Trump Joga Pôquer com a Democracia Brasileira: à resposta veio com a tornozeleira

 

Trump Joga Pôquer com a Democracia Brasileira: à resposta veio com a tornozeleira


Vanessa Maria de Castro 

Da série: Cadernos de Estudo

Brasília, 18 de julho de 2025. 


Donald Trump decidiu jogar pôquer com a democracia brasileira — e as cartas estão expostas. Voltamos a ser tratados como colônia de uma forma ostensiva, com o imperialismo retornando não apenas nas palavras, nas tarifas e nas ameaças econômicas, mas na própria dimensão do controle político sobre um país soberano. A frase final da carta (17/07)— “Estarei observando de perto” — A frase de Trump representa uma demonstração explícita de poder e vigilância — um verdadeiro panóptico, como aponta Michel Foucault (1995), que impõe dominação direta, controle autoritário e, acima de tudo, ameaça à democracia.

As ações de Trump no Brasil não visam salvar a família Bolsonaro — isso é apenas uma cortina de fumaça. A verdadeira questão está sempre no jogo do poder e nos interesses econômicos que sustentam essas movimentações.

A carta de Trump ao Brasil é um blefe estratégico: uma jogada que esconde interesses reais por trás de uma cortina de ameaças e vigilância, buscando desestabilizar a democracia e ter ganhos econômicos e políticos na América Latina. 

A extrema direita joga um jogo de poder que lhe é próprio: desestabilizar a democracia e impor sua agenda autoritária. Nesse contexto, a carta de Trump representa uma demonstração explícita de poder e vigilância — um verdadeiro panóptico, conforme a análise de Michel Foucault (1995), que impõe dominação direta, controle autoritário e, acima de tudo, ameaça constante à democracia brasileira.

Essa violência contra a democracia no Brasil não se mascara mais com gestos diplomáticos sutis. Ela se mostra brutal e escancarada, impondo um regime de controle e ameaça permanente, que ameaça as bases fundamentais da nossa convivência democrática.

O personagem usado agora como pano de fundo foi Bolsonaro, mas poderia ser qualquer outro; a extrema direita tem atuado em todos os territórios onde testa suas ameaças, impondo controle autoritário, desestabilizando instituições e minando a democracia brasileira.

Na perspectiva de Hannah Arendt (1990), o poder legítimo nasce da ação conjunta e do consentimento político; contudo, neste sentido,  o poder imperial estadunidense  se manifesta de forma unilateral, desconsiderando a soberania brasileira e utilizando mecanismos econômicos e políticos para subjugar uma democracia que não se alinha aos seus interesses hegemônicos. Trata-se de um exercício de violência política que não se traduz apenas em coerção física, mas em uma violência simbólica e estrutural, coerente com a análise de Agamben (2004) sobre o estado de exceção, em que a normalidade democrática é suspensa por interesses de poder.

O mais irônico dessa situação é que o empresariado brasileiro e a elite econômica, tradicionalmente entusiastas de modelos econômicos à la Trump — pautados pelo protecionismo e pela liberalização seletiva — serão os primeiros a sofrer as consequências negativas das tarifas impostas. No entanto, historicamente, no Brasil, a elite costuma preservar seus privilégios; quem efetivamente será mais impactado são os trabalhadores e a classe média, grupos sociais que sustentam a base econômica do país.

Essa dinâmica revela um processo de alienação — como conceituado por Marx (1867) e ampliado por Paulo Freire (1970) — em que a classe trabalhadora e parcelas da classe média se distanciam de seus reais interesses e das estruturas de poder que as oprimem, aderindo a discursos populistas que mascaram as verdadeiras relações de dominação. O engajamento dessas massas em narrativas autoritárias e nacionalistas, inspiradas em modelos populistas internacionais, pode ser compreendido à luz da análise de Hannah Arendt (1951) sobre os “movimentos de massa”, que descreve a vulnerabilidade das sociedades à manipulação política quando prevalecem a alienação e o enfraquecimento das instituições democráticas.

Enquanto a extrema direita celebra o alinhamento com Trump, há uma desconexão profunda entre o discurso e os efeitos concretos das medidas econômicas impostas que, em última instância, prejudicam a soberania nacional e a autonomia popular. Esse paradoxo reforça a crítica foucaultiana (1979) do biopoder, mostrando como as relações de poder ultrapassam o território nacional e atuam diretamente na vida social e econômica da população.

A carta de Trump e o iminente tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos expõem um projeto explícito de dominação que extrapola o controle econômico e assume caráter punitivo-político, com o objetivo de desestabilizar o Brasil internamente, pressionando atores políticos e ameaçando a própria estrutura democrática do país. Tal situação reflete a lógica do "poder suave" e das tecnologias de controle que Byung-Chul Han (2017) discute, onde o poder se manifesta por meio da vigilância constante, da transparência forçada e do disciplinamento social, anulando a autonomia e o espaço político.

Esse cenário configura um panóptico moderno, em que vigilância e ameaça econômica e política atuam como instrumentos de dominação direta, eliminando a autonomia brasileira e impondo uma forma severa e explícita de punição, sem disfarces ou sutilezas. Faltam apenas 14 dias para o início da vigência do tarifaço, medida que tem tirado o sono da economia nacional e expõe a fragilidade do Brasil diante da força imperial.

O jogo de Trump é contra a democracia brasileira, que vê sua soberania cerceada e seu espaço político reduzido a um campo de disputa controlado por interesses externos. Para a família Bolsonaro, a carta pode representar uma vitória simbólica; para o povo brasileiro, uma tragédia profunda que revela os limites e vulnerabilidades da democracia diante do imperialismo contemporâneo.

A ofensiva simbólica e econômica encabeçada por Donald Trump representa um novo capítulo das práticas imperiais que historicamente colocam o Brasil em posição de vulnerabilidade. O uso do poder econômico como instrumento de controle político e o recurso à vigilância constante, na forma de um panóptico moderno, colocam em xeque a soberania nacional e fragilizam a democracia. Além disso, a alienação das massas, alinhadas a discursos populistas que muitas vezes mascaram os reais interesses em jogo, reforça a complexidade dessa crise. A extrema direita brasileira, que celebra esse alinhamento, parece esquecer que tais medidas — ao contrário de fortalecer o país — aprofundam suas divisões internas e suas dependências externas. A análise crítica desses fenômenos torna-se, portanto, urgente para que seja possível resistir às pressões imperialistas, fortalecer as instituições democráticas e garantir que a soberania e a autonomia popular não sejam meramente cartas à mesa de um jogo que não nos pertence.

Pósfacio
Antes de terminar este texto, a notícia chegou:

O Judiciário selou, como quem lacra um envelope, os pés de Bolsonaro. Hoje pela manhã, a tornozeleira foi colocada. Enfim. O jogo está sendo jogado — mas a democracia segue em risco. E o povo, esse ainda não se move. Nem para um lado, nem para o outro. Ou talvez se mova, agora, apenas surfando nas redes sociais. Talvez, enfim, a carta enviada por Trump já tenha recebido sua resposta: um jogou com blefe, o outro recebeu uma tornozeleira — e os diálogos públicos seguem com limites cada vez mais estreitos.

Bolsonaro vai se ilhando, e as cartas vão chegando. Uma delas veio de Trump, selada com blefe. A outra, do Judiciário, chegou com tornozeleira. O jogo segue — mas as regras estão sendo reescritas, e a democracia ainda dança na beira do abismo.

Vamos à mesa de pôquer. O jogo continua [...]


Referências

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.

ARENDT, Hannah. Sobre a violência. São Paulo: Duas Cidades, 1990.

ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1951.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1995.

HAN, Byung-Chul. Sociedade da transparência. São Paulo: Vozes, 2017.

MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 1867.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.


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