o candidato opositor, Lula, planejava fechar igrejas evangélicas se eleito. Essa informação, propagada por grupos de WhatsApp frequentados por eleitores evangélicos e endossada por líderes religiosos, visava mobilizar o voto evangélico em favor de Bolsonaro, explorando o medo da perda de liberdade religiosa. Isso foi evidenciado durante a pesquisa.
A questão das urnas eletrônicas e a disseminação de fake news têm sido temas recorrentes nas discussões políticas e eleitorais no Brasil, especialmente em períodos eleitorais recentes. As fake news sobre urnas eletrônicas abrangem desde alegações infundadas de fraude até teorias conspiratórias sobre manipulação dos resultados eleitorais. Essas narrativas não apenas minam a confiança no processo eleitoral, mas também desafiam a integridade da democracia
Mecanismos de Propagação e Impacto Social
Grupos de WhatsApp, especialmente aqueles vinculados a comunidades religiosas, emergiram como epicentros para a disseminação de fake news. Líderes religiosos e influenciadores digitais, utilizando sua autoridade e credibilidade perante seus seguidores, têm papel central nesse processo, encorajando a circulação de informações não verificadas que reforçam preconceitos existentes ou criam novos temores infundados.
Empresas e organizações também se envolvem nessa dinâmica, utilizando as redes sociais para monitorar e influenciar o comportamento de funcionários e associados, muitas vezes disseminando conteúdo político polarizador.
Reflexões sobre o Fenômeno das Fake News
A propagação intensiva de fake news durante os períodos eleitorais evidencia uma estratégia deliberada de manipulação da opinião pública. Essas narrativas, cuidadosamente escolhidas e disseminadas, tratam de temas sensíveis e polarizadores, como religião, educação sexual e liberdades civis, visando angariar apoio através do medo e da desinformação.
No Brasil, uma pesquisa realizada pelo Instituto Nutes de Educação em Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), buscou compreender o uso intensivo do WhatsApp no fortalecimento de redes de desinformação entre grupos evangélicos. Intitulado Caminhos da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil, o estudo (Cordeiro et al., 2020; Dias Rovari Cordeiro et al., 2020) baseou-se em 1.650 questionários aplicados em congregações das igrejas Batista e Assembleia de Deus, localizadas no Rio de Janeiro e em Recife — respectivamente as duas maiores igrejas evangélicas e as duas cidades com maior concentração de evangélicos no Brasil, segundo o Censo de 2010. Além disso, foram aplicados formulários on-line com pessoas de diferentes religiões, bem como com pessoas sem religião, em todo o território nacional. A pesquisa também contou com a realização de grupos de diálogo nas localidades mencionadas.
Os dados evidenciaram que 49% dos evangélicos entrevistados afirmaram ter recebido conteúdo falso. Nesse grupo religioso, 77,6% relataram que a desinformação chegou por meio de grupos de WhatsApp vinculados à sua comunidade de fé. Em comparação, na coleta com outros segmentos religiosos, 38,5% dos católicos, 35,7% dos espíritas e 28,6% dos adeptos de religiões afro-brasileiras também disseram ter recebido mensagens falsas em grupos ligados às suas práticas religiosas. Ainda segundo a pesquisa, 61,9% dos evangélicos afirmaram que as notícias sobre política eram as mais frequentes entre os conteúdos compartilhados.
O estudo demonstrou que, além do apelo que a desinformação exerce sobre grupos religiosos — por se adequar mais a crenças e valores do que a fatos propriamente ditos —, existem elementos associados às práticas religiosas dos evangélicos que intensificam a disseminação desse tipo de conteúdo. Entre esses fatores, destaca-se o uso intenso das mídias sociais como uma forma de substituição da presença física na igreja, o que tem sido descrito como “um novo ir à igreja”. Soma-se a isso o forte sentimento de pertencimento à comunidade, que faz com que líderes e irmãos de fé sejam percebidos como fontes confiáveis de informação.
A pesquisa Fake news nas candidaturas com identidade religiosa nas eleições municipais de 2020, realizada pelo ISER , analisou 1.043 candidaturas com identidade religiosa entre mais de dez mil registradas em oito capitais brasileiras (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém e Goiânia) . O estudo utilizou dados coletados entre setembro e dezembro de 2020, combinando análise de 330 perfis de redes sociais de candidatos e lideranças religiosas com observação dos discursos de campanha. A pesquisa identificou três principais núcleos de desinformação: “ideologia de gênero”, “pânico em torno da educação” e “cristofobia”, além de cinco temas fragmentados (raça, vitória de Bolsonaro em 2018 no 1º turno, tratamento precoce da Covid-19, críticas ao STF e ataques à candidata Manuela D’Ávila).
Do total monitorado, 36 candidatos (11%) utilizaram fake news em suas campanhas, sendo a maioria dos partidos Republicanos (8), PSC (6), PSD (5) e DEM (5). Três candidatos (Alexandre Isquierdo, Sonaira Fernandes e Gilberto Nascimento Jr.) utilizaram os três núcleos principais e foram eleitos. Outros cinco mobilizaram dois núcleos, e 28 recorreram a apenas um. Desses 36, 10 foram eleitos e 26 não. Goiânia foi a capital com mais casos (8), seguida de Porto Alegre (7), São Paulo e Belo Horizonte (5 cada), Salvador (4), Rio e Recife (3 cada), e Belém (2). A pesquisa mostra que, embora os temas tradicionais da gestão pública tenham marcado a campanha, candidatos com identidade religiosa deram ênfase a pautas morais e conservadoras, frequentemente associadas à disseminação de desinformação e ao pânico moral.
A utilização de fake news revela desafios complexos para a democracia, especialmente em termos de como informações falsas podem influenciar decisões eleitorais e moldar discursos políticos. O fenômeno exige uma resposta coordenada da sociedade, incluindo esforços de educação midiática, fact-checking mais robusto e a responsabilização de plataformas digitais na moderação de conteúdos falsos.
Consequentemente, as eleições de 2018 e 2022 no Brasil não apenas refletem a divisão política do país, mas também destacam a urgência em combater a desinformação, garantindo que o debate público e as escolhas eleitorais sejam baseados em informações precisas e confiáveis.
A temática da corrupção, que dominou o cenário eleitoral brasileiro em 2018, observou uma notável mudança no contexto das eleições de 2022. Em 2018, a bandeira do combate à corrupção foi um dos pilares centrais da campanha de Jair Bolsonaro, atraindo um eleitorado fatigado pelos sucessivos escândalos que haviam abalado o país. A promessa de uma gestão pautada na honestidade e na integridade moral contrastava fortemente com o ambiente político da época, marcado pelas investigações da Operação Lava Jato e pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva em acusações de corrupção.
4 Entre 2018 a 2022 a mudança de rumos do discurso sobre corrupção
A mudança de postura dos eleitores de Jair Bolsonaro em relação ao tema da corrupção nas eleições de 2022 pode ser significativamente atribuída a dois fatores críticos: as diversas acusações de má gestão, roubo e práticas questionáveis envolvendo o próprio presidente, seus familiares e amigos durante seu governo; e a situação jurídica de Luiz Inácio Lula da Silva, que, após ter sido solto, viu todas as acusações contra ele serem anuladas, permitindo sua candidatura sem pendências legais. Além disso, a decisão de Bolsonaro de impor sigilo de 100 anos a documentos relacionados a acusações de corrupção dentro de seu governo contribuiu para intensificar as suspeitas e críticas acerca da transparência e integridade de sua administração.
Fatores Influenciadores da Mudança de Postura
Acusações contra o Governo Bolsonaro: O mandato de Bolsonaro foi marcado por diversas controvérsias e acusações envolvendo má gestão e apropriação indevida de recursos públicos, afetando diretamente a imagem que o presidente tentou construir como um bastião contra a corrupção. Essas acusações, que tocaram inclusive membros próximos e familiares do presidente, erodiram a confiança de uma parte de seu eleitorado que o havia escolhido baseado na promessa de um governo livre de corrupção.
Sigilo de 100 anos: A decisão de impor sigilo de 100 anos sobre documentos que poderiam esclarecer acusações de corrupção contra o governo Bolsonaro levantou sérias questões sobre a transparência e o compromisso do presidente com a luta contra a corrupção. Essa medida foi percebida por muitos como uma tentativa de ocultar informações do público, contradizendo diretamente o discurso anticorrupção que o levou ao poder.
Absolvição de Lula: A absolvição de Lula e a anulação das acusações contra ele mudaram dramaticamente o cenário político brasileiro. Para os eleitores que em 2018 viam em Bolsonaro a resposta aos problemas de corrupção associados a governos anteriores, a liberação de Lula sem condenações representou um questionamento profundo das narrativas que sustentavam essa visão.
A combinação desses fatores teve um impacto direto na percepção pública de Bolsonaro e na pauta eleitoral de 2022. Para muitos eleitores, a promessa de um governo íntegro e transparente pareceu se distanciar da realidade, levando a uma reavaliação crítica do apoio ao presidente. A mudança na narrativa jurídica em torno de Lula também contribuiu para redirecionar o debate político, focando menos na corrupção e mais em outras questões emergentes, como saúde, economia e educação.
A questão da corrupção no Brasil nunca saiu do discurso de fato
A questão da corrupção tem sido historicamente explorada como uma retórica política pela extrema direita e outros grupos, muitas vezes sendo esquecida quando não mais serve aos interesses políticos. No contexto brasileiro, essa tendência é evidente, destacando a necessidade de uma abordagem mais profunda e consistente em relação a essa questão.
Apesar da retórica frequente, a corrupção nem sempre ocupa um espaço de destaque na agenda política brasileira. A ausência de um debate real sobre a corrupção reflete falhas na abordagem da questão como um elemento fundamental da cidadania em um estado democrático. A corrupção fala da privatização de um bem que deveria ser público, minando os princípios democráticos e perpetuando desigualdades sociais.
A corrupção é um sintoma de falhas estruturais no sistema político e econômico, não apenas um problema de desvio moral individual. São necessárias medidas concretas para fortalecer as instituições de combate à corrupção, promover a transparência e a prestação de contas, e garantir a participação cidadã efetiva na governança. Somente com reformas estruturais profundas será possível construir uma democracia verdadeiramente inclusiva e responsável.
4.1 A Estratégia da Adaptabilidade: Mudança de Postura dos Eleitores de Bolsonaro entre 2018 e 2022
A ascensão e a permanência de Jair Bolsonaro na política brasileira têm sido marcadas por uma série de mudanças de postura, não apenas por parte do próprio Bolsonaro, mas também de seus eleitores. Uma análise comparativa entre as eleições de 2018 e 2022 revela uma notável mudança na retórica e nos focos de interesse dos eleitores bolsonaristas, indicando uma estratégia adaptativa em resposta às demandas políticas e sociais em evolução.
Em 2018, os eleitores de Bolsonaro se apresentavam como defensores dos valores conservadores, destacando a importância da família tradicional, dos "bons costumes" e do porte de armas. Neste contexto, expressões abertas de homofobia, machismo, racismo e outras formas de discriminação eram comuns e muitas vezes acompanhavam esses valores conservadores. No entanto, em 2022, houve uma mudança perceptível na retórica dos eleitores, com uma ênfase reduzida em questões polêmicas e uma maior concentração em temas religiosos e na retórica da importância da igreja e da fé em Deus.
Essa mudança de foco pode ser interpretada como uma estratégia para evitar críticas e possíveis sanções nas urnas e legalmente. Os eleitores de Bolsonaro podem ter percebido que expressões abertas de discriminação não são mais socialmente aceitáveis e podem resultar em perdas de votos e até mesmo em acusações criminais. Assim, ajustaram sua retórica pública para se alinhar com uma narrativa mais palatável e menos controversa.
No entanto, é importante ressaltar que essa mudança de discurso público não necessariamente reflete uma mudança nas crenças e atitudes dos eleitores. Muitos deles ainda mantêm visões conservadoras e extremistas, como apoiar a ideia de uma ditadura e expressar ódio contra a comunidade LGBTQIA+. A adaptação estratégica na retórica pode ser vista como uma tentativa de esconder essas visões extremistas e manter uma aparência de respeitabilidade política.
Essa dualidade entre o discurso público e as crenças privadas destaca a complexidade das dinâmicas políticas e sociais no Brasil contemporâneo. Revela a necessidade de uma análise crítica das motivações por trás das mudanças de postura dos eleitores e destaca os desafios enfrentados por uma sociedade em transformação. Ao entender essas dinâmicas, podemos lançar luz sobre as implicações para o cenário político brasileiro e para o futuro da democracia no país.
4.2 O Fascínio do Conservadorismo Religioso e a Estratégia Política de Bolsonaro: Uma Análise entre as Eleições de 2018 e 2022"
É relevante ressaltar que, por meio da pesquisa realizada em 2018, constatou-se a consolidação de uma narrativa conservadora no Brasil. Nessa narrativa, a pauta identitária e a moralidade, fundamentada no combate à corrupção, assumiram papel central na campanha da extrema-direita (CASTRO, 2019a).
É crucial destacar que, em 2018, a dinâmica eleitoral brasileira sofreu uma reviravolta significativa com a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, que o afastou da corrida presidencial. Detido por 580 dias (aproximadamente um ano, sete meses e um dia), sua prisão foi amplamente percebida como um movimento orquestrado no âmbito político, particularmente influenciado pelas ações da Operação Lava Jato. Essa intervenção do judiciário teve profundas implicações políticas, culminando na posterior caracterização de Lula como um preso político, em face das acusações de corrupção levantadas contra ele.
A pesquisa conduzida em 2018 desvendou como o racismo, a misoginia e a promoção da violência emergiram como elementos fundamentais na campanha de Jair Bolsonaro. Nesse cenário complexo, Bolsonaro se destacou como o candidato predominante, aproveitando-se especialmente da exclusão de Lula da competição eleitoral. Esse período evidenciou uma era de polarização aguda e transformação no panorama político do Brasil, impactando significativamente as inclinações eleitorais e a ativação do eleitorado.
Nesse contexto, a pesquisa de 2022 visou não apenas capturar o momento atual do eleitorado conservador no Brasil, mas também traçar as linhas de continuidade e mudança desde 2018. Ao revisitar os mesmos locais e, em alguns casos, os mesmos entrevistados, procurou-se entender como as percepções e atitudes em relação à política e à sociedade brasileira evoluíram sob a influência de um governo que buscou alinhar-se estreitamente com valores conservadores e da extrema-direita. Particularmente, esta pesquisa buscou avaliar se a narrativa conservadora, que enfatizou a moralidade e o combate à corrupção, manteve sua força e apelo entre os eleitores, ou se novos temas e preocupações emergiram como centrais nas suas escolhas políticas.
Além disso, a investigação de 2022 procurou compreender as dinâmicas de voto dentro de um contexto de intensas polarizações políticas e sociais, buscando discernir se as motivações para o apoio contínuo ou a mudança de preferência eleitoral entre os eleitores conservadores foram influenciadas por questões econômicas, sociais, identitárias ou por uma combinação destes fatores. Importante também foi a análise do impacto da prisão e subsequente libertação de Lula na paisagem política brasileira, especialmente em termos de como os eleitores percebem a justiça e a legitimidade das instituições políticas e judiciárias do país.
Ao mesmo tempo, esta pesquisa propõe-se a ampliar a compreensão sobre como a religião, especialmente o crescimento de igrejas evangélicas e neopentecostais, continua a influenciar as escolhas políticas no Brasil, refletindo sobre a relação entre fé e política numa sociedade cada vez mais segmentada. A diversidade de perfis dos entrevistados, incluindo variadas faixas etárias, níveis de escolaridade, rendas e afiliações religiosas, oferece uma rica tapeçaria de perspectivas que enriquece a análise das tendências eleitorais e das dinâmicas políticas em jogo.
Realizar esta pesquisa em 2022 visou aprofundar a compreensão sobre as possíveis evoluções ou permanências nas opiniões e atitudes dos eleitores conservadores no Brasil, explorando como política, sociedade e religião interagem e influenciam o cenário eleitoral. O objetivo é analisar as mudanças e continuidades no comportamento eleitoral conservador, trazendo novas perspectivas sobre a interligação dessas áreas em nosso contexto nacional. Assim, busca-se contribuir para o debate acadêmico e estimular um diálogo mais inclusivo e abrangente na sociedade. Este estudo pretende refletir sobre os futuros caminhos do país em um momento crucial para nossa democracia, incentivando uma discussão construtiva que acolha a diversidade de opiniões presentes na sociedade brasileira.
O poder das massas nas redes de comunicação tem sido um fenômeno marcante na política contemporânea, especialmente quando ligado a correntes conservadoras e religiosas. No Brasil, o apoio fervoroso ao presidente Jair Bolsonaro entre os conservadores religiosos, tanto homens quanto mulheres, é um reflexo desse fenômeno. Este grupo encontra em Bolsonaro um líder carismático que personifica suas crenças e valores, e adere a seu discurso de forma entusiástica.
Entre os conservadores religiosos, há um fascínio pelo estilo controverso e muitas vezes escatológico de Bolsonaro. Suas declarações provocativas são recebidas com risos e admiração, alimentando uma cultura de alienação em relação a outras correntes políticas e ideológicas. O grupo critica figuras como Paulo Freire e demoniza o comunismo, o ateísmo, a esquerda e o feminismo, vendo-os como ameaças à sua visão de mundo.
Uma das principais narrativas dentro deste grupo é a crença na necessidade de "empoderamento" dos homens, percebendo os movimentos feministas como uma ameaça à virilidade masculina e à ordem social tradicional. A ideia de que uma ditadura seria o melhor regime ainda persiste entre eles, ressaltando uma nostalgia por uma suposta época de ordem e disciplina.
Entre as eleições de 2018 e 2022, houve uma mudança perceptível na forma como esse grupo se manifesta publicamente. Com Bolsonaro enfrentando um cenário eleitoral desfavorável em 2022, houve um verniz nas falas e um cuidado maior na abordagem de certos temas. A retórica mais incendiária e radical foi suavizada, enquanto as pautas religiosas e conservadoras foram mantidas como pontos centrais.
Essa mudança na estratégia política reflete uma adaptação às demandas do momento e a uma tentativa de manter o apoio de sua base eleitoral, mesmo em meio a desafios políticos. No entanto, as crenças fundamentais desse grupo continuam inalteradas, destacando a força do conservadorismo religioso na política brasileira e a complexidade das dinâmicas sociais e políticas no país.
Os achados dessa pesquisa com eleitores de Bolsonaro em 2018 e 2022 são reveladores e fornecem uma compreensão mais profunda das dinâmicas políticas e sociais entre os eleitores de Bolsonaro. Uma das conclusões mais importantes é que, apesar das mudanças na forma de apresentar a agenda conservadora em público, os valores fundamentais e as crenças subjacentes permanecem praticamente inalterados entre os apoiadores do presidente.
O que isso sugere é que, embora haja uma adaptação estratégica na retórica e nas abordagens políticas, a essência do conservadorismo religioso e suas demandas permanecem consistentes ao longo do tempo. Essa constatação é significativa porque destaca a estabilidade e a resiliência das ideologias políticas subjacentes, mesmo diante de mudanças de contexto e desafios políticos.
Essencialmente, a pesquisa sugere que a mudança na forma de apresentar a agenda conservadora é uma estratégia política, uma resposta às demandas do momento e às necessidades de manutenção do apoio eleitoral, e não uma alteração substancial nos valores e convicções dos eleitores. Isso ressalta a importância de olhar além das aparências e das narrativas superficiais e compreender as raízes profundas das ideologias políticas e sociais.
4.3 Principais Achados da Pesquisa de 2018: A Ascensão da Extrema-Direita e a Instrumentalização da Religião na Política
Ascensão da extrema-direita e reconfiguração do campo político
A eleição presidencial de 2018 representou uma inflexão dramática no cenário político brasileiro, consagrando Jair Bolsonaro como expoente máximo de uma plataforma conservadora que incorporou, de maneira explícita e contundente, elementos de racismo estrutural, misoginia arraigada, apelo à violência legitimada e a defesa do armamentismo. Essa ascensão não pode ser compreendida apenas como um fenômeno eleitoral pontual, mas como a cristalização de tensões sociais e culturais profundas, que encontraram no discurso bolsonarista um canal para a expressão de ansiedades e ressentimentos históricos. A campanha articulou-se em torno de narrativas moralistas e identitárias, promovendo um antagonismo entre um suposto "Brasil perdido" e a ameaça de uma agenda progressista, em especial nos campos dos direitos de gênero, raça e da comunidade LGBTQIA+. Tal configuração ativou um imaginário conservador fortemente mobilizador, que logrou conquistar um eleitorado que se reconheceu nos valores tradicionalistas e na promessa de restauração da ordem.
A religião como dispositivo estratégico na disputa política
A análise das narrativas colhidas no campo revelou o papel central das igrejas evangélicas enquanto atores políticos decisivos nesse processo. A fé foi apropriadamente instrumentalizada como tecnologia de mobilização, convertendo templos e púlpitos em palanques eleitorais, e transformando lideranças religiosas em disseminadores ativos de uma visão maniqueísta da política — um dualismo simplificado entre “bem” e “mal”, em que o candidato Bolsonaro encarnava o primeiro e seus opositores, o segundo. Essa configuração simbólica não apenas potencializou a adesão política, mas também reforçou processos de subjetivação nos fiéis, convertidos em um rebanho político orientado pela autoridade pastoral, num processo que tensiona e por vezes subverte a laicidade do Estado.
Violência simbólica e polarização discursiva
A campanha foi marcada por uma retórica agressiva e polarizadora, com forte presença de símbolos e gestos carregados de conotações violentas, como o infame gesto do “disparo” realizado por Bolsonaro, que operava como metáfora performativa da legitimação do uso da força e da militarização da vida social. O discurso de ódio contra grupos minoritários — incluindo pessoas LGBTQIA+, mulheres e povos indígenas — foi amplamente disseminado e legitimado dentro de segmentos expressivos do eleitorado, contribuindo para a intensificação de processos de exclusão e violência simbólica. Tal dinâmica configura uma disputa não apenas eleitoral, mas também civilizatória, na qual se confrontam projetos de sociedade e visões de mundo profundamente antagônicas.
Judicialização da política e impactos eleitorais
A prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, em abril de 2018, que o excluiu do processo eleitoral, emergiu como um evento decisivo. Além de retirar um concorrente direto da disputa, foi amplamente instrumentalizada para reforçar a narrativa anticorrupção e consolidar a imagem de um suposto “combate ao sistema corrupto”. Essa judicialização da política — embora contestada em termos de legalidade e legitimidade — exerceu influência determinante no resultado eleitoral, evidenciando como o campo jurídico pode atuar como vetor estratégico na disputa pelo poder político.
Desinformação e estratégias comunicacionais
A disseminação de notícias falsas e boatos, exemplificada pela propagação do falso “Kit Gay”, configurou um vetor essencial para alimentar medos e preconceitos, promovendo a polarização e a coesão do núcleo eleitoral bolsonarista. Redes sociais, especialmente grupos de WhatsApp, funcionaram como canais privilegiados para a circulação e legitimação dessas narrativas desinformativas, marcando uma mudança qualitativa nas estratégias de comunicação política e ampliando o alcance das mensagens.
Perfil sociopolítico dos eleitores e pautas centrais
Os eleitores que aderiram ao projeto político bolsonarista apresentaram um perfil predominantemente conservador, fortemente vinculado a crenças religiosas, e uma agenda moral que sobrepujava as demandas econômicas. Curiosamente, muitos apoiadores justificavam seu voto com base em valores cristãos tradicionais, mesmo diante de contradições evidentes entre as ações e discursos do candidato e os princípios éticos dessas tradições religiosas, sobretudo no que tange à promoção da violência e da intolerância. Essa ambivalência aponta para processos complexos de negociação identitária e de priorização de valores em contextos de crise política.
Deslocamento da pauta econômica
Ao contrário de eleições anteriores, onde o debate econômico ocupava posição central, a campanha de 2018 testemunhou o deslocamento dessa agenda para segundo plano, com as questões identitárias, de segurança pública e de moralidade assumindo protagonismo. Esse fenômeno indica uma reconfiguração das prioridades políticas dos segmentos sociais que sustentaram a candidatura de Bolsonaro, com implicações profundas para o entendimento das dinâmicas eleitorais contemporâneas.
A pesquisa realizada em 2018 revelou um cenário de polarização exacerbada, no qual a intersecção entre religião, violência simbólica e desinformação funcionou como alicerce para o fortalecimento da extrema-direita no Brasil. A instrumentalização da fé enquanto vetor político emergiu como um fenômeno central, capaz de moldar não apenas escolhas eleitorais, mas também formas de subjetivação e práticas sociais que desafiam os fundamentos do Estado laico e do pluralismo democrático. Esses achados anteciparam e prefiguraram tendências que se aprofundaram nos anos seguintes, especialmente no pleito de 2022, sublinhando a urgência de reflexões críticas sobre os efeitos da teocratização e da polarização moral na democracia brasileira.
Quadro 4 – Análise das dimensões estruturais e simbólicas nas eleições presidenciais brasileiras de 2018
Fonte: Elaboração da autora
4.4 Análise dos Principais Achados da Pesquisa de 2018
A pesquisa realizada em 2018 revelou uma transformação profunda no cenário político brasileiro, marcada pela ascensão da extrema-direita, cuja expressão mais emblemática foi a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Essa ascensão não pode ser compreendida apenas como um fenômeno eleitoral, mas como um movimento complexo que articula dimensões culturais, simbólicas, religiosas e institucionais, produzindo um impacto significativo na configuração do Estado democrático e na dinâmica das relações sociais.
No que tange à ascensão da extrema-direita, a campanha de Bolsonaro estruturou-se em um discurso conservador, que incorporou explicitamente elementos racistas, misóginos e violentos, além de um apelo constante ao armamentismo. Essa retórica evidencia uma resposta a tensões sociais profundas, expressas em demandas por ordem e segurança, bem como em rejeição a pautas progressistas relacionadas a direitos de gênero, raça e diversidade sexual. Sob a perspectiva das teorias de Fraser (2003) e Mouffe (2005), essa ascensão representa uma disputa por reconhecimento e a emergência de um populismo autoritário que mobiliza uma identidade coletiva construída contra um “inimigo” percebido, fragmentando o tecido social e minando os consensos democráticos.
Outro eixo fundamental identificado foi o papel central das igrejas evangélicas e neopentecostais enquanto atores políticos. Esses grupos não se limitaram à esfera religiosa, mas atuaram como plataformas eleitorais, onde líderes religiosos operaram como formadores de opinião, propagando uma visão maniqueísta da política, dividindo o mundo em “bem versus mal”. Essa dinâmica fragiliza a laicidade do Estado e insere a subjetivação religiosa como vetor decisivo nas escolhas eleitorais. A análise de Casanova (1994) e Asad (2003) reforça a compreensão de que a religião, longe de ser um mero fenômeno privado, atua como força política que reconfigura o espaço público e os mecanismos de poder.
A violência simbólica manifestou-se de forma explícita na campanha, com símbolos e gestos que legitimavam a hostilidade contra minorias. O gesto do “disparo” de Bolsonaro, por exemplo, não foi mero ato performático, mas consolidou uma linguagem política que celebra a força bruta, o confronto e a exclusão. Bourdieu (1989) conceitua essa violência como um modo de dominação simbólica que produz e reproduz desigualdades e exclusões sociais, enquanto Butler (1997) destaca o modo como o discurso molda as condições de existência e legitima a marginalização de grupos vulnerabilizados.
O episódio da prisão de Lula simboliza um processo de judicialização da política, no qual decisões jurídicas assumem papel decisivo na definição do cenário eleitoral. Mais do que uma questão legal, esse fenômeno reflete uma disputa pelo controle dos instrumentos do Estado e uma crise na confiança nas instituições democráticas. As perspectivas de Gledhill (2017) e Ferrajoli (2009) permitem identificar como essa judicialização pode enfraquecer os pilares do Estado de Direito, quando o aparato jurídico é instrumentalizado para fins políticos, comprometendo a imparcialidade e o equilíbrio institucional.
O crescimento das redes sociais e o uso de aplicativos como WhatsApp criaram um ambiente propício para a circulação massiva de desinformação. Narrativas falsas, como a do “Kit Gay”, alimentaram medos e preconceitos, exacerbando a polarização social. Sunstein (2017) e Tufekci (2018) indicam que essa dinâmica contribui para a formação de bolhas informacionais que isolam os indivíduos em universos discursivos fechados, dificultando o diálogo e a construção de consensos em sociedades democráticas.
O perfil do eleitorado bolsonarista, majoritariamente conservador e fortemente vinculado a valores religiosos, revela uma subjetivação política em que questões morais e identitárias se sobrepõem a pautas econômicas. A contradição entre os princípios cristãos e a adesão a um discurso violento e excludente evidencia a complexidade das motivações eleitorais, que ultrapassam análises simplistas baseadas apenas na racionalidade econômica. As contribuições de Brown (2019) e Rosanvallon (2008) iluminam como esse fenômeno expressa uma subjetividade política marcada por inseguranças e anseios de pertencimento, articulada em torno de narrativas autoritárias.
Por fim, o fato de que as questões econômicas ficaram em segundo plano frente a temas identitários, de segurança e moralidade sinaliza uma mudança significativa no debate público. Souza (2017) e Bobbio (1997) indicam que tal deslocamento reflete a emergência de uma cultura política que valoriza a simbologia e os valores morais em detrimento das análises econômicas tradicionais, transformando o cenário eleitoral e as prioridades da sociedade.
Esses achados revelam que a intersecção entre religião, política e cultura simbólica configura um cenário complexo e desafiador para a democracia brasileira. A pesquisa demonstra que a ascensão da extrema-direita está profundamente entrelaçada com processos de subjetivação religiosa, violência simbólica, judicialização e desinformação, que juntos contribuem para o enfraquecimento dos mecanismos democráticos e para a polarização social. Compreender essas dinâmicas é fundamental para o desenvolvimento de estratégias políticas e sociais que possam fortalecer a democracia, promover a inclusão e assegurar os direitos humanos no Brasil contemporâneo.
5 Análise dos Principais Achados da Pesquisa de 2022
A intersecção entre religião, política e economia no Brasil contemporâneo tem se aprofundado de forma preocupante, especialmente no contexto das eleições de 2022. O fenômeno da instrumentalização da fé por setores das igrejas evangélicas e neopentecostais revela uma dinâmica complexa de poder, em que práticas religiosas são mobilizadas como instrumentos de controle social, propaganda política e acumulação econômica. Esse cenário não representa apenas uma conjuntura eleitoral específica, mas uma transformação estrutural no modo como certas instituições religiosas atuam na esfera pública, desafiando os fundamentos do Estado laico e tensionando os limites da democracia. A presente análise busca compreender os mecanismos simbólicos, discursivos e institucionais que operam nesse processo, iluminando os efeitos políticos da sacralização do poder, da mercantilização da espiritualidade e da propagação de narrativas autoritárias sob o véu da moral religiosa.
Instrumentalização da Religião na Política
A pesquisa evidencia que as igrejas evangélicas e neopentecostais deixaram de ser espaços restritos ao culto e à espiritualidade para se tornarem autênticos pólos de mobilização política, funcionando como palanques eleitorais. Essa transformação implica uma ruptura significativa com o princípio do Estado laico, já que o uso dos púlpitos para disseminar narrativas políticas configura a sacralização de escolhas partidárias e eleitorais. A associação entre voto e “obediência espiritual” produz uma relação de autoridade que transcende o campo político tradicional, instaurando uma forma de governança baseada na subordinação religiosa. Isso não apenas restringe a pluralidade e o debate democrático, como também reforça lógicas de exclusão ao transformar a diversidade política em uma disputa maniqueísta entre o “bem” e o “mal” espirituais.
Monetização da Fé
A análise do fenômeno revela que a fé foi convertida em um capital simbólico e financeiro, que sustenta uma rede complexa de interesses políticos e econômicos. As igrejas evangélicas, beneficiadas por isenções fiscais, operam como corporações que acumulam recursos através de dízimos e doações, muitas vezes sem mecanismos transparentes de prestação de contas. Essa lógica mercadológica da religião põe em xeque a autenticidade do exercício religioso e coloca em evidência a instrumentalização da fé como meio para a obtenção de poder político e riqueza material. A simbiose entre mercado, religião e política evidencia um desvirtuamento das práticas espirituais, subordinando-as a uma lógica de instrumentalização e lucro.
Controle e Coação sobre Fiéis
A dimensão autoritária do fenômeno se revela nas práticas sistemáticas de vigilância e coerção exercidas por lideranças religiosas sobre os seus fiéis, principalmente as mulheres. O controle extrapola o espaço da igreja, invadindo as redes sociais e outras esferas privadas, em um mecanismo que condiciona o exercício da cidadania ao alinhamento político desejado pelos líderes. O relato de mulheres que sofreram pressão para votar em Bolsonaro, sob a ameaça de exclusão social ou maldição, evidencia a reprodução de uma estrutura patriarcal que suprime a autonomia individual em nome de uma lealdade religiosa absolutista. Esse quadro expõe a coexistência entre fé e autoritarismo, onde a crença se torna um instrumento de dominação social e política.
Narrativas de Medo e Desinformação
A pesquisa destaca a difusão estratégica de fake news como ferramenta fundamental para a construção de um ambiente de medo e polarização. A circulação de boatos infundados, como a suposta intenção do ex-presidente Lula de fechar igrejas evangélicas, mobiliza um imaginário apocalíptico que legitima ações políticas autoritárias sob a justificativa da proteção contra ameaças externas. Essa manipulação da informação ocorre principalmente por meio de grupos fechados em aplicativos de mensagens, onde a desinformação opera como elemento de coesão grupal e reforço de identidades políticas conservadoras. Tal fenômeno fragiliza a capacidade crítica do eleitorado e compromete a qualidade do debate público, prejudicando a própria dinâmica democrática.
Mudança na Expressão do Preconceito
Embora o racismo, a misoginia e a homofobia continuem presentes, houve um processo de recalcamento e negação pública dessas expressões preconceituosas. Essa transformação, contudo, não configura um avanço no campo dos direitos, mas sim uma adaptação estratégica diante da crescente condenação social e midiática dessas posturas. O desconforto na abordagem explícita dos temas revela a persistência de crenças discriminatórias que se camuflam em discursos velados ou em omissões, perpetuando desigualdades e violências simbólicas. Esse fenômeno evidencia que a mudança formal no discurso não implica necessariamente na superação das estruturas preconceituosas.
Priorização da Pauta Econômica
O contexto de crise econômica, marcada pelo aumento da fome e do custo de vida, emerge como uma preocupação central entre os eleitores em 2022, o que marca uma mudança em relação a 2018, quando temas identitários dominavam o debate eleitoral. No entanto, a coexistência dessas pautas revela uma complexidade maior: enquanto a insegurança econômica ganha protagonismo, as pautas conservadoras e morais permanecem fortemente internalizadas e atuantes, embora mais veladas. Essa dualidade reflete a ambivalência dos eleitores, que experimentam vulnerabilidades socioeconômicas e, simultaneamente, mantêm valores que reforçam a exclusão e a intolerância, moldando uma coalizão eleitoral multifacetada.
Impacto do Armamentismo
A flexibilização das leis de acesso a armas, promovida durante o governo Bolsonaro, tem impacto direto e grave, especialmente para grupos vulneráveis como mulheres vítimas de violência doméstica. A normalização do armamento civil, promovida como estratégia de segurança, contrasta com o aumento dos casos de violência intrafamiliar, evidenciando uma contradição entre discurso e realidade. Essa situação revela os efeitos perversos de políticas que desconsideram as dinâmicas sociais complexas e as desigualdades de poder, colocando em risco a vida e a integridade física de parcela significativa da população.
Persistência do Conservadorismo
Ainda que a retórica política tenha se adaptado, os valores fundamentais do conservadorismo, principalmente o mais religioso, tais como a rejeição aos direitos das pessoas LGBTQIA+ e a idealização de regimes autoritários, permanecem firmes. Essa resiliência indica que as mudanças discursivas são superficiais, voltadas a suavizar a imagem pública, sem comprometer as bases ideológicas que sustentam a mobilização política. Trata-se de um conservadorismo que se reinventa, mantendo sua capacidade de mobilização social e política através de estratégias discursivas e simbólicas sofisticadas, que lhe permitem permanecer relevante no cenário político contemporâneo.
Idealização do Ditador como Benfeitor e o Desejo por um Regime Autoritário
A pesquisa revela que, no imaginário de parte expressiva do eleitorado conservador, especialmente entre segmentos religiosos mobilizados politicamente, há uma idealização crescente da figura do ditador como “homem providencial”, capaz de impor ordem e restaurar valores morais supostamente corrompidos. Essa representação simbólica do líder autoritário como benfeitor — forte, incorruptível, enviado por Deus — se alinha à lógica messiânica presente nos discursos neopentecostais, nos quais a autoridade política se confunde com autoridade espiritual. Trata-se de uma transferência do desejo de salvação para o campo político, em que a obediência religiosa é reconfigurada como obediência cívica, anulando o dissenso e criminalizando a divergência. Tal fenômeno expressa uma nostalgia de regimes autoritários, nos quais o pluralismo e os conflitos democráticos são percebidos não como expressão legítima da cidadania, mas como sinais de decadência e desordem. Essa expectativa de um poder verticalizado e moralizador fragiliza a cultura democrática e favorece a aceitação de práticas antidemocráticas, criando um terreno fértil para a erosão das liberdades civis em nome de uma suposta redenção nacional.
Assim, a pesquisa de 2022 revela um entrelaçamento intricado entre religião, política e economia, no qual as igrejas evangélicas e neopentecostais emergem como atores centrais da arena política brasileira. A instrumentalização da fé, articulada à coação dos fiéis e à disseminação sistemática de desinformação, cria um ambiente hostil à pluralidade e ao exercício da democracia, ameaçando o caráter laico do Estado. Mesmo com a emergência da pauta econômica, as estruturas de poder conservadoras e autoritárias continuam a se manter, adaptando-se de forma tática, mas preservando seus fundamentos ideológicos. Diante desse cenário, torna-se imprescindível o fortalecimento das instituições democráticas e a promoção de políticas públicas e educacionais que fomentem o pensamento crítico e a resistência à manipulação política da fé, para assegurar a convivência democrática e o respeito à diversidade.
Quadro 5 – Análise aprofundada das principais dimensões político-sociais e simbólicas nas eleições presidenciais brasileiras de 2022
Fonte: Elaboração da autora
5.1 Análise dos Achados da Pesquisa de 2022
A instrumentalização da religião na política brasileira, especialmente a transformação das igrejas evangélicas em palanques eleitorais da extrema-direita, deve ser compreendida não apenas como um fenômeno conjuntural, mas como expressão de um processo histórico mais amplo de reconfiguração das relações entre Estado, religião e sociedade civil. Essa dinâmica desafia frontalmente a ideia do Estado laico, fundamento imprescindível para a democracia pluralista, como apontam autores como Charles Taylor (2007), que alerta para os riscos de um reconhecimento insuficiente da dimensão religiosa na esfera pública sem que isso comprometa a liberdade e a igualdade.
O uso da “obediência espiritual” como mecanismo de coerção política reproduz um modelo de sujeição que extrapola a mera fé para se transformar em uma lógica disciplinar de controle social. Michel Foucault (1977), ao discutir as tecnologias de poder, especialmente o biopoder, ilumina como o controle sobre o corpo e os comportamentos é exercido não só pelo Estado, mas também por instituições religiosas que reproduzem regimes autoritários de subjetivação. Essa forma de poder que atravessa as relações interpessoais nas comunidades religiosas configura uma violência simbólica profundamente patriarcal, como analisa Rita Segato (2016), em que o corpo das mulheres torna-se campo de disputa política, violado por ameaças e imposições que limitam sua autonomia e direitos fundamentais.
A monetização da fé, na qual igrejas atuam como empresas políticas e econômicas, está imersa na lógica neoliberal que, segundo David Harvey (2005), reestrutura a sociedade por meio da mercantilização de todas as esferas da vida. Esse fenômeno se manifesta na conversão da espiritualidade em capital simbólico e econômico, em um ciclo em que o líder religioso acumula poder e riqueza, comprometendo a autenticidade da fé e instrumentalizando-a para a perpetuação de estruturas hierárquicas de dominação. A ausência de transparência nesse processo revela uma aliança entre interesses econômicos e políticos que erosiona a ética pública e aprofunda a desigualdade.
A disseminação de narrativas de medo e desinformação está intrinsecamente ligada a estratégias de construção do inimigo e da polarização política, conforme discute Chantal Mouffe (2005; 2018). A criação de um “outro” ameaçador, como o comunismo ou a suposta perseguição às igrejas, é uma técnica típica do populismo autoritário, que utiliza emoções como medo e ódio para mobilizar massas e deslegitimar adversários. Castells (2012) reforça essa análise ao destacar o papel das redes digitais na amplificação dessas mensagens, criando ecossistemas informacionais fechados que separam grupos sociais e dificultam o diálogo democrático, contribuindo para o enfraquecimento da esfera pública deliberativa.
A transformação do preconceito explícito em um discurso mais recalcado ou negado publicamente, mas ainda presente nas práticas sociais, pode ser compreendida à luz do conceito de racismo estrutural e simbólico de Pierre Bourdieu (1998). Essa tática de recalcamento indica um ajuste estratégico às normas sociais vigentes, mas não uma superação das hierarquias e opressões que estruturam a sociedade brasileira. Stuart Hall (1997) também enfatiza como as representações culturais moldam e reproduzem o racismo, frequentemente de maneira invisível ou disfarçada, dificultando sua identificação e combate efetivo.
A priorização da pauta econômica pela base eleitoral, ainda que permeada por motivações conservadoras e identitárias, remete à complexa relação entre reconhecimento cultural e justiça distributiva, conforme discutido por Nancy Fraser (2003; 2022). Fraser alerta para o risco de que reivindicações culturais sem o devido suporte econômico acabem por reforçar desigualdades e impedir transformações sociais profundas. No contexto brasileiro, isso se manifesta na tensão entre demandas legítimas por melhora nas condições de vida e a adesão a discursos conservadores que reforçam exclusões e violências simbólicas.
O impacto das políticas de armamentismo na violência doméstica e na segurança das mulheres revela a contradição entre discursos de proteção e a realidade da vulnerabilidade corporal. Judith Butler (2004; 2015) problematiza a noção de vulnerabilidade como condição humana fundamental, que deve ser protegida por estruturas sociais justas. No entanto, quando políticas públicas promovem o armamento civil como solução para a segurança, aprofundam a exposição das mulheres e grupos marginalizados à violência, revelando a falência dessas políticas em garantir direitos e segurança.
Por fim, a persistência do conservadorismo religioso, mesmo que modulado em retórica, confirma a análise de Wendy Brown (2015; 2021-2022) sobre a “direita iliberal” que, ao invés de se desmantelar, se reconfigura taticamente para manter suas bases de poder e influenciar o debate público, muitas vezes se apropriando de discursos democráticos para minar a própria democracia. Essa estratégia reafirma a necessidade urgente de fortalecer instituições democráticas, ampliar a educação crítica e promover a inclusão social como formas de resistência ao avanço de forças autoritárias.
6 Eleições 2018 e 2022 no Brasil: análise comparativa
A análise comparativa entre os ciclos eleitorais de 2018 e 2022 revela tanto permanências estruturais quanto transformações estratégicas no campo da direita brasileira. A base de sustentação político-ideológica manteve-se consistentemente ancorada nos mesmos pilares fundamentais: a influência das igrejas evangélicas; a mobilização por meio das redes sociais; a persistência de valores morais conservadores; o forte vínculo com as forças armadas; o apoio do agronegócio; bem como o respaldo contínuo de setores empresariais e midiáticos alinhados ao projeto conservador.
Assim, não houve alteração significativa no perfil dos principais grupos de apoio a Bolsonaro entre 2018 e 2022, que permaneceram firmes e atuantes como sustentáculos essenciais para sua legitimação e mobilização política.
Esse cenário de estabilidade nas alianças políticas e nos grupos de apoio, contudo, não implica imobilismo nas táticas de comunicação e mobilização. Pelo contrário, observa-se uma transformação significativa na forma de articulação dessas estratégias. Os discursos abertamente racistas, misóginos ou homofóbicos, proferidos sem pudor nas eleições de 2018, foram substituídos, em 2022, por formas mais veladas de exclusão e preconceito, frequentemente disfarçadas por uma retórica de neutralidade ou pela defesa da “liberdade de expressão”. Essa adaptação, entretanto, não representa a superação das estruturas discriminatórias; trata-se, na verdade, de uma reconfiguração estratégica voltada à preservação da legitimidade social e à evitação de sanções institucionais ou midiáticas.
Outro deslocamento importante é a passagem do protagonismo das pautas morais para a centralidade da crise econômica. Se em 2018 a “guerra cultural” foi mobilizada como eixo central da campanha, em 2022 o aumento da fome, da inflação e do desemprego forçou uma reorientação discursiva. Ainda assim, essas pautas econômicas não substituíram integralmente as agendas conservadoras, que continuam latentes e operam como pano de fundo simbólico das alianças políticas. O eleitorado conservador, portanto, passa a expressar uma convivência paradoxal entre demandas materiais urgentes e a manutenção de valores que reforçam exclusões sociais.
Nesse contexto, a transformação da igreja em um dos maiores palanques eleitorais em 2022 revela o papel central que as instituições religiosas passaram a desempenhar na arena política contemporânea. Mais do que espaços de fé, as igrejas evangélicas, em especial, funcionaram como plataformas estratégicas de mobilização eleitoral, conectando diretamente a experiência religiosa à adesão política. Essa interseção entre fé e política reforça a legitimidade social de determinados candidatos, ao mesmo tempo em que consolida uma base conservadora resistente às mudanças culturais e sociais em curso no país. A atuação das lideranças religiosas ultrapassa o campo simbólico: por meio da autoridade espiritual, opera-se uma regulação moral que interfere diretamente na formação de opinião e no comportamento político dos fiéis, muitas vezes por meio de mecanismos sutis — e nem sempre sutis — de coerção.
Essa articulação entre púlpito e palanque torna-se ainda mais significativa diante da crescente profissionalização das campanhas eleitorais dentro das igrejas, com discursos cuidadosamente planejados, uso intensivo de tecnologias digitais e produção de conteúdos específicos para grupos religiosos. A teologia é mobilizada como linguagem política, legitimando valores conservadores e, frequentemente, autoritários, sob o manto da moral cristã.
Esse processo é amplificado pelo fato de muitas dessas igrejas deterem uma infraestrutura comunicacional robusta: redes de rádio e televisão próprias, horários comprados em emissoras públicas e privadas, além de intensa presença em mídias digitais e mecanismos locais de comunicação comunitária. Essa capilaridade garante não apenas a difusão de mensagens políticas travestidas de orientação espiritual, mas também o controle da narrativa em níveis nacional e territorial, chegando diretamente aos lares e aos cotidianos dos fiéis. Trata-se de uma presença sistemática e persistente, que organiza imaginários sociais, reforça valores morais e contribui para a polarização política por meio de discursos religiosos altamente performáticos.
Ao transformar o voto em um ato de fidelidade espiritual, esse processo esvazia o exercício da cidadania crítica e desloca o debate democrático para um campo dogmático, em que a dissidência é entendida como ameaça ou pecado. Assim, a instrumentalização da religião, longe de ser um fenômeno lateral, constitui um dos eixos estruturantes do conservadorismo político contemporâneo no Brasil, com impactos profundos sobre as instituições democráticas, os direitos civis e o próprio princípio da laicidade do Estado.
Entre os fenômenos novos observados em 2022, destaca-se a intensificação da coerção religiosa. A relação entre fé e política deixou de ser apenas simbólica e passou a envolver práticas sistemáticas de controle e intimidação dos fiéis, sobretudo em comunidades evangélicas, onde o voto passou a ser entendido como prova de fidelidade religiosa. Além disso, observa-se uma sofisticação crescente na disseminação de desinformação: as fake news tornaram-se mais difíceis de rastrear e desmentir, valendo-se de estruturas comunicacionais mais complexas e emocionalmente eficazes, como vídeos curtos e mensagens em grupos fechados de aplicativos. Esse cenário ampliou a eficácia da polarização e dificultou o exercício do contraditório.
Por fim, constata-se uma consolidação das estratégias da dos conservadores, marcada por três vetores centrais: a adaptação discursiva, que desloca o confronto aberto para formas mais socialmente aceitáveis de ação; a institucionalização crescente, evidenciada pela integração cada vez maior entre religião, Estado e aparato eleitoral; e a resiliência ideológica, demonstrada pela capacidade de manter o núcleo duro da base política mesmo diante de mudanças conjunturais e reveses econômicos.
Essa análise aponta que, mais do que um movimento de ruptura, o bolsonarismo e seus desdobramentos operam como um processo de metamorfose estratégica. As táticas se renovam, mas os fundamentos permanecem: conservadorismo moral, autoritarismo simbólico e apropriação instrumental da fé continuam a estruturar um projeto político que se adapta para manter sua influência e capacidade de mobilização social.
Quadro 6: Comparativo Temático: Eleições Brasileiras de 2018 e 2022
Fonte: Elaboração da autora
As eleições de 2018 e 2022 revelam uma continuidade significativa nas bases conservadoras, assim como na instrumentalização da religião, da violência simbólica e da desinformação, que permanecem como estratégias centrais de mobilização política. No entanto, entre esses dois momentos eleitorais, é possível identificar adaptações estratégicas importantes. Em 2018, observou-se uma ruptura explícita com valores democráticos tradicionais, caracterizada por discursos de ódio abertos e pela emergência de uma narrativa anticorrupção fortemente associada à judicialização da política.
Já em 2022, o conservadorismo político apresenta-se de forma mais sofisticada e resiliente, recorrendo a estratégias de negação e adaptação para dissimular preconceitos, ao mesmo tempo em que intensifica a coerção religiosa e responde às demandas urgentes da crise econômica, que passa a ocupar papel de destaque nas motivações eleitorais.
Esses resultados indicam uma evolução tática das forças políticas conservadoras, que preservam suas bases ideológicas fundamentais mesmo diante de contextos sociais e econômicos que exigem ajustes discursivos e operacionais. Paralelamente, ressaltam a necessidade premente de fortalecer a laicidade do Estado e de implementar mecanismos eficazes para combater tanto a manipulação política da fé quanto a disseminação de desinformação — elementos essenciais para a manutenção e o aprofundamento da democracia no Brasil contemporâneo.
Este quadro comparativo entre os ciclos eleitorais de 2018 e 2022 no Brasil nos permite compreender tanto as permanências estruturais quanto as transformações estratégicas que marcaram o campo da direita conservadora no país.
Identificamos que a base político-ideológica dessa direita segue fortemente sustentada pela influência das igrejas evangélicas, pela mobilização através das redes sociais e pela persistência de valores morais conservadores, além do estreito vínculo com as forças armadas. Esses três eixos continuam a orientar o comportamento eleitoral e os discursos da extrema direita, garantindo conexão com parcelas expressivas da população.
Entretanto, percebe-se uma evolução na forma como essas estratégias são articuladas. Enquanto em 2018 os discursos abertos de racismo, misoginia e homofobia eram recorrentes, em 2022 eles foram substituídos por formas mais veladas e dissimuladas de exclusão, frequentemente revestidas por discursos de neutralidade ou defesa da “liberdade de expressão”. Tal mudança não implica em superação dos preconceitos, mas sim em uma reconfiguração estratégica para preservar a legitimidade social e evitar sanções institucionais.
Outro ponto de transformação refere-se à emergência da crise econômica como eixo discursivo central em 2022, em contraste com a ênfase nas pautas morais que predominou em 2018. Apesar dessa mudança, os valores conservadores continuam subjacentes, coexistindo com as demandas materiais urgentes dos eleitores.
O papel das instituições religiosas, especialmente das igrejas evangélicas, destaca-se como um dos maiores palanques eleitorais, funcionando como plataformas estratégicas para a mobilização do voto e para a legitimação de candidatos. Além disso, observa-se uma intensificação da coerção religiosa, em que o voto passa a ser interpretado como prova de fidelidade espiritual, e um aumento da sofisticação na disseminação de desinformação, dificultando o exercício do contraditório.
Por fim, o quadro revela a consolidação das estratégias conservadoras em três vetores principais: adaptação discursiva para formas socialmente mais aceitáveis, institucionalização da relação entre religião, Estado e aparato eleitoral, e resiliência ideológica que mantém o núcleo duro da base política, mesmo diante de adversidades econômicas e sociais.
Essa análise mostra que o bolsonarismo não representa uma ruptura definitiva, mas um processo contínuo de metamorfose estratégica, em que os fundamentos do conservadorismo moral, do autoritarismo simbólico e da apropriação instrumental da fé permanecem como pilares centrais para a manutenção e ampliação de sua influência política.
6.1 Instrumentalização da Religião
A continuidade do uso das igrejas evangélicas como plataformas eleitorais revela uma estratégia consolidada no campo político brasileiro, que utiliza a fé como um vetor de mobilização massiva. Em 2018, esse fenômeno manifestou-se principalmente na mobilização identitária, ou seja, a construção de um “nós” religioso-conservador em oposição a “eles” (inimigos morais e políticos). Em 2022, essa lógica se aprofundou, com uma organização mais rigorosa e um controle maior sobre os fiéis, incluindo práticas explícitas de coerção e exigência de “obediência espiritual”. Isso significa que a religião deixou de ser apenas um espaço de expressão política para se tornar um instrumento de controle social e político, com impactos diretos na autonomia individual e na liberdade religiosa — questões centrais para o princípio do Estado laico.
A apropriação das igrejas evangélicas como plataformas eleitorais e espaços de coerção social manifesta o que Bourdieu (1998) conceitua como “violência simbólica”: um poder que se exerce sem força física, mas pela imposição de sentidos e legitimidades naturalizadas, aqui no campo religioso-político. O aprofundamento do controle sobre os fiéis, com exigências de obediência e demonstração pública de fidelidade eleitoral, revela como o campo religioso pode ser capturado para fins políticos, reforçando uma lógica de dominação que mina o princípio da autonomia individual e desafia o Estado laico (Foucault, 2008). Tal fenômeno pode ser entendido como uma extensão da “guerra cultural” (Brown, 2017), em que a religiosidade conservadora se apresenta como matriz legitimadora de um ethos autoritário.
6.2. Violência Simbólica
A violência simbólica, entendida como aquela que oprime e marginaliza por meio de práticas discursivas e culturais, esteve presente em ambos os pleitos, mas com formatos distintos. Em 2018, o discurso de ódio era explícito, com manifestações abertas de racismo, misoginia e homofobia. Esse discurso agressivo contribuiu para a radicalização política e a legitimação de pautas de exclusão. Já em 2022, há uma mudança tática: o preconceito passou a ser negado ou “recalcado”, ou seja, não declarado abertamente, mas ainda presente nas atitudes e práticas cotidianas. Essa adaptação indica uma tentativa de suavizar a imagem pública, mantendo, porém, estruturas de poder opressivas. Tal dinâmica dificulta o enfrentamento das discriminações porque oculta sua existência e naturaliza sua persistência.
A passagem do discurso de ódio explícito (2018) para formas veladas e recalcadas (2022) reflete uma estratégia de adaptação autoritária, na qual a opressão não desaparece, mas se torna mais difícil de ser detectada e combatida, reafirmando a ideia de Foucault (1979) de que o poder se torna mais eficiente quanto mais sutil e difuso. Essa naturalização do preconceito, revestida de “liberdade de expressão”, é um mecanismo de manutenção das hierarquias sociais e das desigualdades estruturais (Segato, 2017), que provoca um duplo efeito: invisibiliza as violências e desmobiliza respostas políticas efetivas contra as discriminações.
6.3. Desinformação e Fake News
A desinformação foi uma tática fundamental em ambos os momentos eleitorais para moldar percepções e manipular o eleitorado. Em 2018, as fake news focavam em pautas morais e simbólicas, como o infame “Kit Gay”, que serviam para mobilizar o medo e a intolerância. Em 2022, as notícias falsas ganharam uma sofisticação maior, inclusive envolvendo ataques à liberdade religiosa, como as falsas alegações de “fechamento de igrejas”. A utilização das redes sociais e dos grupos de WhatsApp como canais centrais para essa propagação evidencia a vulnerabilidade dos espaços digitais a práticas manipulativas. Esse cenário impacta negativamente a qualidade do debate público e fragiliza os fundamentos da democracia participativa.
A disseminação das fake news e da desinformação nas redes sociais ecoa a análise de Chantal Mouffe (2005) sobre a “guerra pela hegemonia discursiva”. A manipulação da informação transforma o espaço público em campo de batalhas simbólicas, em que a verdade é relativizada, e a polarização se intensifica. Este processo, associado a uma democracia liberal em crise (Brown, 2017), fragiliza o debate público e mina os fundamentos da democracia participativa, produzindo um cenário propício para o crescimento do autoritarismo.
6.4. Perfil do Eleitorado
Em ambas as eleições, a base eleitoral demonstra forte apego a valores conservadores e religiosos, o que confirma a importância da identidade como elemento mobilizador. Porém, enquanto em 2018 a mobilização concentrava-se em pautas identitárias explícitas, em 2022 houve a emergência de uma preocupação econômica relevante, refletindo o agravamento das condições sociais do país. Isso revela uma dualidade no comportamento do eleitor: a crise econômica ganha espaço como motivação real, mas não elimina o poder das pautas culturais e identitárias. Tal fenômeno indica que a base conservadora não é monolítica, mas complexa e multifacetada, mesclando temores culturais com inseguranças socioeconômicas.
A coexistência das inseguranças econômicas com as pautas culturais conservadoras reflete a complexidade da base social do conservadorismo atual. Esse fenômeno pode ser interpretado a partir da teoria dos “sentimentos de perda” e da insegurança identitária descritos por Nancy Fraser (2017), que evidencia como demandas materiais e simbólicas se entrelaçam na produção do consentimento e da mobilização política. A crise econômica não elimina o conservadorismo moral, mas impõe um ajuste discursivo, que combina apelos à “ordem” cultural com respostas à precarização social.
6.5. Judicialização da Política
A judicialização da política foi muito mais visível em 2018, com a prisão do ex-presidente Lula e a operação Lava Jato moldando o cenário eleitoral. Essa intervenção do sistema judicial foi decisiva para enfraquecer a oposição e legitimar a narrativa anticorrupção. Em 2022, embora menos central, essa dinâmica ainda persiste como instrumento político, indicando que o uso da justiça para fins eleitorais não se extinguiu, mas talvez tenha se ajustado às novas condições políticas. Esse processo aponta para a complexa relação entre poderes na democracia brasileira e as tensões entre o sistema jurídico e o campo político.
O uso do sistema judiciário para fins políticos, que se destacou em 2018 e se manteve em 2022, pode ser lido como um exemplo da captura das instituições pelo poder político (Wolin, 2016). A instrumentalização da justiça para legitimar narrativas anticorrupção ou enfraquecer adversários traduz uma erosão da separação entre poderes e mina a confiança da população nas instituições, abrindo caminho para a normalização de práticas autoritárias.
6.6. Pauta Econômica
Em 2018, as questões econômicas foram praticamente secundárias diante do protagonismo das pautas culturais e identitárias. Já em 2022, a crise econômica, manifestada por inflação, desemprego e fome, assume um papel central no discurso e nas preocupações do eleitorado. Essa mudança ressalta a importância dos contextos socioeconômicos no formato da disputa eleitoral, ainda que as pautas conservadoras permaneçam influentes. O desafio é que as demandas econômicas muitas vezes coexistem com valores conservadores, criando tensões e contradições na base eleitoral.
6.7. Armamentismo
A defesa do armamento civil como elemento de segurança pública foi uma marca da campanha de 2018, mas sua implementação e os efeitos práticos só ficaram evidentes em 2022. O aumento da violência doméstica associada ao acesso facilitado às armas revela o custo social dessa política, especialmente para grupos vulneráveis, como mulheres. Isso demonstra a importância de se analisar não apenas as promessas eleitorais, mas também os desdobramentos concretos das políticas públicas e suas implicações na vida cotidiana.
O armamentismo, como promessa de segurança que se revela fonte de maior violência, especialmente doméstica, dialoga com a crítica da violência estrutural feita por Johan Galtung (1969) e a análise da violência simbólica de Segato (2017). A política do armamento expõe contradições profundas do conservadorismo, ao transformar em ameaça o que se propunha garantir proteção, reforçando a lógica da violência e da exclusão social.
6.8. Demanda por Regime Ditatorial
Um fenômeno novo e preocupante em 2022 foi o aumento da demanda por um regime ditatorial entre parcelas significativas da população. Essa preferência se manifestou em discursos que exaltam o papel do ditador como um “beneplácito” ou “benfeitor”, capaz de impor ordem e segurança frente ao que percebem como caos social e político. Tal desejo expressa o desgaste das instituições democráticas e a busca por soluções autoritárias, evidenciando uma crise profunda na cultura política brasileira e riscos para a democracia
O aumento da simpatia por regimes autoritários aponta para uma crise da cultura democrática no Brasil, conforme discutido por Arendt (1951) em sua análise sobre o totalitarismo. Essa crise se manifesta na deslegitimação das instituições democráticas, no medo social e no anseio por ordem repressiva. A demanda por ditadura evidencia a fragilidade dos valores democráticos e o avanço do pensamento autoritário na esfera pública, refletindo um quadro de “normalização do autoritarismo”(Arendt, Hannah - Sobre La Violencia (1.1)(Pdf), n.d.; Hannah Arendt - A Condicao Humana, n.d.)
6.9. Estratégias de Mobilização
As estratégias de mobilização em 2018 privilegiaram o uso aberto do discurso de ódio e da polarização explícita para galvanizar o eleitorado. Em 2022, houve uma mudança para formas mais sutis de controle, como a coerção religiosa e o uso do medo para garantir o alinhamento político dentro das comunidades religiosas. Isso sinaliza uma sofisticação maior das táticas conservadoras, que buscam manter o poder sem perder o apoio popular, ao mesmo tempo que respondem a um contexto de maior vigilância social e críticas à intolerância aberta.
A transformação das estratégias conservadoras, de discursos de ódio abertos para práticas de coerção social e controle comunitário, sinaliza uma adaptação das táticas autoritárias diante de um contexto de maior vigilância social e crítica pública. Isso evidencia a capacidade de resiliência e metamorfose do bolsonarismo, que preserva seu núcleo ideológico enquanto ajusta seus métodos para garantir a manutenção do poder (Fortes & Aquino, 2018; Mouffe et al., 2014; Ruitenberg, 2009)
Considerações
Este quadro comparativo e sua análise mostram que as eleições de 2018 e 2022 são parte de um processo político mais amplo, em que forças conservadoras se adaptam para manter sua influência em contextos variados. O movimento entre rupturas explícitas e estratégias dissimuladas evidencia a complexidade da política contemporânea no Brasil, onde dimensões culturais, econômicas e institucionais se entrelaçam.
Além disso, o aprofundamento na instrumentalização da religião e no controle social aponta para riscos concretos à democracia, especialmente na preservação da laicidade do Estado e da autonomia individual. Por fim, a emergência da pauta econômica como fator eleitoral reforça que as desigualdades estruturais permanecem no centro da disputa política, mesmo em meio às transformações discursivas.
A análise da continuidade e transformação das estratégias da direita conservadora brasileira entre 2018 e 2022 confirma que o autoritarismo contemporâneo não se apresenta apenas como uma ruptura abrupta, mas como um processo complexo de adaptação e permanência de estruturas de poder e dominação. O aprofundamento da instrumentalização da religião, a violência simbólica velada, a manipulação informacional e a erosão das instituições democráticas representam desafios profundos para a consolidação da democracia no país.
Nesse sentido, autores como Rita Segato nos alertam para a importância de reconhecer e enfrentar as múltiplas dimensões da violência — simbólica, estrutural e política — que atravessam esses processos. Paralelamente, as reflexões de Wendy Brown e Chantal Mouffe orientam a necessidade de fortalecer a democracia deliberativa e inclusiva, enfrentando a manipulação e a polarização por meio de estratégias que valorizem o diálogo e a justiça social (Mouffe et al., 2014; Scándalo, 2020).
A luta pelo fortalecimento do Estado laico, o combate à desinformação e a garantia da autonomia individual diante do uso político da fé são essenciais para resguardar os direitos humanos e impedir o avanço do autoritarismo. Este panorama exige atenção constante às dinâmicas de poder que se manifestam não apenas em atos políticos explícitos, mas nas sutilezas da violência simbólica e da coerção social que se naturalizam na cultura política brasileira.
7 Cenários Possíveis para as Eleições de 2026 no Brasil
As eleições brasileiras de 2026 ocorrem em um contexto de complexidade política, social e econômica que desafia a estabilidade democrática e a capacidade de articulação dos diferentes atores políticos. A partir da análise dos ciclos eleitorais anteriores, das transformações recentes no campo político e das tendências observadas na sociedade, é possível delinear alguns cenários plausíveis para o processo eleitoral que se avizinha.
Um primeiro cenário possível é a consolidação da direita conservadora e autoritária. Este quadro pressupõe a continuidade e o aprofundamento das estratégias que marcaram as eleições recentes, caracterizadas pelo uso instrumental da religião, especialmente das igrejas evangélicas, a disseminação sofisticada de desinformação e fake news, e a mobilização política ancorada em valores morais conservadores e na defesa da ordem social. A crise econômica, com suas consequências sobre a vida cotidiana da população, pode ser explorada para reforçar narrativas que associam segurança e disciplina a medidas autoritárias, o que implicaria uma ampliação da influência das forças conservadoras, com risco para o Estado laico e para os direitos fundamentais.
Por outro lado, um segundo cenário contempla uma reação progressista e uma reconfiguração do campo democrático. Nesse horizonte, forças políticas e sociais articulam-se para enfrentar o avanço autoritário, defendendo a democracia, a justiça social e a ampliação dos direitos humanos. A capacidade dessa oposição em construir alianças amplas e em dialogar com as demandas de diversidade, igualdade e inclusão será decisiva para fortalecer o Estado democrático de direito. No entanto, esse cenário enfrenta desafios, como a fragmentação interna dos atores progressistas e a dificuldade de superar a polarização.
Um terceiro cenário possível é o da fragmentação e da instabilidade política, caracterizado por múltiplas candidaturas e uma divisão intensa do eleitorado, que pode dificultar a formação de maiorias claras e a governabilidade. A persistência dos discursos polarizadores e a atuação das redes digitais na disseminação de ódio e fake news ampliam a radicalização, criando um ambiente de incerteza política e crise institucional.
Finalmente, há a possibilidade da emergência de novos atores políticos e demandas sociais, impulsionada por lideranças jovens, movimentos sociais e pautas contemporâneas como sustentabilidade, justiça ambiental e participação cidadã ampliada. Esse cenário sugere uma renovação dos modos de fazer política, com maior protagonismo da sociedade civil e pressão por transformações estruturais, embora dependa da capacidade dos novos atores de dialogar com as bases tradicionais e de superar resistências institucionais.
Esses cenários não são mutuamente excludentes e podem coexistir ou se suceder conforme os desdobramentos políticos e sociais nos próximos anos. A conjuntura eleitoral de 2026 será, portanto, resultado de múltiplas dinâmicas e disputas que envolvem não apenas as forças políticas organizadas, mas também os processos culturais, econômicos e institucionais que moldam a vida democrática no Brasil.
A compreensão desses possíveis cenários é essencial para o fortalecimento da democracia, pois permite identificar os desafios que se colocam à construção de um projeto político inclusivo, plural e respeitador dos direitos humanos. Frente a esse horizonte, a mobilização cidadã, a defesa da laicidade do Estado e o combate à desinformação constituem imperativos estratégicos para assegurar um processo eleitoral legítimo e democrático em 2026.
Quadro 7: Tendências Temáticas e Pautas Centrais – Eleições de 2026
Fonte: Elaboração da autora
Eleições de 2026: A Ordem como Pauta Central e Disputa de Futuro
As eleições de 2026 no Brasil se desenham em torno de um novo eixo estruturante: a promessa de manutenção da ordem social. Em um país atravessado por crises econômicas, instabilidade institucional, avanço do conservadorismo e fragilidade das garantias democráticas, a ideia de "ordem" não surge apenas como demanda de segurança pública, mas como dispositivo que reorganiza o discurso político, redefine alianças e legitima formas de controle. Trata-se de uma ordem moral, econômica, simbólica e institucional que se impõe como critério para distinguir quem deve governar e quem deve ser silenciado.
A segurança pública, nesse cenário, ocupa lugar central. A narrativa da "mão dura" contra o crime, da defesa armada da propriedade e da repressão aos "inimigos internos" (comunidades periféricas, movimentos sociais, pessoas LGBTQIA+, migrantes) sustenta candidaturas que buscam capitalizar o medo social. A violência é apresentada como produto da permissividade e da "ausência de autoridade", legitimando políticas de encarceramento em massa, militarização das cidades e fortalecimento de aparatos de vigilância. Em nome da ordem, naturaliza-se o autoritarismo cotidiano.
Simultaneamente, a instrumentalização da religião se aprofunda. A fusão entre moralidade religiosa e política estatal já não é um fenômeno periférico: igrejas tornam-se centrais na mobilização do eleitorado, na construção de narrativas e na mediação da vida pública. A noção de “obediência espiritual” é transformada em critério de pertencimento político, promovendo coerção simbólica e exclusão de dissidências. A pluralidade religiosa e a laicidade do Estado são sistematicamente enfraquecidas em nome de uma “ordem moral cristã”.
Enquanto isso, a economia volta ao centro do debate, mas sob uma ótica conservadora. A pobreza, a fome e o desemprego reaparecem como urgência nacional, mas a resposta política tende a priorizar eficiência gerencial, meritocracia e empreendedorismo individual. Os discursos de inclusão são diluídos em propostas técnicas que mantêm desigualdades intactas. A ideia de justiça social é deslocada por um imperativo de produtividade e estabilidade, esvaziando o sentido coletivo das políticas públicas.
As pautas culturais e identitárias seguem sendo campo de disputa. A extrema-direita tende a evitar declarações abertamente racistas, misóginas ou homofóbicas, optando por estratégias mais sofisticadas de exclusão simbólica. Avança, assim, a criminalização da linguagem progressista, a censura de artistas e educadores, e o apagamento de vozes dissidentes. A promessa de “ordem” se traduz em controle do imaginário, vigilância da linguagem e repressão de corpos desviantes da norma heteropatriarcal e branca.
Nesse ambiente, a desinformação assume papel decisivo. Mais do que fake news pontuais, trata-se de uma estrutura articulada de controle narrativo: inteligência artificial, bots, vídeos falsificados, deepfakes e campanhas segmentadas alimentam medos específicos e operam afetos em tempo real. A democracia se vê ameaçada em sua base – a possibilidade de deliberação informada – substituída por reações emocionais produzidas artificialmente. O debate público se torna trincheira algorítmica.
Outro campo de tensão será a educação. Em nome da proteção da infância, propostas de censura curricular e controle parental ganharão força. A escola, tradicionalmente espaço de crítica e emancipação, é redesenhada como território de doutrinação conservadora. A formação cidadã e a liberdade de cátedra são atacadas em nome da "neutralidade", quando, na verdade, o que se busca é o silenciamento das pedagogias democráticas.
No plano ambiental, a Amazônia e os povos originários ocupam duplo lugar: símbolo de resistência e objeto de disputa geopolítica. Grupos políticos podem instrumentalizar discursos ecológicos sem efetivo compromisso com a proteção ambiental. A pauta climática corre o risco de ser colonizada por interesses econômicos, enquanto os povos tradicionais seguem sob ameaça de expulsão, exploração e invisibilização.
Por fim, avança o processo de judicialização seletiva e legalismo autoritário. Em nome da ordem e da estabilidade, medidas excepcionais podem ser apresentadas como legítimas: censura judicial, criminalização de manifestações e ampliação de poderes executivos. A legalidade, em vez de garantia de direitos, se torna ferramenta de repressão, esvaziando o sistema de freios e contrapesos e corroendo o pacto democrático.
As eleições de 2026, portanto, não serão apenas uma disputa entre candidaturas, mas um embate entre projetos de sociedade. De um lado, a promessa de uma ordem fundada no medo, na moralidade religiosa e na exclusão do outro; de outro, a urgência de construir um horizonte democrático que seja capaz de lidar com o conflito, a diversidade e a justiça social como pilares de convivência plural.
Essa conjuntura exige vigilância crítica, mobilização coletiva e responsabilidade intelectual. Não se trata apenas de resistir, mas de disputar ativamente os sentidos da ordem, da democracia e do futuro.
Conservadorismo sua origem
O conservadorismo, como filosofia política, tem suas raízes firmemente plantadas na resposta às turbulências e aos ideais revolucionários da Revolução Francesa. Com Edmund Burke como uma figura central, o movimento inicialmente buscou preservar a ordem social e as tradições contra as mudanças radicais propostas pelos revolucionários. O conservadorismo como uma ideologia política distinta começou a se formar no final do século XVIII e início do século XIX, em resposta às mudanças radicais e à instabilidade trazida pela Revolução Francesa. Edmund Burke, um político e filósofo britânico, é frequentemente citado como um dos fundadores do pensamento conservador moderno, com sua obra "Reflexões sobre a Revolução na França" (1790), criticando os excessos revolucionários e defendendo a preservação da ordem social, das tradições e das instituições estabelecidas.
Ao longo dos séculos, o conservadorismo evoluiu e se diversificou, abraçando desde o neoliberalismo, que prioriza a economia de mercado e a liberdade individual, até formas de conservadorismo social e cultural que enfatizam a manutenção dos valores familiares tradicionais e o ceticismo em relação à mudança rápida. Defende princípios como a propriedade privada, hierarquia e autoridade, e acredita que a mudança deve ocorrer de maneira gradual e respeitando o legado cultural. Esse espectro amplo demonstra a adaptabilidade do conservadorismo às diferentes conjunturas históricas e sociais, mantendo-se, contudo, fiel à ideia central de que qualquer mudança na sociedade deve ser abordada com cautela e profundo respeito pelas estruturas e valores estabelecidos.
Um governo conservador tende a enfatizar a preservação de tradições culturais, valores familiares e estruturas sociais estabelecidas. Economicamente, pode favorecer políticas de livre mercado, limitação da intervenção estatal e redução de impostos. Socialmente, pode adotar posições mais restritivas em questões como direitos LGBTQIA+, imigração e reformas sociais progressistas, buscando manter a ordem social existente e resistindo a mudanças rápidas ou radicais. A política externa pode ser caracterizada por um forte nacionalismo e, em alguns casos, por políticas protecionistas.
Dentro do conservadorismo, existem extremos que refletem uma adesão rígida a ideologias que enfatizam a preservação radical de tradições, a resistência intensa à mudança social e uma forte reação contra o que é visto como influências externas ou progressistas. Essas vertentes extremas podem manifestar-se em formas de nacionalismo extremo, xenofobia, e até mesmo a rejeição de direitos humanos para certos grupos, buscando proteger a identidade cultural ou nacional contra percebidas ameaças. Essa polarização no espectro conservador destaca a diversidade e as tensões internas dentro do movimento.
Os extremos dentro do conservadorismo são frequentemente denominados "extrema-direita" ou "direita radical". Essas vertentes se caracterizam por posições ultraconservadoras, nacionalismo exacerbado, e, em alguns casos, a promoção de ideologias autoritárias ou supremacistas.
Cas Mudde, um expert em extrema-direita, fornece insights teóricos que se aplicam ao surgimento de Bolsonaro. Sua abordagem enfatiza como líderes populistas ganham terreno ao capitalizar sobre o exclusivismo, incluindo racismo e xenofobia, e enfatizando valores conservadores. Mudde vê esses líderes como promessas de resgate contra as "corruptas" elites, interpretando a ascensão de Bolsonaro como parte de uma tendência mais ampla contra o universalismo, puxando para um nacionalismo mais fechado. Recomenda-se a consulta aos trabalhos de Mudde para uma análise aprofundada.
O nazismo e o fascismo, apesar de compartilharem certas afinidades com o conservadorismo, como o nacionalismo, distinguem-se por sua natureza radical e totalitária. Esses movimentos, liderados por Hitler na Alemanha e Mussolini na Itália, respectivamente, buscaram não apenas preservar, mas transformar completamente suas sociedades através de políticas de exclusão, controle estatal absoluto e militarismo. Eles representam desvios extremos da política conservadora tradicional, centrados na ideia de purificação social e expansão autoritária, ao invés da simples manutenção da ordem existente.
Umberto Eco, em seu ensaio "Ur-Fascismo", descreve características comuns dos movimentos fascistas, que podem ser aplicadas ao extremismo de direita mais amplamente. Entre essas características, Eco destaca o culto à tradição, a rejeição da modernidade, o medo da diferença (que se manifesta em racismo e xenofobia) e o apelo à frustração social. Eco também enfatiza o uso de uma linguagem empobrecida, voltada para a evocação emocional em vez de argumentação racional, o que facilita a disseminação de ideias simplistas e maniqueístas.
Extremismo de Direita: A análise do extremismo de direita, conforme explorado por teóricos como Roger Griffin e Umberto Eco, mostra como narrativas de nostalgia, a busca por um passado idealizado, e o apelo à unidade nacional contra supostos inimigos internos e externos podem ser instrumentalizados por movimentos políticos. A retórica de Bolsonaro e sua campanha, especialmente em 2018, ressoam com essas características, promovendo uma agenda nacionalista e conservadora.
O extremismo de direita, conforme analisado por teóricos como Roger Griffin e Umberto Eco, envolve a utilização de narrativas que glorificam um passado idealizado e apelam à unidade nacional contra percebidos inimigos internos e externos. Essas estratégias são eficazes em mobilizar apoio político através da exploração de medos, incertezas e ressentimentos dentro da sociedade.
Roger Griffin identifica o extremismo de direita com a sua noção de "palingenético ultranacionalismo", que se refere à crença na regeneração da nação de uma suposta decadência. Griffin argumenta que movimentos fascistas e de extrema-direita frequentemente promovem a ideia de um renascimento nacional, apelando para a nostalgia de uma "idade de ouro" perdida, muitas vezes construída de maneira mitológica. Essa narrativa é empregada para unir a população contra inimigos comuns, sejam eles minorias étnicas, imigrantes, a esquerda política ou forças globalizantes.
A trajetória do conservadorismo reflete uma evolução da reação às mudanças sociais radicais para uma doutrina abrangente que valoriza a estabilidade, a tradição e a ordem. Enquanto governos conservadores buscam equilibrar a liberdade econômica com a manutenção de valores sociais tradicionais, as vertentes extremas desse espectro político, incluindo o nazismo e o fascismo, divergem radicalmente ao promover ideologias autoritárias e de purificação social. Assim, o conservadorismo, em suas várias manifestações, continua a ser um campo ideológico diversificado e complexo, refletindo as tensões entre a preservação da ordem existente e a adaptação a novos desafios sociais.
8 Pulsões de Morte e Vida: A Manipulação Religiosa e a Crise Democrática no Brasil
O Brasil vive um momento de tensão política e social em que a dicotomia entre um Estado laico e um possível Estado teocrático ganha centralidade, especialmente no campo da política religiosa. O fenômeno observado, onde a fé é instrumentalizada para fins eleitorais, não é apenas uma manipulação estratégica por parte da extrema-direita, mas reflete também uma dinâmica psíquica que pode ser explorada sob a ótica da psicanálise. A manipulação da fé, em vez de ser uma adesão genuína à religião, é uma estratégia para garantir o apoio e votos de um segmento importante da população, caracterizando uma espécie de "capital eleitoral" que visa à manutenção do poder.
Ao refletirmos sobre esse cenário, a psicanálise, especialmente a teoria freudiana, oferece uma chave para entendermos o comportamento coletivo e as motivações inconscientes que moldam o apoio político à extrema-direita. A pulsão de morte (Thanatos), conforme conceituada por Freud, surge como uma explicação potencial para a ascensão de ideologias autoritárias e a erosão da democracia (Freud, 2010, 2011, 2016; Garcia-Roza, 1985; Sigmund Freud, 2010). A tentativa de polarizar a sociedade entre o bem e o mal, como evidenciado pelas campanhas de desinformação e pela demonização de grupos como a esquerda, o feminismo e o comunismo, pode ser vista como um reflexo da pulsão de morte. Essa pulsão busca a destruição da complexidade social, propondo uma solução simplificada e homogênea, sem diversidade ou dissenso. O “nós contra eles” serve como uma forma de coesão para o grupo, afastando a reflexão crítica e alimentando o medo.
A utilização das igrejas como palanques eleitorais, ao serem convertidas em locais de apoio explícito a candidatos da extrema-direita, pode ser analisada à luz do conceito lacaniano de Nome-do-Pai. Os líderes religiosos, ao assumirem essa função de mediadores políticos, transformam o espaço de culto em uma liturgia política. O Nome-do-Pai, na psicanálise lacaniana, regula o desejo e estrutura a relação do sujeito com o mundo simbólico . Aqui, a autoridade religiosa, ao endossar candidaturas, se coloca como uma figura paterna que molda os desejos dos fiéis, substituindo o papel de orientação espiritual por uma função política. Isso subverte o papel tradicional da religião como instância moral e ética, convertendo-a em um instrumento de controle e manipulação do desejo coletivo.
Ademais, o fenômeno de política religiosa e monetização da fé no Brasil reflete o conceito de narcisismo de grupo, onde a religião se torna um meio de gratificação narcísica, funcionando como um atalho para o poder e status. Os líderes religiosos, ao buscarem alinhar-se com figuras políticas, não apenas rompem com a neutralidade tradicional dos espaços religiosos, mas também banalizam a própria experiência de fé, transformando-a em um ato de apoio político. O culto, então, deixa de ser um espaço de reflexão e transcendência espiritual, passando a ser uma arena de manipulação política.
A psicologia das massas, dentro da perspectiva psicanalítica, fornece uma leitura crucial para compreender as dinâmicas de poder e controle político que estão em jogo. O desejo de pertencimento, a busca por segurança, e o medo do "outro" desencadeiam fenômenos de identificação coletiva, nos quais as escolhas políticas não são apenas racionalizadas, mas também carregadas de um significado profundo e inconsciente. A pulsão de morte, que tenta eliminar a complexidade e a diversidade da sociedade, se encontra em confronto direto com a pulsão de vida (Eros), que busca o encontro, a diferenciação e a construção de uma sociedade plural. O desafio é entender como essas forças inconscientes estão, muitas vezes, sendo usadas para promover uma agenda política que ameaça os valores democráticos e a pluralidade social.
A psicanálise, ao iluminar as profundezas dos desejos inconscientes e dos mecanismos de defesa, oferece uma abordagem crítica sobre como as escolhas políticas podem ser influenciadas por dinâmicas psíquicas que vão além do campo da racionalidade. As dinâmicas de poder, que se expressam na politização da fé e na monetização da religião, precisam ser analisadas com um olhar atento, pois refletem não apenas uma estratégia de controle social, mas também questões internas não resolvidas e medos primitivos, que se projetam sobre figuras de autoridade. Esse entendimento psicanalítico abre caminhos para uma reflexão mais profunda sobre os processos psíquicos e sociais que moldam as escolhas políticas em tempos de crise. A transformação dessas dinâmicas, através de um engajamento crítico e consciente, pode ser a chave para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e plural.
Ao final, podemos concluir que o movimento em direção a um Estado teocrático não é apenas uma estratégia de manipulação política, mas também uma expressão de conflitos psíquicos mais profundos que permeiam as escolhas eleitorais. A psicanálise, ao focar nas forças inconscientes que moldam essas dinâmicas, oferece um importante caminho para a compreensão e possível transformação dessas tendências, ajudando a sociedade a se reconectar com os valores fundamentais da democracia, da pluralidade e do respeito à diversidade.
À guisa de uma conclusão
Tudo que é sólido se desmancha no ar.
Karl Marx
Ao finalizar a pesquisa, é possível elaborar algumas hipóteses, e uma delas é a oposição entre o Estado laico e um Estado teocrático, fundamentado na monetização da fé, a qual os eleitores de Bolsonaro buscam implementar por meio da fé cristã no Brasil.
Uma das hipóteses que a pesquisa levanta é a utilização das igrejas, especialmente as evangélicas e neopentecostais, como palanques eleitorais para os candidatos da extrema-direita, incluindo o candidato Bolsonaro.
Os relatos demonstram que líderes religiosos têm feito campanhas de forma ostensiva e aberta, recebendo a visita de diversos candidatos em suas igrejas, com direito a falar durante o culto no primeiro turno das eleições de 2022. As igrejas têm se tornado o palco de disputa pelo voto em Bolsonaro, permitindo apenas a entrada de aliados dos líderes religiosos, o que denota falta de pluralidade e diversidade.
Os espaços das igrejas foram cedidos para a montagem de palanques eleitorais e o púlpito, local sagrado, foi emprestado para candidaturas da extrema-direita, com o intuito de eleger Bolsonaro. Após ouvir as declarações dos entrevistados, buscou-se verificar se as igrejas estavam enfeitadas com bandeiras dos candidatos, transformando o culto em uma liturgia política, em vez de religiosa, em torno da candidatura de Bolsonaro. Imagens de Bolsonaro e sua esposa Michelle, evangélica, ajoelhando-se diante dos fiéis, tornaram-se comuns nas redes sociais.
Observou-se que ter uma igreja evangélica ou neopentecostal no Brasil hoje pode ser altamente lucrativo, aumentando o capital social, político e econômico de um indivíduo e sua família. O perigo desse processo reside em entregar o importante assunto da fé nas mãos duvidosas de líderes religiosos que desvirtuam os princípios cristãos em processos eleitorais.
À guisa de uma conclusão para esta investigação sobre a interseção de fé e empreendedorismo no contexto político brasileiro, é essencial refletir sobre as implicações de uma prática religiosa transformada em veículo para o avanço de agendas políticas específicas. A pesquisa revelou como a fé, especialmente dentro das comunidades evangélicas e neopentecostais, tem sido canalizada para apoiar uma visão política que flerta com a ideia de um Estado teocrático, em contraposição aos princípios de um Estado laico.
A utilização das igrejas como palanques eleitorais, especialmente para candidatos de extrema-direita, evidencia uma instrumentalização da fé que transcende a esfera do sagrado, entrando no domínio do poder político e econômico. Os líderes religiosos, ao abraçarem abertamente campanhas políticas dentro dos espaços de culto, não apenas quebram a neutralidade esperada desses ambientes, mas também modificam a natureza da liturgia, transformando-a em um ato político.
A análise psicanalítica anteriormente discutida se torna pertinente aqui, à medida que ilumina a dinâmica subjacente a essa mistura de religião e política. A figura do líder religioso, elevada ao status de autoridade incontestável, remete ao conceito de "Nome-do-Pai" em Lacan, servindo como o ponto de ancoragem para a lei e a ordem simbólica dentro da comunidade. Nesse cenário, a obediência cega e o fervor com que os fiéis seguem essas lideranças podem ser vistos como uma manifestação da pulsão de morte (Thanatos), onde a submissão a uma autoridade externa suprime o desejo individual e a capacidade crítica, em favor de uma unidade coletiva que rejeita a diversidade e o questionamento.
O perigo desse processo, como a pesquisa aponta, reside na potencial erosão da democracia e na concentração do poder e das riquezas nas mãos de poucos. A extrema-direita, valendo-se de estruturas religiosas para avançar seus objetivos, demonstra uma estratégia de desmantelamento do tecido democrático brasileiro, visando estabelecer um regime autoritário disfarçado de moralidade religiosa.
A moralidade pregada por essas igrejas, portanto, torna-se uma ferramenta para a extrema-direita, que a descartará assim que não mais servir a seus propósitos. Essa instrumentalização da religião para fins políticos subverte os princípios cristãos, transformando a fé em uma mercadoria negociável no mercado político.
O papel das igrejas nas eleições de 2022, como demonstrado, foi crucial para a construção de uma base política para a extrema-direita no Brasil. A escolha entre um Estado laico, defendido pela candidatura de Lula, e um Estado teocrático, proposto implicitamente pela extrema-direita, coloca em jogo o futuro da democracia brasileira.
Nesse contexto, a psicanálise oferece um olhar crítico sobre as motivações e os desejos inconscientes que guiam tanto líderes quanto seguidores nesse processo, revelando a complexidade da relação entre fé, poder e política. A esperança de que "tudo que é sólido se desmanche no ar" ressoa como um chamado para a reflexão e a resistência contra as forças que buscam desmantelar os princípios democráticos e laicos que sustentam a sociedade brasileira.
Além da análise psicanalítica, é importante considerar também as dimensões sociais e econômicas que permeiam a relação entre fé, empreendedorismo e política. A pesquisa destacou como a abertura de uma igreja pode representar não apenas uma expressão de fé, mas também uma oportunidade econômica para indivíduos que buscam status e reconhecimento social. Esse aspecto ressalta a complexidade da dinâmica religiosa, onde interesses pessoais e institucionais muitas vezes se entrelaçam, moldando as práticas e as crenças dos fiéis.
A desigualdade socioeconômica, aliada à precariedade das condições de vida enfrentadas por muitos fiéis, também influencia sua relação com a religião e a política. A pesquisa evidenciou como mulheres de baixa renda, por exemplo, encontram na fé uma fonte de consolo e esperança em meio às adversidades, ao mesmo tempo em que são influenciadas por líderes religiosos e suas agendas políticas.
Além disso, a análise das práticas políticas dentro das igrejas revela a importância do acesso ao poder e aos recursos para a consolidação de determinadas visões políticas. Candidatos que conseguem estabelecer alianças com líderes religiosos podem ganhar vantagem eleitoral ao mobilizar uma base de apoio influente e dedicada.
Por fim, é fundamental ressaltar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para compreender plenamente as complexas interações entre religião, economia e política. Somente ao considerar todas essas dimensões podemos formar uma visão abrangente e crítica dos fenômenos observados, contribuindo assim para o desenvolvimento de estratégias e políticas que promovam a justiça social, a democracia e o respeito aos direitos humanos.
O Brasil encontra-se em uma encruzilhada: manter-se como um Estado laico ou aderir a um Estado teocrático, ancorado em uma seita religiosa a serviço da extrema-direita, que utiliza a igreja como palanque eleitoral e modifica as escrituras ao seu bel-prazer para atender ao fascismo.
Curiosamente, o candidato Bolsonaro não possui vínculo direto com nenhuma das igrejas, apenas utiliza e compra a lealdade dessas instituições quando lhe convém. A extrema-direita no Brasil está construindo um caminho peculiar, valendo-se de tudo ao seu alcance, desde a Lava Jato (no judiciário) até igrejas, escolas, empresários e agronegócios. O objetivo central desse processo eleitoral de Bolsonaro é desmantelar a democracia e concentrar as riquezas coletivas em poucas mãos.
A luta política no Brasil atual envolve a candidatura da extrema-direita de Bolsonaro, que encontrou nas igrejas um palanque eleitoral propício para a construção de um Estado teocrático, a fim de implantar de vez os interesses dessa corrente política no país. Por outro lado, a candidatura de Lula defende a democracia e o bem-estar social, sustentando a manutenção de um Estado laico.
A moral das igrejas não é importante para a extrema-direita no Brasil, mas ela as utiliza até que atinja seus objetivos e destrua tudo o que lhe convém para estabelecer um estado autoritário, com o apoio de parte dos militares.
Nas eleições de 2022, as igrejas evangélicas e neopentecostais, assim como uma pequena parcela das igrejas católicas, tornaram-se peças-chave para auxiliar a construção da extrema-direita no Brasil. O desfecho dessa situação está por vir, e todos têm ciência das escolhas que estão fazendo e dos desejos que estão sendo realizados.
Ninguém poderá alegar ignorância sobre o mal que vem se aproximando o tempo todo. Assim foi na Segunda Guerra Mundial, e, como Karl Marx nos recorda, a história se repete: a primeira vez como tragédia e a segunda vez como farsa.
Assim, a pesquisa conclui que a conscientização e o questionamento crítico são essenciais para evitar que a história se repita, seja como tragédia ou como farsa, e para garantir que a fé não seja cooptada como instrumento de opressão, mas mantida como um espaço de esperança, reflexão e apoio mútuo.
Referências
Almeida, R. De. (2011). Religião e desigualdade urbana. Interseções, 13(1).
Almeida, R. (2006). A expansão pentecostal: circulação e flexibilidade. In As religiões no Brasil: Continuidades e rupturas.
Andrade, D. P. (2021). NEOLIBERALISMO E GUERRA AO INIMIGO INTERNO: da Nova República à virada autoritária no Brasil. Caderno CRH, 34.
Araújo, B., & Campos, F. S. S. (2022). Populismo Autoritário e Meio Ambiente no Brasil. Media & Jornalismo, 22(40). https://doi.org/10.14195/2183-5462_40_7
Aráujo Fernandes, A. S., Carvalho Teixeira, M. A., Ferreira Marques do Nascimento , A. B., & Zuccolotto , R. (2022). Entre a estabilidade (1995-2014) e a escolha pelos riscos de ruptura democrática: O Brasil na era do bolsonarismo. Administração Pública e Gestão Social. https://doi.org/10.21118/apgs.v14i2.14114
Arendt, H. (n.d.). Hannah Arendt Entre o Passado e o Futuro.
Arendt, H. (2012). Origens do Totalitarismo. https://doi.org/10.1007/s13398-014-0173-7.2
Arendt, Hannah - Sobre la violencia (1.1)(pdf). (n.d.).
Atkinson, A. B. (2014). After Piketty? British Journal of Sociology, 65(4). https://doi.org/10.1111/1468-4446.12105
Avritzer, L. (2018). “The pendulum of democracy in Brazil: An approach of the 2013-2018 crisis.” Novos Estudos CEBRAP, 37(2), 273–289. https://doi.org/10.25091/S01013300201800020006
Barbosa de Souza, W. J. (2024). Em nome de deus da família e da propriedade: o ativismo político religioso nas campanhas pró-Bolsonaro: 2018 e 2020. Em Tese, 20(02). https://doi.org/10.5007/1806-5023.2023.e94151
Barbosa, T. H. (2005). Caminhos e Histórias: A Historiografia do Protestantismo na Igreja Presbiteriana do Brasil. Revista de Estudos Da Religião, 1.
Béland, D., Rocco, P., Segatto, C. I., & Waddan, A. (2021). TRUMP, BOLSONARO, AND THE FRAMING OF THE COVID-19 CRISIS: How Political Institutions Shaped Presidential Strategies. World Affairs, 184(4). https://doi.org/10.1177/00438200211053314
Boito Jr., A. (2020). Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo. Revista Crítica Marxista, 50(1).
Boito Jr., A. (2021). O CAMINHO BRASILEIRO PARA O FASCISMO. Caderno CRH, 34. https://doi.org/10.9771/ccrh.v34i0.35578
Brown, W. (2020). Walled States, Waning Sovereignty. In Walled States, Waning Sovereignty. https://doi.org/10.2307/j.ctv14gpj55
Brown, W., Colegate, C., Dalton, J., Rayner, T., & Th, C. (2006). Learning to Love Again : An Interview with Wendy Brown. Contretemps, 6(January 2006).
Butler, A., Hoffman, P., Smibert, P., Papalexi, E., & Satija, R. (2018). Integrating single-cell transcriptomic data across different conditions, technologies, and species. Nature Biotechnology, 36(5). https://doi.org/10.1038/nbt.4096
Butler, J. (2004). Undoing gender. In Undoing gender. https://doi.org/10.4324/9780203499627
Caïrus, A. (2010). Adventismo Y Protestantismo. DavarLogos, 1(Adventismo).
Carlos, E. (2021). Movimentos Sociais e Políticas Públicas: Consequências na Política Nacional de Direitos Humanos. Dados, 64(4), e20190305. https://doi.org/10.1590/DADOS.2021.64.4.248
Carlos, E., Pereira, M. M., & Rodrigues, C. (2025). PUBLIC POLICY DISMANTLING IN THE BOLSONARO GOVERNMENT: POLICIES FOR WOMEN, RACIAL EQUALITY, AND LGTBQIA+ IN A COMPARATIVE PERSPECTIVE. Lua Nova, 124. https://doi.org/10.1590/0102-044ec/124
Carvajal, P. (1999). La reforma politica. una introduccion al pensamiento politico juridico del protestantismo en los siglo XVI y XVII. Revista de Estudios Historico-Juridicos, 21. https://doi.org/10.4067/s0716-54551999002100012
Castro, H., & Castillo, S. V. (2021). Uma democracia frágil e sem valores democráticos. Revista Debates, 15(2). https://doi.org/10.22456/1982-5269.110968
Cavalcanti, C. R., Farage, E., Ferreira, F. D., Dias, R., & Brandão, S. M. S. de O. (2020). EDUCAÇÃO E CULTURA NA LUTA POR EMANCIPAÇÃO DA HUMANIDADE: ataques e resistências no governo Bolsonaro. Revista de Políticas Públicas, 24. https://doi.org/10.18764/2178-2865.v24nep312-330
Cesarino, L. (2020). HOW SOCIAL MEDIA AFFORDS POPULIST POLITICS: REMARKS ON LIMINALITY BASED ON THE BRAZILIAN CASE. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 59(1). https://doi.org/10.1590/01031813686191620200410
Chantal Mouffe. (2003). Parallax, 9(3). https://doi.org/10.1080/1353464032000103627
Cordeiro, J. D. R., Fonseca, A. B. C. da, Mangabeira, E. C., Silva, J. C. L. e, & Lima, A. G. I. (2020). DESINFORMAÇÃO NA CULTURA DIGITAL: reflexões a partir da Democracia Cognitiva e do Diálogo de Saberes. Revista Observatório, 6(6). https://doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2020v6n6a10pt
Crocker, G. (2015). Keynes, Piketty, and Basic Income. Basic Income Studies, 10(1). https://doi.org/10.1515/bis-2015-0015
Cunha, M. D. N. (2017). Política, mídia e religião: o ativismo progressista entre evangélicos brasileiros por meio do Facebook e do Twitter. Comunicação & Sociedade, 39(3). https://doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v39n3p217-244
Cunha, M. D. N. (2019). Os processos de midiatização das religiões no Brasil e o ativismo político digital evangélico. Revista FAMECOS, 26(1). https://doi.org/10.15448/1980-3729.2019.1.30691
Cyril Lynch, C. E., & Paschoeto Cassimiro, P. H. (2021). O populismo reacionário no poder: uma radiografia ideológica da presidência Bolsonaro (2018-2021). Aisthesis Revista Chilena de Investigaciones Estéticas, 70. https://doi.org/10.7764/aisth.70.10
Da Luz Scherf, E., & Viana da Silva, M. V. (2023). Brazil’s Yanomami health disaster: addressing the public health emergency requires advancing criminal accountability. In Frontiers in Public Health (Vol. 11). Frontiers Media S.A. https://doi.org/10.3389/fpubh.2023.1166167
Da Silva, A. (2023). PROTESTANTISMO DE MISSÃO NO BRASIL DO SÉCULO XIX: (RE)LEITURAS DESSE MOVIMENTO E DINÂMICA NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO DECOLONIAL. REVISTA FOCO, 16(7). https://doi.org/10.54751/revistafoco.v16n7-113
Da Silva, M. L., & Da Rosa, C. F. (2022). Saúde, educação e a pós-verdade como estratégia de educabilidade: notas sobre a pandemia e o bolsonarismo. Revista Espaço Pedagógico, 28(2). https://doi.org/10.5335/rep.v28i2.11800
DALPRA AFONSO, E. (2022). DIREITOS HUMANOS NO BRASIL: O 3 PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS E A PROPOSTA DE REVISÃO PELO GOVERNO BOLSONARO. O SOCIAL EM QUESTÃO, 4(52). https://doi.org/10.17771/pucrio.osq.56400
De Franco, C., & Maranhão Filho, E. M. de A. (2020). UM ESTADO “TERRIVELMENTE CRISTÃO” E PRIVATIZADOR: A OPRESSÃO À EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO GOVERNO BOLSONARO. Estudos Teológicos, 60(1). https://doi.org/10.22351/et.v60i1.3909
De Negri, F., Machado, W., & Cavalcante, E. J. (2023). Nota Técnica n. 123 (Diset) : Crescimento dos estabelecimentos evangélicos no Brasil nas últimas décadas. https://doi.org/10.38116/diset123
Di Carlo, J., & Kamradt, J. (2018). Bolsonaro e a cultura do politicamente incorreto na política brasileira. Teoria e Cultura, 13(2). https://doi.org/10.34019/2318-101x.2018.v13.12431
Dias Rovari Cordeiro, J., Brasil Carvalho da Fonseca, A., Celestrini Mangabeira, E., Cintia Lima e Silva, J., & Guarany Ignacio Lima, A. (2020). MISINFORMATION IN DIGITAL CULTURE: reflections from Cognitive Democracy and Dialogue between Knowledges. Revista Observatório, 6(6). https://doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2020v6n6a10en
Do Nascimento Cunha, M. (2020). Religião e política no Brasil nas primeiras décadas dos anos 2000: o protagonismo dos evangélicos. Fronteiras - Revista de Teologia Da Unicap, 3(1). https://doi.org/10.25247/2595-3788.2020.v3n1.p40-65
Duarte, D. E., & Benetti, P. R. (2022). Pela Ciência, contra os cientistas? Negacionismo e as disputas em torno das políticas de saúde durante a pandemia. Sociologias, 24(60). https://doi.org/10.1590/18070337-120336
Duarte, J., & Lima, K. (2022). Fascistização e educação superior: O futuro da universidade pública em xeque. Argumentum, 14(1). https://doi.org/10.47456/argumentum.v14i1.37954
El-Jaick, A. P. (2020). A DISCURSIVE ANALYSIS OF JAIR BOLSONARO: POPULIST AND ETHICAL (LACK OF) LIMITS THROUGH LANGUAGE. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 59(1). https://doi.org/10.1590/01031813682381620200403
FAO publications catalogue 2023. (2023). In FAO publications catalogue 2023. https://doi.org/10.4060/cc7285en
FAO, SER, IUCN, & CEM. (2023). Standards of practice to guide ecosystem restoration: A contribution to the United Nations Decade on Ecosystem Restoration. In Summary Report.
Federico, C., & Avila, D. (2022). MOVIMENTOS SOCIAIS DE DIREITA, PARTICIPAÇÃO POLITICA E QUALIDADE DA DEMOCRACIA NO BRASIL CONTEMPORANEO: o momento bolsonariano em perspectiva SOCIAL MOVEMENTS, POLITICAL PARTICIPATION, AND THE QUALITY OF DEMOCRACY IN CONTEMPORARY BRAZIL: the bolsonarian m. REVISTA SOBRE ACESSO À JUSTIÇA E DIREITOS NAS AMÉRICAS Brasília, v.6, n.2, Ago./Dez. 2022, Abya, 6(ISSN 2526-6675). https://orcid.org/0000-0003-2377-276X
Fernandes, C. M., Oliveira, L. A. de, Gomes, V. B., & Chaves, F. de R. (2021). Negacionismo Científico análise da repercussão no Twitter acerca da vacina do COVID-19. Prisma.Com, 45. https://doi.org/10.21747/16463153/43a4
Fernandes Macedo, H. F., & Alvarenga, M. (2023). “MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO” COMO PARTIDO: Revista Práxis e Hegemonia Popular, 7(11). https://doi.org/10.36311/2526-1843.2022.v7n11.p140-156
Fernandes-de-Oliveira, G., Massarani, L., Oliveira, T., Scalfi, G., & Alves-dos-Santos-Junior, M. (2023). A vacina no Instagram: estudo das emoções expressas no contexto brasileiro. Revista Mediterránea de Comunicación, 14(2). https://doi.org/10.14198/medcom.24190
Ferreira, M. L. (n.d.). Evangélicos e Extrema Direita no Brasil: um projeto de poder.
Ferreira, M. L. (2020). Evangélicos e Extrema Direita no Brasil - um projeto de poder. Revista Fim Do Mundo, 1(1).
Fleury, S., & Fava, V. M. D. (2022). Vacina contra Covid-19: arena da disputa federativa brasileira. Saúde Em Debate, 46(spe1). https://doi.org/10.1590/0103-11042022e117
Forner, O. M. C., & Soares, J. B. (2024). papel da masculinidade hegemônica no discurso político da extrema direita. Intexto, 56. https://doi.org/10.19132/1807-8583.56.132842
Fortes, L. B., & Aquino, S. R. F. de. (2018). Da teoria de Chantal Mouffe à prática democrática boliviana: o pluralismo como horizonte. Revista Direito e Práxis, 9(1). https://doi.org/10.1590/2179-8966/2017/25449
Foucault, M. (2011). The Government of Self and Others. In Lectures at the College de France, 1982-1983. https://doi.org/10.1057/9780230274730
Franco, C. De, & Maranhão Filho, E. M. de A. (2020). A teocratização, privatização e militarização no Governo Bolsonaro: perspectivas anti democráticas e contrárias à educação. Mandrágora, 26(1). https://doi.org/10.15603/2176-0985/mandragora.v26n1p203-224
Freitas, S., Targino, J., & Granato, L. (2021). A Política Cultural e o Governo Bolsonaro. Brasiliana: Journal for Brazilian Studies, 10(1). https://doi.org/10.25160/bjbs.v10i1.126010
Freston, P. (2002). Evangelicals and Politics in Latin America. Transformation: An International Journal of Holistic Mission Studies, 19(4). https://doi.org/10.1177/026537880201900409
Freston, P. (2018). A religião e as eleições municipais brasileiras de 2016: a verdadeira novidade. Debates Do NER. https://doi.org/10.22456/1982-8136.80057
Freston, P. (2019). Religion and the sustainable development goals. In Achieving the Sustainable Development Goals: Global Governance Challenges. https://doi.org/10.4324/9780429029622
Freud, S. (2010). Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). Obras Completas Sigmund Freud, 12, 309.
Freud, S. (2011). PSICOLOGIA DAS MASSAS E ANÁLISE DO EU E OUTROS TEXTOS (1920-1923). In Obras Completas Sigmund Freud (Vol. 15). Companhia das Letras. http://medcontent.metapress.com/index/A65RM03P4874243N.pdf
Freud, S. (2016). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Análise fragmentária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). In Obras Completas Sigmund Freud (Vol. 6). Companhia das Letras.
Garcia, H. M., de Garcia Alves Feitosa, G., de Menezes, H. L., Figueiredo, T. M. R., Alves, R. N. P., Lima, N. N. R., Reis, A. O. A., Araújo, J. E. B., de Carvalho, S. M. F., Machado, S. S. F., Lima, D. G. S., Neto, M. L. R., Júnior, J. G., & Feitosa, P. W. G. (2022). Pandemic of hunger: The severe nutritional deficiency that kills Yanomami ethnic children. In Journal of Pediatric Nursing (Vol. 65). https://doi.org/10.1016/j.pedn.2021.11.024
Garcia-Roza, L. A. (1985). Freud e o Inconsciente. Zahar.
Gazolli Junior, G. M. (2022). semente do Protestantismo. Último Andar, 25(40). https://doi.org/10.23925/ua.v25i40.57117
Girardi, I. M. T., Loose, E. B., Steigleder, D. G., & Massierer, C. (2023). Meio ambiente no Jornal Nacional: das tragédias às disputas políticas. Animus. Revista Interamericana de Comunicação Midiática, 22(48). https://doi.org/10.5902/2175497768800
Gonçalves, W., & Teixeira, T. (2020). Considerações sobre a política externa brasileira no governo Bolsonaro e as relações Brasil-EUA. Sul Global, 1(1).
Grossi, M. P., & Alencar, A. E. V. (2020). Direitos Humanos, Antropologia e Educação: revisitando o passado e avançando na caminhada por uma educação antidiscriminatória. Cadernos de Gênero e Diversidade, 6(1). https://doi.org/10.9771/cgd.v6i1.36207
Guerreiro, C., & Almeida, R. de. (2021). Negacionismo religioso: Bolsonaro e lideranças evangélicas na pandemia Covid-19. Religião & Sociedade, 41(2). https://doi.org/10.1590/0100-85872021v41n2cap02
Guimarães, L. M. B., & Silva, S. J. da. (2020). I Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o Bolsa Família em perspectiva intersetorial. Serviço Social & Sociedade, 137. https://doi.org/10.1590/0101-6628.202
Hannah Arendt - A condicao humana. (n.d.).
Harismendy, P. (2006). Paul Freston, Protestant political Parties. A Global Survey. Archives de Sciences Sociales Des Religions, 136. https://doi.org/10.4000/assr.3937
Harvey, D. (2013). David Harvey: The right to the city. Danish Architecture Centre.
IBGE. (2023). Características gerais dos domicílios e dos moradores: 2022. In Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.
IBGE. (2025). Censo Demográfico 2022 Religiões.
INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO (ISER). (2023). Perfil Religioso da Câmara dos Deputados – 56a Legislatura (2023-2027)*. Rio de Janeiro: ISER, 2022. Dados Coletados Em 2023, Referentes à Composição Congreso Nacional Nas Eleições de Outubro/2022).
Joffily, M., Barbosa de Andrade Faria, D., & Franco, P. F. (2023). A tortura reivindicada. História Da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, 16(41). https://doi.org/10.15848/hh.v16i41.2031
Jones, C. I. (2015). Pareto and Piketty: The macroeconomics of top income and wealth inequality. Journal of Economic Perspectives, 29(1). https://doi.org/10.1257/jep.29.1.29
Kakisina, P. A., Indhiarti, T. R., & Al Fajri, M. S. (2022). Discursive Strategies of Manipulation in COVID-19 Political Discourse: The Case of Donald Trump and Jair Bolsonaro. SAGE Open, 12(1). https://doi.org/10.1177/21582440221079884
Kibuuka, B. G. L. (2020). Complicity and Synergy Between Bolsonaro and Brazilian Evangelicals in COVID-19 Times: Adherence to Scientific Negationism for Political-Religious Reasons. International Journal of Latin American Religions, 4(2). https://doi.org/10.1007/s41603-020-00124-0
Knijnik, J. (2021). To Freire or not to Freire: Educational freedom and the populist right-wing ‘Escola sem Partido’ movement in Brazil. British Educational Research Journal, 47(2). https://doi.org/10.1002/berj.3667
Koupak, K., Luiz, D. E. C., Miranda, P. F. M., & Silva Júnior, A. G. da. (2021). Democracia e participação em xeque no governo Bolsonaro. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, 9(1). https://doi.org/10.47456/cadecs.v9i1.37153
Laura, R., & Brasília, S. (2003). SÉRIE ANTROPOLOGIA 334 LAS ESTRUCTURAS ELEMENTALES DE LA VIOLENCIA: CONTRATO Y STATUS EN LA ETIOLOGÍA DE LA VIOLENCIA.
Leher, R. (2021). UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL BRASILEIRA: FUTURE-SE E “GUERRA CULTURAL” COMO EXPRESSÕES DA AUTOCRACIA BURGUESA. Educação & Sociedade, 42. https://doi.org/10.1590/es.241425
Lima, P. E. F. (2023). Um presidente e vários palhaços: atravessamentos entre arte e política na imagem “Bolsonaro-Bozo.” Visualidades, 20. https://doi.org/10.5216/v.v20.71243
Lopes, M. M., & Castro, R. P. de. (2022). Discurso de ódio homofóbico nas redes sociais: Revista Periódicus, 1(17). https://doi.org/10.9771/peri.v1i17.37635
Lutero, M. (2006). As Representações Sociais do Corpo e da Sexualidade no Protestantismo Brasileiro. Revista de Estudos Da Religião, 1.
Magalhães, A. S. (2019). Os Jovens e o Pentecostalismo: Considerações sobre a identidade da juventude da igreja Assembleia de Deus a partir um estudo de caso na Baixada Fluminense -RJ. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares, 20(2). https://doi.org/10.12957/irei.2018.39012
Mariz, C. (2013). O QUE PRECISAMOS SABER SOBRE O CENSO PARA PODER FALAR SOBRE SEUS RESULTADOS? UM DESAFIO PARA NOVOS PROJETOS DE PESQUISA. Debates Do NER. https://doi.org/10.22456/1982-8136.43688
Mariz, C. L. (2007). A Renovação Carismática Católica: uma igreja dentro da Igreja? Civitas - Revista de Ciências Sociais, 3(1). https://doi.org/10.15448/1984-7289.2003.1.115
Mariz, C. L. (2013). Perspectivas Sociológicas sobre o Pentecostalismo e o Neopentecostalismo. Revista de Cultura Teológica. ISSN (Impresso) 0104-0529 (Eletrônico) 2317-4307, 13. https://doi.org/10.19176/rct.v0i13.14222
Mariz, C. L., Mesquita, W. A. B., & Araújo, M. P. (2021). Young Brazilian Catholics Reaffiliating: A Case Study in the City of Campos, RJ, Brazil. Journal of Global Catholicism, 5(2). https://doi.org/10.32436/2475-6423.1095
Mariz, C. L., & Moreira, A. D. S. (2022). ENTREVISTA DE CECÍLIA LORETO MARIZ A ALBERTO DA SILVA MOREIRA SOBRE A PESSOA E A OBRA DE PETER BERGER. Revista Caminhos - Revista de Ciências Da Religião, 20(1). https://doi.org/10.18224/cam.v20i1.12300
Marleku, A. (2020). Mounk, Yascha: People vs. Democracy – Why Our Freedom is in Danger and How to Save It. Politologický Časopis - Czech Journal of Political Science, 1. https://doi.org/10.5817/pc2020-1-94
Martins Pereira, M. C. (2020). ESPACIALIDADE E GRUPOS POLÍTICOS EM PROTESTO: ATO CONTRA CORTE NA EDUCAÇÃO EM SÃO PAULO 13/08/2019. AntHropológicas Visual, 6(1). https://doi.org/10.51359/2526-3781.2020.244018
Matos, A. de S. (2011). Breve história do protestantismo no Brasil. Vox Faifae: Revista de Teologia Da Faculdade FAIFA, 3(1).
Mbembe, A. (1992). Provisional notes on the postcolony. Africa, 62(1). https://doi.org/10.2307/1160062
Mbembe, A. (2002). African modes of self-writing. Public Culture, 14(1). https://doi.org/10.1215/08992363-14-1-239
Mbembe, A. (2003a). Achille Mbembe Translated by Libby Meintjes. Public Culture, 47(1999).
Mbembe, A. (2003b). Necropolitics. In Public Culture (Vol. 15, Issue 1). https://doi.org/10.1215/08992363-15-1-11
Michel Foucault. (1987). VIGIAR E PUNIR. Vozes.
Michel Foucault. (1988). História da Sexualidade. Graal.
Michel Foucault. (1999a). As palavras e as coisas:uma arquiologia das ciências humanas. 1999.
Michel Foucault. (1999b). Em Defesa da Sociedade: Curo no Collége de France (1975-1976).
Michel Foucault. (2002). A Verdade e as Formas Jurídicas. NAU.
MISSIATTO, L. A. F., CARVALHO, F. R., SILVA, L. G. da, DENES, D. M., & MISSIATTO, H. M. (2021). A COLONIALIDADE NAS POLÍTICAS AMBIENTAIS DO GOVERNO BOLSONARO E A INVERSÃO DOS ÓRGÃOS DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE. Margens, 15(24). https://doi.org/10.18542/rmi.v15i24.10049
Monari, A. C. P., Araújo, K. M. de, Souza, M. R. de, & Sacramento, I. (2021). Legitimando um populismo anticiência: análise dos argumentos de Bolsonaro sobre a vacinação contra Covid-19 no Twitter. Liinc Em Revista, 17(1). https://doi.org/10.18617/liinc.v17i1.5707
Moraes, V. D. de, Machado, C. V., & Magalhães, R. (2021). O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional: dinâmica de atuação e agenda (2006-2016). Ciência & Saúde Coletiva, 26(12). https://doi.org/10.1590/1413-812320212612.33262020
Mota, A. A. S., Pimentel, S. M., & Oliveira, A. V. de M. G. (2023). Desordens informativas: análise de pronunciamentos de Jair Bolsonaro contra a vacinação de covid-19. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação Em Saúde, 17(2). https://doi.org/10.29397/reciis.v17i2.3513
Mouffe, C., Ramos, A. H., de Oliveira, A. L. A. R. M., de Oliveira, G. G. S., & de Mesquita, R. G. de M. (2014). Democracia y conflicto en contextos pluralistas: Entrevista con Chantal Mouffe. Historia, Ciencias, Saude - Manguinhos, 21(2). https://doi.org/10.1590/S0104-59702014000200015
Mudde, C. (n.d.). The ideology of the extreme right Mudde, Cas. www.ssoar.info
Mudde, C. (2004). The populist zeitgeist. In Government and Opposition (Vol. 39, Issue 4). https://doi.org/10.1111/j.1477-7053.2004.00135.x
Mudde, C. (2016). Europe’s populist surge: A long time in the making. Foreign Affairs, 95(6).
Mudde, C., & Rovira Kaltwasser, C. (n.d.). VOICES OF THE PEOPLES: POPULISM IN EUROPE AND LATIN AMERICA COMPARED.
Naftali Leal Quitério, M. (2019). Uma releitura da teologia da prosperidade no pentecostalismo: contribuições positivas sociais de um ensino teológico. Diversidade Religiosa, 9(1). https://doi.org/10.22478/ufpb.2317-0476.2019v9n1.43858
Nogueira, S., Galdino, A. C., & Conceição, L. R. (2022). OS TWEETS DE BOLSONARO E A COBERTURA DO THE NEW YORK TIMES: ENFOQUES DISTINTOS SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 E A VACINA NO BRASIL. REVISTA DE ESTUDOS INTERNACIONAIS, 13(1). https://doi.org/10.29327/252935.13.1-8
Normando Gonçalves Meira, J., Patrícia Nogueira de Castro e Almeida, S., & Lessa Vilela Xavier, W. (2021). Protestantismo e educação no Brasil e na América Latina. Educação, Escola & Sociedade, 14(16). https://doi.org/10.46551/ees.v14n16a19
OECD-FAO Agricultural Outlook, 2014-2023. (2015). Choice Reviews Online, 52(06). https://doi.org/10.5860/choice.187013
OFFUTT, S. (2009). EVANGELICAL CHRISTIANITY AND DEMOCRACY IN LATIN AMERICA edited by Paul Freston EVANGELICAL CHRISTIANITY AND DEMOCRACY IN AFRICA edited by Terence O. Ranger. Journal for the Scientific Study of Religion, 48(2). https://doi.org/10.1111/j.1468-5906.2009.01456_9.x
Oliveira, I. B. de, & Süssekind, M. L. (2019). Tsunami Conservador e Resistência: a CONAPE em defesa da educação pública. Educação & Realidade, 44(3). https://doi.org/10.1590/2175-623684868
Oliveira Moreira, D. S. (2020). Continuidades e Descontinuidades nos Governos Temer e Bolsonaro na Política Externa Brasileira (2016-2020) | Continuities and Discontinuities in the Governments Temer and Bolsonaro in Brazilian Foreign Policy (2016-2020). Mural Internacional, 11. https://doi.org/10.12957/rmi.2020.51549
Oliveira Zacarias, D., Moraes Galli, L., & Gabriel Nunes Modesto, J. (2021). Moralidade, perigo social e militarização das escolas. Programa de Iniciação Científica - PIC/UniCEUB - Relatórios de Pesquisa. https://doi.org/10.5102/pic.n0.2019.7500
Páez, C., & De la Peña, A. (2018). El discurso sobre género en la página de Facebook del Movimiento Pro Vida y Pro Familia en Paraguay. Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, 0(139).
PAGOTO, L. G., & LONGHI, R. R. (2021). Plataformização, tecnopopulismo e desintermediação das fontes em ataques ao jornalismo no Instagram. Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, 1(147). https://doi.org/10.16921/chasqui.v1i147.4493
Pantoja, V., & Costa, M. (2013). Faces do pentecostalismo brasileiro: A assembleia de deus no norte e nordeste. Debates Do NER. https://doi.org/10.22456/1982-8136.43577
Pereira, M. M., Aragusuku, H. A., & Teixeira, J. M. (2023). Direitos humanos em disputa: (des)institucionalização e conflitos entre movimento LGBTQIA+ e ativismo antigênero no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 38(111). https://doi.org/10.1590/3811026/2023
Pérez Martínez, L. (2024). Diego de Arnedo, obispo de Mallorca, reformador tridentino, (datos para una biografía). Anthologica Annua, 6. https://doi.org/10.59530/anthann.1958.6.2
Piketty, T., & Saez, E. (2014). Inequality in the long run. In Science (Vol. 344, Issue 6186). https://doi.org/10.1126/science.1251936
Piketty, T., Saez, E., & Stantcheva, S. (2014). Optimal taxation of top labor incomes: A tale of three elasticities. American Economic Journal: Economic Policy, 6(1 B). https://doi.org/10.1257/pol.6.1.230
Pinho, C. E. S. (2022). Como o Estado fortalece ou destrói políticas públicas? RBEST Revista Brasileira de Economia Social e Do Trabalho, 4. https://doi.org/10.20396/rbest.v4i00.16534
Porto, A. C. V., Costa, D. F. da, Anjos, M. D. dos, Zandonai, S. I. L., & Miguel, V. A. L. (2022). Desmonte de políticas públicas: a rearticulação dos atores do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. Conjecturas, 22(2). https://doi.org/10.53660/conj-778-e08
Prior, H. (2023). NACIONAL-POPULISMO NO BRASIL: UMA REFLEXÃO SOBRE A ASCENSÃO DE JAIR BOLSONARO E O IDEÁRIO DA EXTREMA-DIREITA. Janus.Net, 14(1). https://doi.org/10.26619/1647-7251.14.1.7
Py, F. (2020). Bolsonaro’s Brazilian Christofascism during the Easter period plagued by Covid-19. International Journal of Latin American Religions, 4(2). https://doi.org/10.1007/s41603-020-00120-4
Regattieri, L. (2023). A Propaganda Desinformativa no Projeto de Destruição Nacional Bolsonarista. Revista Eco-Pós, 26(01). https://doi.org/10.29146/eco-ps.v26i01.28005
Ribeiro, L. M. P. (2007). O protestantismo brasileiro: objeto em estudo. Revista USP, 73. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i73p117-129
Ricard, J., & Medeiros, J. (2020). Using misinformation as a political weapon: COVID-19 and Bolsonaro in Brazil. In Harvard Kennedy School Misinformation Review (Vol. 1, Issue 3). https://doi.org/10.37016/mr-2020-013
Rom, M. (2021). Brum, Eliane. Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro . Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019. 304 pp.; Oyama, Thaís. Tormenta: O governo Bolsonaro: Crises, intrigas e segredos . São Paulo: Companhia das Letras, 2020. 272 pp.; Schwarcz, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro . São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 280 pp.; . Luso-Brazilian Review, 58(1). https://doi.org/10.3368/lbr.58.1.e1
Ruitenberg, C. W. (2009). Educating political adversaries: Chantal mouffe and radical democratic citizenship education. Studies in Philosophy and Education, 28(3). https://doi.org/10.1007/s11217-008-9122-2
Santiago, M. M. de L., & Oliveira, M. S. de. (2020). verdade sufocada. Gláuks - Revista de Letras e Artes, 19(1). https://doi.org/10.47677/gluks.v19i1.104
Santirochi, Í. D. (2018). O paradigma tridentino e a Igreja Católica no Brasil oitocentista: modernidade e secularização. Reflexão, 42(2). https://doi.org/10.24220/2447-6803v42n2a3999
Santos, A. J. V. dos. (2019). Os primeiros meses da agenda socioambiental de Jair Bolsonaro e o que esta nos diz sobre nossa ontologia. Sociologias Plurais, 5(2). https://doi.org/10.5380/sclplr.v5i2.71037
Santos, T. S. B., & Pádua, T. P. (2022). COMPLAINTS AGAINST THE BRAZILIAN GOVERNMENT TO INTERNATIONAL CUTS: THE VIOLATION OF HUMAN RIGHTS BASED ON BOLSONARO’S NEGATIVISM IN THE PANDEMIC CONTEXT. Revista de Direito, 14(1). https://doi.org/10.32361/2022140113204
Scándalo, J. (2020). La guerra contra las mujeres, de Rita Segato. PSICOANÁLISIS EN LA UNIVERSIDAD, 3. https://doi.org/10.35305/rpu.v0i3.42
Schargel, S. (2020). O GOLPE DO GOLPE: A ASCENSÃO DO REVISIONISMO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA. Akrópolis - Revista de Ciências Humanas Da UNIPAR, 28(2). https://doi.org/10.25110/akropolis.v28i2.7974
Schuck Saraiva, K., & Zago, L. F. (2021). Economia, saúde e políticas do verdadeiro nas declarações de Bolsonaro durante a pandemia de COVID-19 no Brasil. Ámbitos. Revista Internacional de Comunicación, 52. https://doi.org/10.12795/ambitos.2021.i52.08
Segato, R. L. (1996). Frontiers and margins: The untold story of the Afro-Brazilian religious expansion to Argentina and Uruguay. Critique of Anthropology, 16(4). https://doi.org/10.1177/0308275X9601600402
Segato, R. L. (2006). Antropologia e direitos humanos: Alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais. Mana: Estudos de Antropologia Social, 12(1). https://doi.org/10.1590/s0104-93132006000100008
Segato, R. L. (2014). El sexo y la norma: Frente estatal, patriarcado, desposesión, colonidad. Revista Estudos Feministas, 22(2). https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000200012
Segato, R., & McGlazer, R. (2022). THE CRITIQUE OF COLONIALITY: Eight Essays. In The Critique of Coloniality: Eight Essays. https://doi.org/10.4324/9781003164999
Sigmund Freud. (2010). O MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO, NOVAS CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS À PSICANÁLISE E OUTROS TEXTOS (1930-1936). Obras Completas Sigmund Freud, 18, 286.
Silva, G. F. da, Dutra Júnior, W., & Santos, W. da S. (2023). A escola sem partido. Revista HISTEDBR On-Line, 23. https://doi.org/10.20396/rho.v23i00.8670426
Silva, M. F. G. da, & Teixeira, M. A. C. (2022). A política e a economia do governo Bolsonaro: uma análise sobre a captura do orçamento. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 27(86). https://doi.org/10.12660/cgpc.v27n86.85574
Silva, M. G. Da, & Machado Rodrigues, T. C. (2021). O Populismo de direita no Brasil: neoliberalismo e autoritarismo no governo Bolsonaro. Mediações - Revista de Ciências Sociais, 26(1). https://doi.org/10.5433/2176-6665.2021v26n1p86
Silva, S. A. da. (2021). Autoritarismo e crise da democracia no Brasil: entre o passado e o presente. Revista Katálysis, 24(1). https://doi.org/10.1590/1982-0259.2021.e75120
Silva, L. G. (2023). Brasil pós-eleições 2018: o neofascismo entra em cena. Lutas Sociais, 25(47). https://doi.org/10.23925/ls.v25i47.61454
Silveira, E. J. S. da. (2022). Batinas reacionárias e a cruzada digital: Quando um catolicismo claudicante chega ao tempo presente. PLURA - Revista de Estudos de Religião, 13(2). https://doi.org/10.29327/256659.13.2-4
Sodré, F. (2020). Epidemia de Covid-19: questões críticas para a gestão da saúde pública no Brasil. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3). https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00302
Solano, E. (n.d.). Crise da Democracia e extremismos de direita.
Souza, I. P. D. de. (2021). “Escola sem partido.” Revista Pesquisa e Debate Em Educação, 11(2). https://doi.org/10.34019/2237-9444.2021.v11.32859
Souza, N. de, & Lanfranchi, M. (2022). avanço do fundamentalismo católico nas redes sociais no Brasil. Revista de Cultura Teológica, 102. https://doi.org/10.23925/rct.i102.58407
Souza Neto, A., Reesink, M. L., & Freston, P. (2022). Religião e Política no Brasil Contemporâneo: uma apresentação. Revista AntHropológicas, 32(2). https://doi.org/10.51359/2525-5223.2021.252865
Stadelmann, L. (2019). Palavra de Deus no Antigo e Novo Testamento. Revista Eclesiástica Brasileira, 71(284). https://doi.org/10.29386/reb.v71i284.959
Stewart, P., Garvey, B., Torres, M., & Borges de Farias, T. (2021). Amazonian destruction, Bolsonaro and COVID-19: Neoliberalism unchained. Capital and Class, 45(2). https://doi.org/10.1177/0309816820971131
Tomei, S. A. (2021). Metapolítica. ÎANDÉ : Ciências e Humanidades, 5(1). https://doi.org/10.36942/iande.v5i1.207
Viscardi, J. M. (2020). FAKE NEWS, VERDADE E MENTIRA SOB A ÓTICA DE JAIR BOLSONARO NO TWITTER. Trabalhos Em Linguística Aplicada, 59(2). https://doi.org/10.1590/01031813715891620200520
Wietchikoski, L., & Svartman, E. (2020). Decifrando o “Trump tropical”: análise das percepções dos think tanks dos Estados Unidos sobre a eleição e o governo Bolsonaro. Conjuntura Austral, 11(56). https://doi.org/10.22456/2178-8839.96222
Zimmermann, A. C. (2023). O revisionismo histórico nas comemorações do golpe civil-militar de 1964 durante o governo Bolsonaro (2019-2022). História Da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, 16(41). https://doi.org/10.15848/hh.v16i41.2003
---------------------------------------------------------
Como Citar:
CASTRO, Vanessa Maria de. Entre o púlpito e a urna: religião e política nas eleições brasileiras de 2018 e 2022. Disponível em: https://palavraemtranse.blogspot.com/2025/07/entre-o-pulpito-e-urna-religiao-e.html . Junho de 2025. Acesso em: [colocar a data de acesso]
Comentários
Postar um comentário