A Contribuição para a Crítica da Economia Política: Capital (Karl Marx - 1859), Exploração e Direitos Humanos

 

A Contribuição para a Crítica da Economia Política: Capital (Karl Marx - 1859), Exploração e Direitos Humanos


Vanessa Maria de Castro 

Brasília, 20 de outubro de 2025 

Introdução

Em Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), Karl Marx analisa o capitalismo a partir da experiência concreta da industrialização europeia e da exploração do trabalho. A obra demonstra que a estrutura econômica molda a organização social, política e ideológica, revelando como desigualdades materiais afetam o acesso efetivo a direitos humanos, como trabalho digno, moradia e educação.

Este ensaio propõe um convite à reflexão crítica sobre cidadania e direitos humanos: compreender que sua efetividade depende da transformação das condições materiais e das relações de poder que sustentam desigualdades históricas, oferecendo uma perspectiva epistemológica para analisar injustiças sociais contemporâneas.


A obra Contribuição para a Crítica da Economia Política

Karl Marx escreveu Contribuição para a Crítica da Economia Política em 1859, em um momento de intenso engajamento político e pessoal. Exilado em Londres após perseguições na Alemanha e na Bélgica devido à sua militância revolucionária, Marx vivia cercado por uma realidade concreta: o crescimento acelerado da industrialização europeia, a exploração do trabalho nas fábricas e a miséria extrema das populações urbanas. Essas experiências diretas, aliadas à leitura crítica da economia política clássica de Adam Smith e David Ricardo, fizeram com que Marx percebesse que as teorias econômicas tradicionais não explicavam a verdadeira lógica do capitalismo nem a exploração do trabalhador.

A obra surge, portanto, como uma tentativa de compreender por que o capitalismo gera desigualdade e contradições sociais, unindo sua experiência pessoal com uma análise teórica rigorosa. Marx queria demonstrar que a base econômica da sociedade — suas forças produtivas e relações de produção — molda não apenas as relações de trabalho, mas toda a organização social, política e ideológica. A partir de sua vivência e observação das condições do proletariado, ele introduz conceitos fundamentais como mercadoria, valor, dinheiro, capital e mais-valia, oferecendo uma explicação de como a exploração do trabalho é estruturada e reproduzida pelo sistema capitalista.

Além disso, Marx escreveu a obra como uma resposta crítica à economia política clássica, que tratava a economia como um conjunto de leis naturais, desconsiderando a dimensão histórica e social das relações de produção. Para ele, a economia não pode ser compreendida isoladamente, mas deve ser analisada dentro do contexto histórico e das relações de classe. A história da sociedade é, assim, a história das lutas de classes, que emergem das contradições entre forças produtivas (tecnologia, meios de produção, força de trabalho) e relações de produção (formas de propriedade e controle sobre os meios de produção).

Escrever Contribuição para a Crítica da Economia Política foi, portanto, uma necessidade pessoal e intelectual: um esforço de Marx para entender a realidade econômica e social que presenciava e fornecer ferramentas teóricas capazes de revelar a lógica do capitalismo, expondo suas contradições e os mecanismos de exploração que ele impõe. A obra combina reflexão científica e experiência pessoal, conectando a trajetória de Marx à análise crítica do mundo que o cercava.


Estrutura Econômica: Infraestrutura e Superestrutura

Uma das contribuições centrais de Contribuição para a Crítica da Economia Política é a distinção entre infraestrutura (ou base econômica) e superestrutura (política, direito, cultura e ideologia). A infraestrutura inclui as forças produtivas — como tecnologia, meios de produção e força de trabalho — e as relações de produção, ou seja, a forma como os indivíduos se organizam para produzir bens e serviços e como se distribuem os frutos dessa produção. Para Marx, a infraestrutura determina a forma e o conteúdo da superestrutura, moldando as instituições políticas, jurídicas, culturais e ideológicas de uma sociedade.

A superestrutura compreende as instituições e manifestações ideológicas de uma sociedade: o Estado, o sistema jurídico, a educação, a religião, a moral, a arte e outras formas culturais. Essas instituições não são neutras; elas refletem os interesses da classe dominante, funcionando para preservar as relações de produção vigentes e legitimar a exploração da classe trabalhadora. Por exemplo, durante a Revolução Industrial na Inglaterra, leis trabalhistas iniciais frequentemente favoreciam os proprietários das fábricas, enquanto a ideologia liberal promovida por economistas clássicos reforçava a ideia de que a desigualdade era um resultado natural do mérito individual.

No entanto, a relação entre infraestrutura e superestrutura não é unidirecional. A superestrutura pode exercer influência sobre a base econômica, ainda que de maneira secundária. Movimentos sociais, reformas políticas ou mudanças culturais podem modificar relações de produção ou gerar pressão por mudanças econômicas. Um exemplo histórico é a implementação de leis trabalhistas e sindicatos no século XIX e XX, que, embora surgissem no plano jurídico e político (superestrutura), tiveram impactos diretos na organização do trabalho e na distribuição de riqueza (infraestrutura). Outro exemplo contemporâneo é o papel da educação e da cultura digital na transformação do trabalho e das relações econômicas, moldando novas formas de produção, consumo e organização social.

Essa distinção entre infraestrutura e superestrutura fundamenta o materialismo histórico, perspectiva que entende a história como resultado das condições materiais de produção e das lutas de classes derivadas dessas condições. Em outras palavras, a dinâmica histórica não é guiada por ideias abstratas, mas pelas necessidades do processo produtivo e pelas contradições sociais que dele emergem.

A análise de Marx permite compreender tanto a persistência das desigualdades quanto as formas pelas quais a superestrutura pode reforçar ou contestar essas desigualdades. Por exemplo, o capitalismo moderno globalizado combina infraestrutura tecnológica altamente avançada com superestruturas jurídicas e financeiras que perpetuam concentração de riqueza, mesmo diante de discursos de meritocracia ou democracia formal. Ao mesmo tempo, movimentos sociais e culturais — desde greves operárias históricas até protestos contemporâneos por justiça econômica — demonstram que a superestrutura pode intervir na infraestrutura, abrindo espaço para transformações sociais.

Dessa forma, Contribuição para a Crítica da Economia Política não se limita a uma análise econômica: ela se torna uma teoria da sociedade e da história, capaz de explicar como estruturas econômicas moldam instituições, ideias e conflitos sociais, e como, em contrapartida, essas instituições e ideias podem influenciar a organização econômica, embora sempre subordinadas às condições materiais de produção. Essa abordagem crítica permanece essencial para compreender tanto a sociedade industrial do século XIX quanto as complexas estruturas econômicas, políticas e culturais do capitalismo contemporâneo.


Infraestrutura, Superestrutura e Direitos Humanos

A distinção de Marx entre infraestrutura (base econômica) e superestrutura (política, direito, cultura e ideologia) oferece uma lente crítica essencial para analisar os direitos humanos na sociedade contemporânea. Para Marx, a infraestrutura — formada pelas forças produtivas e relações de produção — determina as condições materiais de existência, incluindo acesso ao trabalho, moradia, alimentação, saúde e educação. Quando a base econômica é marcada por exploração, concentração de riqueza e desigualdade, surgem barreiras estruturais ao exercício pleno dos direitos humanos, mostrando que muitas violações não são falhas isoladas, mas produtos do próprio sistema econômico.

A superestrutura, composta por instituições jurídicas, políticas e culturais, deveria garantir e proteger esses direitos. No entanto, frequentemente, ela reflete os interesses da classe dominante, reproduzindo desigualdades e limitando o acesso real a direitos básicos. Exemplos históricos e contemporâneos ilustram essa dinâmica:

  • Trabalho precário e informal: leis trabalhistas podem existir formalmente, mas sua aplicação insuficiente permite que milhões de trabalhadores continuem vulneráveis à exploração e baixos salários.

  • Educação e saúde desiguais: direitos garantidos em textos legais muitas vezes não se concretizam na vida material das pessoas, especialmente em comunidades periféricas ou em países marcados pela desigualdade econômica.

  • Habitação e moradia digna: políticas de direito à moradia podem coexistir com concentração de riqueza e especulação imobiliária, resultando em favelas, despejos e segregação urbana.

Assim, os direitos humanos não podem ser entendidos apenas como princípios abstratos ou normas jurídicas; eles dependem diretamente das condições materiais produzidas pela economia. A abordagem marxiana evidencia que a desigualdade estrutural é um fator determinante para a frustração desses direitos: a exploração do trabalho, a concentração de renda e a marginalização social limitam o acesso efetivo aos direitos fundamentais.

Por outro lado, a relação recíproca entre infraestrutura e superestrutura indica que transformações na superestrutura — como políticas públicas, reformas legais, ativismo social e mobilizações coletivas — podem impactar a infraestrutura, promovendo maior justiça social. Movimentos históricos e contemporâneos demonstram essa dinâmica:

  • No século XIX, greves operárias e sindicatos pressionaram por redução da jornada e melhores condições de trabalho, alterando parcialmente as relações de produção.

  • Hoje, políticas de inclusão educacional, regularização fundiária e implementação de salário mínimo digno mostram que a ação política e jurídica pode modificar condições materiais, ampliando o acesso a direitos básicos.

Dessa forma, a articulação entre Marx e os direitos humanos permite compreender que a realização plena dos direitos humanos depende tanto da transformação da base econômica quanto da atuação da superestrutura. Leis e instituições são necessárias, mas insuficientes se a infraestrutura econômica continuar desigual. A análise marxiana oferece, portanto, uma perspectiva crítica e integrada, mostrando que violações de direitos humanos muitas vezes têm origem nas contradições estruturais do capitalismo, e que a superação dessas desigualdades exige mudanças profundas nas condições materiais de vida e trabalho.


Infraestrutura, Superestrutura e Direitos Humanos: Exemplos e Diálogo Histórico

A distinção de Marx entre infraestrutura (base econômica) e superestrutura (instituições políticas, jurídicas e culturais) oferece uma ferramenta poderosa para compreender como desigualdades econômicas estruturais moldam o acesso aos direitos humanos. Ao analisar casos históricos e contemporâneos, fica evidente que a exploração econômica e as formas institucionais de poder estão intrinsecamente conectadas, limitando ou garantindo a efetividade dos direitos fundamentais.

1. Apartheid na África do Sul (1948–1994):
Durante o Apartheid, a economia sul-africana era fortemente dependente da mineração e da agricultura, setores que se beneficiavam da mão de obra barata da população negra. Essa infraestrutura econômica desigual foi sustentada por uma superestrutura jurídica e política que institucionalizou a segregação racial. Leis como o Pass Laws restringiam a mobilidade, a educação e o acesso a empregos qualificados, enquanto políticas de segregação urbana e racial limitavam o direito à moradia digna. Nesse contexto, a população negra era sistematicamente excluída do gozo de direitos civis, sociais e políticos. A análise de Marx nos convida a pensar que há evidência que a exploração econômica estruturava a sociedade e era legitimada por uma superestrutura que consolidava o poder da minoria branca, demonstrando a relação direta entre desigualdade material e violação de direitos humanos.

2. Favelização no Brasil (século XX–XXI):
No Brasil contemporâneo, a desigualdade na infraestrutura econômica — marcada pela concentração de renda, pelo acesso desigual à terra urbana e pela precarização do trabalho — resulta na formação de favelas e em condições de vida insuficientes. A superestrutura, incluindo políticas habitacionais, legislação urbana e políticas públicas, muitas vezes reproduz privilégios de setores mais ricos e mantém barreiras ao acesso à moradia, saneamento, saúde e segurança. A precariedade material impede que direitos formalmente garantidos sejam efetivamente exercidos. Programas de regularização fundiária ou políticas de inclusão social podem atenuar essas desigualdades, mas permanecem insuficientes diante da concentração histórica de riqueza e das estruturas econômicas que sustentam a exclusão.

3. Escravidão no Brasil (séculos XVI a XIX):
O sistema escravista brasileiro oferece um exemplo extremo de como a infraestrutura econômica molda a superestrutura e impacta diretamente os direitos humanos. A economia colonial dependia do trabalho forçado de africanos e afrodescendentes em plantações de açúcar, café e mineração. Essa base econômica gerava riqueza concentrada nas mãos da elite proprietária, enquanto leis e instituições — códigos de escravidão, normas jurídicas e regulamentos sociais — garantiam a exploração e negavam cidadania, liberdade, propriedade e acesso à educação aos escravizados. A superestrutura servia para legitimar e manter a exploração econômica, demonstrando como a desigualdade estrutural se traduz diretamente em violações de direitos humanos.

4. Luta por terras no Brasil (século XX–XXI):
No Brasil, a concentração histórica de terras na mão de poucos latifundiários configura uma infraestrutura econômica desigual, moldando relações de produção agrícola e limitando o acesso de camponeses e trabalhadores rurais à terra. Essa desigualdade estrutural impacta diretamente direitos humanos fundamentais, como moradia digna, segurança alimentar e trabalho.

A superestrutura — composta por leis fundiárias, políticas públicas e instituições como o INCRA — nem sempre atua para corrigir essas desigualdades. Programas de reforma agrária existem, mas frequentemente são lentos ou insuficientes, e disputas jurídicas e pressões políticas favorecem os interesses da elite agrária. Nesse contexto, movimentos como o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) surgem como resposta à exclusão, pressionando por ocupações de terras improdutivas e acesso à produção agrícola, representando uma tentativa de intervir na infraestrutura econômica por meio da ação coletiva e reivindicações sociais.

O caso da luta por terras demonstra que, mesmo com direitos humanos garantidos formalmente (como o direito à moradia e à alimentação), a efetividade desses direitos depende da redistribuição econômica e da transformação das estruturas de poder, reforçando a importância da análise marxiana de infraestrutura e superestrutura para compreender desigualdades persistentes.



Diálogo entre os quatro casos: Infraestrutura, Superestrutura e Direitos Humanos

Os quatro casos — Apartheid na África do Sul, favelização no Brasil, escravidão no Brasil e luta por terras no Brasil — revelam como desigualdades econômicas estruturais (infraestrutura) moldam a vida social e condicionam o acesso aos direitos humanos, enquanto a superestrutura (leis, políticas, instituições e ideologias) pode tanto reforçar quanto contestar essas desigualdades.

1. Infraestrutura econômica e exploração:
Em todos os casos, a desigualdade na infraestrutura econômica cria as bases para exploração e exclusão social:

  • No Apartheid e na escravidão, a mão de obra era explorada para gerar riqueza concentrada nas mãos de uma minoria dominante.

  • Na favelização brasileira, a precariedade econômica impede o acesso a moradia, saneamento, educação e saúde.

  • Na luta por terras, a concentração fundiária impede que trabalhadores rurais exerçam direitos essenciais, como moradia, alimentação e trabalho digno.

A infraestrutura desigual determina, assim, quem tem acesso aos recursos e oportunidades e quem permanece marginalizado, mostrando a relação direta entre economia e direitos humanos.

2. Superestrutura e manutenção ou contestação da desigualdade:
A superestrutura — leis, instituições, políticas públicas e ideologias — pode reforçar ou mitigar desigualdades:

  • No Apartheid e na escravidão, a legislação e as normas sociais consolidavam a exploração e a exclusão, legitimando o poder da elite dominante.

  • Na favelização, políticas urbanas e programas de regularização fundiária podem reduzir desigualdades, mas muitas vezes favorecem setores mais ricos e não transformam a infraestrutura econômica subjacente.

  • Na luta por terras, instituições como o INCRA e a legislação fundiária atuam de forma ambígua: promovem reformas, mas enfrentam resistência da elite agrária, exigindo mobilização social para que os direitos humanos sejam efetivamente garantidos.

3. Direitos humanos condicionados às condições materiais:
Em todos os casos, os direitos humanos formais — como educação, moradia, liberdade ou alimentação — só se tornam efetivos quando há transformação material da infraestrutura:

  • Garantias legais sem redistribuição econômica permanecem insuficientes, como no caso da escravidão, favelização e luta por terras.

  • A efetividade dos direitos depende da correlação entre infraestrutura e superestrutura, da atuação do Estado e da mobilização social organizada.

4. Padrões comuns e implicações:

  • Exploração e exclusão são consequência da infraestrutura desigual.

  • Superestrutura pode reforçar ou reduzir desigualdades.

  • Direitos humanos dependem de transformação material e políticas públicas efetivas.

  • A mobilização social é crucial para intervir na infraestrutura econômica e pressionar a superestrutura a proteger direitos.

    A análise marxiana evidencia que os direitos humanos não podem ser vistos apenas como normas jurídicas ou ideais abstratos: eles são produtos das condições materiais da sociedade. Garantir direitos efetivos exige:

  1. Transformações econômicas profundas, reduzindo exploração e desigualdade;

  2. Políticas públicas e reformas institucionais, capazes de tornar direitos formais concretos;

  3. Mobilização social organizada, que pressione a superestrutura a atuar na proteção e expansão dos direitos humanos.

Dessa forma, o estudo desses quatro casos oferece uma perspectiva crítica para compreender como desigualdades econômicas e sociais estruturais continuam a impactar o acesso a direitos fundamentais, tanto no Brasil quanto internacionalmente.


Valor de Uso e Valor de Troca

Na obra Contribuição para a Crítica da Economia Política, Karl Marx inicia sua análise econômica a partir da mercadoria, considerada a célula fundamental da economia capitalista. Cada mercadoria possui dois aspectos essenciais que a definem: o valor de uso e o valor de troca.

1. Valor de uso
O valor de uso refere-se à utilidade concreta de uma mercadoria, ou seja, à sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana. Esse valor é qualitativo e material, determinado pelas propriedades físicas ou características da mercadoria que a tornam útil. Por exemplo, um vestido protege do frio, um alimento sacia a fome, e um livro fornece conhecimento. O valor de uso é inerente à mercadoria, independente de sua relação de troca no mercado, e está diretamente ligado à satisfação de necessidades humanas.

2. Valor de troca
O valor de troca representa a quantidade de outras mercadorias que podem ser obtidas em troca de uma mercadoria específica. Diferentemente do valor de uso, que é qualitativo, o valor de troca é relacional e quantitativo, sendo definido pelas relações sociais entre produtos no mercado. Ele só se manifesta na troca, e não na utilidade isolada do objeto. Por exemplo, se um quilo de trigo pode ser trocado por dois litros de leite, o valor de troca expressa essa proporção entre mercadorias distintas.

Relação entre os dois valores
Marx mostra que o valor de troca depende do valor de uso, mas vai além dele: enquanto o valor de uso se refere à utilidade concreta, o valor de troca reflete relações sociais e econômicas de produção, mediadas pelo trabalho humano incorporado na mercadoria. Essa distinção permite compreender como as mercadorias não são apenas objetos úteis, mas expressões de relações sociais de produção, onde o trabalho humano se torna a medida fundamental de valor, antecipando o conceito de valor-trabalho que Marx desenvolverá em seguida.

Após distinguir valor de uso e valor de troca, Marx introduz o conceito de valor-trabalho, que constitui o núcleo de sua crítica à economia capitalista.

1. Valor-Trabalho
O valor-trabalho afirma que o valor de uma mercadoria é determinado pelo trabalho socialmente necessário para produzi-la. Isso significa que o valor não é definido pela utilidade individual nem pela demanda do mercado isoladamente, mas pelo tempo de trabalho médio exigido em condições normais de produção. Esse conceito permite transformar o trabalho humano em medida de riqueza, mostrando que toda mercadoria carrega consigo uma porção de esforço humano materializado.

  • Trabalho socialmente necessário: Refere-se ao tempo de trabalho exigido sob condições normais de produção, utilizando técnicas correntes e intensidade habitual, e considerando a produtividade média.

2. Mais-Valia
A partir da análise do valor-trabalho, Marx identifica a mais-valia, que é a diferença entre o valor produzido pelo trabalhador e o valor que ele recebe em salário. Esse excedente é apropriado pelo capitalista, constituindo a base do lucro no capitalismo.

  • Exploração do trabalho: A mais-valia evidencia que o trabalhador não recebe integralmente o valor de seu esforço; a economia capitalista depende dessa apropriação do valor excedente para acumulação de capital.

3. Relação conceitual com valor de uso e valor de troca

  • Enquanto o valor de uso refere-se à utilidade concreta do produto, e o valor de troca expressa relações quantitativas no mercado, o valor-trabalho revela a fundação social e material do valor: o trabalho humano é a fonte de toda riqueza.

  • A mais-valia demonstra como, no capitalismo, essa riqueza não é distribuída proporcionalmente à contribuição do trabalhador, revelando a lógica de exploração que está oculta na simples aparência da troca mercantil.

4. Implicações conceituais
Essa análise permite compreender que:

  • A mercadoria é simultaneamente objeto útil e expressão de relações sociais de produção.

  • O capitalismo organiza a produção de forma a extrair valor do trabalho humano, escondendo essas relações por meio do fetichismo da mercadoria.

  • Valor, trabalho e mais-valia são conceitos centrais para entender a lógica econômica que sustenta desigualdades e exploração, fornecendo a base teórica para análises posteriores de infraestrutura, superestrutura e direitos humanos.


Dinheiro e Transformação em Capital

Após analisar a mercadoria e o valor, Marx discute o dinheiro como a forma de mercadoria universal. O dinheiro cumpre três funções essenciais na economia capitalista:

  1. Meio de circulação: Facilita a troca de mercadorias, funcionando como intermediário entre produtos distintos.

  2. Unidade de conta: Permite medir, comparar e expressar valores de mercadorias em uma referência comum.

  3. Reserva de valor: Possibilita acumulação e armazenamento de riqueza ao longo do tempo.

Essas funções tornam o dinheiro não apenas um instrumento de troca, mas também a base para a transformação em capital. Quando o dinheiro é empregado para comprar força de trabalho e meios de produção, ele deixa de ser um mero instrumento de troca e se torna ativo na produção de riqueza.

O capitalista, ao investir em trabalho e meios de produção, extrai mais-valia, que é a diferença entre o valor criado pelo trabalhador e o salário pago a ele. A mais-valia é a fonte do lucro no capitalismo, revelando a essência da exploração da classe trabalhadora.

Marx distingue ainda dois tipos de mais-valia:

  • Mais-valia absoluta: obtida pelo prolongamento da jornada de trabalho, aumentando o tempo em que o trabalhador produz valor sem receber correspondente remuneração.

  • Mais-valia relativa: obtida pelo aumento da produtividade, via aprimoramento técnico ou organização do trabalho, permitindo que o mesmo valor seja produzido em menor tempo.

Essa análise demonstra que, no capitalismo, o dinheiro e o capital não são neutros: são instrumentos que organizam a produção para maximizar a apropriação do trabalho humano, consolidando desigualdades e relações de exploração que são centrais para a compreensão da dinâmica econômica de Marx.


Quadro Didático: Conceitos de Valor e Exemplos Históricos/Contemporâneos

Conceito

Apartheid (África do Sul)

Favelização (Brasil)

Escravidão (Brasil)

Luta por Terras (Brasil)

Valor de Uso

O trabalho da população negra sustenta a economia, mas garante apenas sobrevivência mínima para os trabalhadores

Bens essenciais (moradia, água, energia) atendem necessidades básicas da população

Trabalho escravizado garante sobrevivência mínima, sem acesso a liberdade ou educação

A terra é essencial para moradia, produção de alimentos e subsistência dos camponeses

Valor de Troca

Trabalho humano explorado para gerar lucro e riqueza para a elite branca

Baixo valor de troca no mercado formal; precariedade econômica limita a apropriação de riqueza

Trabalho forçado altamente valorizado para gerar riqueza concentrada nas mãos dos senhores de escravos

Terra e trabalho possuem alto valor de troca para latifundiários, mas baixo para trabalhadores rurais sem acesso formal

Valor-Trabalho

O esforço humano incorporado ao trabalho é apropriado pela elite; a mercadoria (minérios, produtos agrícolas) contém trabalho socialmente necessário

O trabalho urbano e informal produz valor, mas não é remunerado de forma justa nem traduzido em acesso pleno a direitos

Toda mercadoria produzida pelo escravizado incorpora trabalho humano não pago

Trabalho camponês incorpora esforço humano para produção de alimentos, mas a apropriação desigual de terra limita retorno e direitos

Mais-Valia

Apropriação integral do excedente do trabalho gera lucro para a minoria branca

Trabalho mal remunerado e condições precárias geram lucro indireto para setores privilegiados

Extração total do valor produzido pelos escravizados

Extração de valor pela apropriação de terras improdutivas pelos latifundiários, enquanto trabalhadores sem terra não usufruem da riqueza produzida

Fonte: Elaboração da autora 

_________________________________________________________________________Análise Conceitual e Aplicação aos Casos Históricos e Contemporâneos

A análise da mercadoria e do valor permite compreender como a organização econômica molda as relações sociais e influencia diretamente o exercício dos direitos humanos. Cada mercadoria carrega em si uma dupla dimensão: valor de uso e valor de troca. O valor de uso refere-se à utilidade concreta do bem ou serviço, à sua capacidade de satisfazer necessidades humanas. Já o valor de troca expressa relações quantitativas entre mercadorias, refletindo relações sociais de produção e a apropriação desigual do trabalho humano. Essa distinção torna visível a forma como o capitalismo transforma necessidades e trabalho em mercadorias que podem ser exploradas economicamente, ao mesmo tempo em que molda estruturas sociais e jurídicas que legitimam essa exploração.

Nos quatro exemplos analisados, a interação entre valor de uso, valor de troca, valor-trabalho e mais-valia manifesta-se de maneira explícita:

No Apartheid da África do Sul, o valor de uso do trabalho negro era essencial para sustentar setores econômicos estratégicos como mineração e agricultura, garantindo a sobrevivência básica dos trabalhadores, mas sem assegurar direitos civis, sociais ou políticos. O valor de troca, por sua vez, evidenciava como a força de trabalho era convertida em lucro e riqueza concentrados nas mãos da minoria branca, enquanto a população negra recebia apenas uma fração do valor produzido. O trabalho socialmente necessário, incorporado às mercadorias, era apropriado de forma desigual, produzindo uma mais-valia integral para os capitalistas locais, consolidando a exploração econômica e a opressão institucionalizada.

Na favelização contemporânea no Brasil, o valor de uso dos bens e serviços — moradia, saneamento, água, energia — é muitas vezes inadequado ou insuficiente, refletindo a precariedade material da população. O valor de troca, embora exista no mercado, não garante aos moradores acesso proporcional à riqueza produzida, evidenciando a reprodução de desigualdades. O trabalho urbano e informal gera valor socialmente necessário, mas a apropriação dessa riqueza permanece concentrada em setores privilegiados. A mais-valia manifesta-se na exploração indireta, por meio da sub-remuneração, precarização do trabalho e ausência de políticas públicas efetivas que transformem o esforço produtivo em direitos concretos, como moradia digna, saúde e educação.

O sistema escravista brasileiro apresenta uma manifestação extrema desses conceitos. O valor de uso do trabalho forçado de africanos e afrodescendentes era convertido em produção agrícola e mineral que sustentava a economia colonial. O valor de troca refletia diretamente o lucro concentrado na elite proprietária, enquanto os escravizados não recebiam nenhuma parcela proporcional do valor produzido. Todo trabalho incorporado às mercadorias era apropriado de forma integral, gerando uma mais-valia total para os senhores de escravos, evidenciando uma exploração sem precedentes. Nesse contexto, direitos fundamentais como liberdade, cidadania, educação e propriedade eram sistematicamente negados, demonstrando a íntima relação entre estrutura econômica e limitação de direitos humanos.

Na luta por terras no Brasil, a desigualdade histórica na distribuição de terras molda o valor de uso da terra para os trabalhadores rurais, afetando diretamente a possibilidade de subsistência, produção alimentar e acesso a moradia digna. O valor de troca da terra favorece os latifundiários, que controlam grandes propriedades improdutivas e lucram com o mercado fundiário. O trabalho socialmente necessário dos camponeses gera riqueza e alimentos, mas grande parte dessa mais-valia é apropriada por estruturas dominantes, enquanto o acesso a direitos como reforma agrária e segurança alimentar permanece limitado. Movimentos como o MST representam tentativas de intervenção coletiva na infraestrutura econômica, buscando transformar a apropriação desigual do valor-trabalho em direito concreto à terra e à produção.

Essa análise evidencia que, em todos os casos, o valor-trabalho e a mais-valia não são abstrações econômicas, mas mecanismos que explicam a apropriação desigual do esforço humano e o impacto direto na efetividade dos direitos humanos. O valor de uso, por si só, não garante que as necessidades humanas sejam satisfeitas; é a relação entre valor de troca, apropriação do trabalho e a organização da produção que determina quem tem acesso aos recursos e direitos fundamentais.

A compreensão desses conceitos permite estabelecer um diálogo crítico entre economia, política e direitos humanos. Revela-se que garantias formais de direitos, como cidadania, moradia ou acesso à educação, são insuficientes sem transformações na infraestrutura econômica e sem mecanismos que corrijam a apropriação desigual do valor produzido. Assim, a análise conceitual da mercadoria e do valor fornece ferramentas teóricas para interpretar como desigualdades estruturais se reproduzem e como é possível intervir social e politicamente para ampliar a efetividade dos direitos humanos.


Crítica ao Capitalismo, Contradições Internas e Direitos Humanos

A obra evidencia que o capitalismo contém contradições estruturais que geram crises periódicas e perpetuam desigualdades sociais. Essas contradições não são falhas acidentais, mas características intrínsecas do sistema, que moldam relações de produção, distribuição de riqueza e o exercício efetivo da cidadania e dos direitos humanos. Entre as principais contradições, destacam-se:

  • Concentração de riqueza e exploração do trabalho: O capital tende a se acumular nas mãos de uma minoria, enquanto a maioria da população permanece dependente da venda de sua força de trabalho. Essa desigualdade estrutural limita o acesso à cidadania plena, prejudicando direitos humanos básicos, como moradia digna, educação, saúde e participação política. Exemplos históricos e contemporâneos incluem a escravidão no Brasil, o Apartheid na África do Sul, a favelização urbana e a luta por terras no país, todos contextos em que a cidadania formal existia apenas parcialmente, enquanto a efetividade dos direitos era sistematicamente negada.

  • Mecanização e aumento da produtividade: O avanço tecnológico e a reorganização do trabalho aumentam a produtividade, mas podem reduzir o valor do trabalho individual e gerar desemprego estrutural. Esse fenômeno compromete o direito ao trabalho digno, à renda e à segurança econômica, evidenciando a tensão entre as necessidades humanas e a lógica de acumulação capitalista, que prioriza lucro sobre o bem-estar social.

  • Antagonismo entre necessidades humanas e lógica de acumulação: O sistema capitalista prioriza a apropriação de riqueza e a acumulação de capital sobre a satisfação das necessidades sociais. Essa contradição afeta diretamente a efetivação dos direitos civis, sociais e culturais. No Brasil, por exemplo, políticas públicas habitacionais ou de reforma agrária nem sempre conseguem compensar a desigualdade material, limitando a cidadania efetiva de populações marginalizadas.

Essas contradições estruturais geram lutas sociais e de classes, mobilizações coletivas e movimentos reivindicatórios que buscam transformar as condições materiais e garantir o acesso efetivo à cidadania e aos direitos humanos. A análise evidencia que o capitalismo não é apenas uma organização econômica, mas um sistema social cujas regras determinam quem tem acesso à efetivação dos direitos, à participação social e à redistribuição de recursos essenciais para a vida digna.

Importância Teórica e Atualidade

Embora tenha sido publicada no século XIX, Contribuição para a Crítica da Economia Política continua extremamente relevante, fornecendo ferramentas conceituais para analisar a lógica econômica que sustenta desigualdades e exploração, inclusive em contextos contemporâneos.

A obra permite compreender a exploração do trabalho nos tempos atuais, evidenciada na precarização, terceirização, informalidade e novas formas de economia digital, em que grande parte da força de trabalho realiza tarefas essenciais sem acesso a direitos trabalhistas plenos, proteção social ou remuneração proporcional ao valor produzido.

Também contribui para analisar a produção e reprodução da desigualdade econômica e social em escala global. A concentração de riqueza em corporações multinacionais, a dependência estrutural de países periféricos e as disparidades regionais refletem a persistência das contradições entre infraestrutura econômica e superestrutura social, política e jurídica, mostrando que garantias formais de direitos humanos muitas vezes permanecem ineficazes.

Além disso, a obra permite compreender a inter-relação entre economia, política e ideologia, evidenciando como interesses econômicos estruturam instituições, legislação e normas culturais. Essa perspectiva crítica explica por que políticas públicas nem sempre efetivam direitos civis, sociais e culturais, e por que lógicas de mercado frequentemente se sobrepõem às necessidades humanas.

Por fim, a obra prepara o terreno para O Capital, aprofundando conceitos como mais-valia, capital constante e variável, reprodução ampliada do capital e acumulação primitiva, fornecendo fundamentos teóricos essenciais para análises sobre desigualdade, exploração e direitos humanos no mundo contemporâneo.

Integração Conceitual e Atualidade dos Exemplos

A análise de valor de uso, valor de troca, valor-trabalho e mais-valia permite compreender como a exploração econômica se manifesta de forma concreta nos quatro casos estudados.

No Apartheid na África do Sul, o trabalho da população negra gerava riqueza para a minoria branca, enquanto a legislação e a segregação urbana transformavam essa exploração em negação sistemática de direitos civis, sociais e econômicos. Nas favelas brasileiras, a precariedade material e o acesso desigual à terra e à moradia mostram que, embora direitos à educação, saúde e moradia sejam garantidos formalmente, a infraestrutura econômica limitada impede o exercício pleno desses direitos, evidenciando a relação entre valor-trabalho e desigualdade social.

No sistema escravista brasileiro, a mercadoria humana — a força de trabalho dos escravizados — tinha valor de uso para o produtor e valor de troca no mercado, enquanto a mais-valia era integralmente apropriada pelos proprietários, negando liberdade, cidadania e acesso à educação. Na luta por terras contemporânea, a concentração fundiária limita o valor de uso do solo e da força de trabalho agrícola, enquanto a superestrutura legal e política atua de forma insuficiente para corrigir essas desigualdades, mantendo a exploração e dificultando o acesso a direitos fundamentais, como segurança alimentar, moradia e trabalho digno.

Esses exemplos evidenciam que o capitalismo organiza a produção de forma a extrair valor do trabalho humano, e que direitos humanos e cidadania só se tornam efetivos quando há transformações na infraestrutura econômica e quando a superestrutura — leis, políticas públicas e instituições — atua para reduzir desigualdades. Assim, a obra fornece uma lente crítica para analisar a persistência das desigualdades, o impacto da exploração econômica sobre a vida social e a necessidade de políticas que efetivamente garantam direitos e cidadania no mundo contemporâneo.

Novas Abordagens e Perspectivas Interseccionais

As teorias desenvolvidas na obra não se limitam à análise econômica do século XIX. Ao mostrar como a infraestrutura econômica molda a superestrutura social, jurídica e ideológica, Marx oferece ferramentas para compreender que desigualdades não surgem apenas de escolhas individuais, mas de estruturas materiais e relações de poder profundamente enraizadas.

Essa perspectiva abre espaço para repensar abordagens contemporâneas, como interseccionalidade, gênero, raça e outras formas de opressão, reconhecendo que desigualdades econômicas interagem com hierarquias sociais múltiplas. Por exemplo, a precarização do trabalho pode afetar de maneira diferenciada mulheres, pessoas negras e povos indígenas, mostrando que a exploração capitalista se articula com estruturas de discriminação social. Assim, conceitos como valor-trabalho e mais-valia ajudam a analisar não apenas a apropriação econômica, mas também como certas populações são historicamente marginalizadas no acesso a direitos humanos e à cidadania plena.

Portanto, a obra continua atual, oferecendo uma base teórica para pensar políticas públicas e intervenções sociais que considerem a complexidade das desigualdades contemporâneas, unindo análises econômicas com dimensões de gênero, raça e outras formas de exclusão, promovendo direitos humanos efetivos e justiça social.


A Importância Contemporânea de Contribuição para a Crítica da Economia Política para Direitos Humanos e Pesquisa Epistemológica

A obra Contribuição para a Crítica da Economia Política permanece hoje como uma referência fundamental não apenas para a análise econômica, mas também para a compreensão das condições estruturais que moldam a efetividade dos direitos humanos. Ao revelar como o valor das mercadorias se estrutura a partir do trabalho socialmente necessário e como a mais-valia transforma o trabalho humano em fonte de riqueza apropriada por uma minoria, a obra fornece ferramentas para compreender a persistência de desigualdades e a vulnerabilidade de amplos setores da população em acessar direitos civis, sociais e culturais.

A análise conceitual de valor de uso, valor de troca, valor-trabalho e mais-valia mostra que os direitos humanos não podem ser tratados como garantias abstratas ou meramente legais. Sem considerar a infraestrutura econômica que sustenta a produção social, políticas de direitos humanos podem permanecer formalmente vigentes, mas ineficazes na prática. Por exemplo, o direito à moradia, à alimentação e à educação depende de transformações estruturais na propriedade, distribuição de riqueza e organização do trabalho, e não apenas de legislações ou programas assistenciais pontuais. Nesse sentido, a obra oferece uma lente crítica para a investigação das condições materiais que possibilitam ou limitam o exercício da cidadania.

Além disso, o trabalho de Marx apresenta uma perspectiva epistemológica essencial para pesquisadores contemporâneos. Ele demonstra que a análise de fenômenos sociais deve ir além da superfície das relações jurídicas e culturais, interrogando as estruturas materiais subjacentes que determinam padrões de poder e desigualdade. Isso inspira abordagens metodológicas que consideram relações interseccionais, incorporando gênero, raça, etnia e outras formas de exclusão social, mostrando como essas dimensões se articulam com processos econômicos e de produção de valor. Assim, a obra contribui para um conhecimento crítico, capaz de questionar categorias aparentemente neutras e revelar contradições e tensões estruturais.

A relevância contemporânea da obra também se manifesta na análise de crises sociais, econômicas e políticas. A compreensão das contradições internas do capitalismo, como a concentração de riqueza, a exploração do trabalho e a tendência de desemprego estrutural, fornece elementos para interpretar fenômenos atuais, incluindo precarização laboral, informalidade, subemprego e desigualdades globais. Ao relacionar essas dinâmicas com a efetividade dos direitos humanos, a obra aponta que a cidadania plena só é alcançável quando políticas públicas e instituições enfrentam as causas estruturais da desigualdade.

Finalmente, a obra tem uma dimensão crítica e emancipatória. Ela não se limita a descrever o funcionamento do capitalismo; propõe uma reflexão sobre como a sociedade poderia reorganizar suas estruturas econômicas, sociais e políticas para garantir acesso efetivo aos direitos humanos. Para pesquisadores, essa perspectiva epistemológica oferece um quadro analítico que integra economia, política, cultura e ética social, permitindo estudos que ultrapassam análises superficiais e abordam a complexidade das relações entre poder, exploração e cidadania.

Em síntese, Contribuição para a Crítica da Economia Política permanece atual e indispensável para pensar direitos humanos e cidadania de forma materialmente fundamentada, crítica e interseccional. Para pesquisadores, fornece ferramentas conceituais e metodológicas para investigar desigualdades, avaliar a eficácia das políticas públicas e compreender os mecanismos estruturais que moldam a vida social contemporânea. É, portanto, uma obra de referência não apenas histórica ou econômica, mas epistemológica, oferecendo bases sólidas para estudos críticos sobre justiça social, direitos humanos e cidadania plena.


Comentário sobre o ensaio “Sobre epistemologia marxista – Marx como eterno aprendiz” de Pedro Demo (2025)

O ensaio de Pedro Demo (2025) propõe uma releitura contemporânea de Marx, destacando-o como eterno aprendiz. Demo argumenta que Marx frequentemente é mal interpretado como clássico determinista ou positivista, quando, na realidade, sua obra evidencia uma constante reflexão metodológica e epistemológica. Segundo Demo, Marx nos convida a reconstruir suas análises para os tempos atuais, sobretudo diante de novos desafios como a decolonialidade, a interseccionalidade e as transformações do capitalismo neoliberal.

Testamento metodológico

Demo enfatiza o “testamento metodológico” de Marx na Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), no qual Marx articula a sociedade em infraestrutura econômica e superestrutura política, jurídica e ideológica. A relação entre essas instâncias é determinante, mas não mecânica; a superestrutura tem relativa autonomia e pode retroalimentar a base econômica. A ideologia, nesse sentido, não é mera falsidade, mas expressão das relações de produção e campo de disputa política, antecipando conceitos como a hegemonia de Gramsci.

Althusser e a releitura científica

Demo destaca Althusser como intérprete central para compreender Marx como cientista social. Althusser distingue fases ideológicas e científicas na obra de Marx, introduzindo conceitos como sobredeterminação e os aparelhos ideológicos do Estado, permitindo uma análise mais estruturada da complexidade social. Para Demo, essa releitura evidencia que Marx não se limitou a um determinismo econômico, mas desenvolveu uma abordagem dialética e aberta às contradições históricas.

Marx como aprendiz eterno

A maior contribuição destacada por Demo é a compreensão de Marx como aprendiz constante. Desde a juventude até a velhice, Marx revisou conceitos, aperfeiçoou métodos e incorporou críticas à prática política. Ao tratar da Crítica ao Programa de Gotha e da experiência da Comuna de Paris, Demo mostra como Marx equilibrou condições objetivas e subjetivas, enfatizando a importância do protagonismo dos trabalhadores e rejeitando soluções simplistas ou igualitaristas absolutas.

O ensaio de Pedro Demo reforça que a obra de Marx deve ser reconstruída para o presente, reconhecendo sua historicidade e complexidade. Marx não é um dogma, mas uma ferramenta epistemológica para compreender as transformações sociais, econômicas e políticas, sendo, como Demo enfatiza, um eterno aprendiz, cuja reflexão permanece relevante para novas utopias e práticas emancipadoras.


Conclusão 

A análise desenvolvida ao longo deste ensaio evidencia que Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859) de Karl Marx permanece como um instrumento crítico essencial para compreender a inter-relação entre economia, política e direitos humanos. Ao distinguir infraestrutura econômica e superestrutura social, Marx revela que a efetividade dos direitos humanos não se sustenta apenas em normas legais ou declarações abstratas, mas depende de transformações concretas nas relações de produção e na distribuição material da riqueza. A exploração do trabalho, a concentração de capital e a marginalização estrutural de populações historicamente excluídas demonstram que desigualdades econômicas geram limitações concretas ao exercício pleno da cidadania.

Os exemplos históricos e contemporâneos analisados — apartheid na África do Sul, favelização urbana, escravidão e luta por terras no Brasil — ilustram a relação intrínseca entre valor-trabalho, mais-valia e apropriação desigual de recursos, confirmando que direitos humanos formais podem permanecer ineficazes sem transformação estrutural. Ao mesmo tempo, políticas públicas, mobilização social e reformas institucionais mostram que a superestrutura possui relativa autonomia e pode atuar para mitigar desigualdades, embora sua capacidade de mudança dependa da pressão organizada e da consciência crítica da sociedade.

O comentário sobre o ensaio de Pedro Demo (2025) reforça a dimensão epistemológica desta análise. Marx é apresentado como eterno aprendiz, cuja obra deve ser reinterpretada continuamente à luz de novos contextos históricos, desafios sociais e formas contemporâneas de exploração. Essa perspectiva metodológica e crítica evidencia que Marx não oferece respostas prontas, mas ferramentas para compreender e intervir nas contradições estruturais do capitalismo, articulando análise econômica, crítica social e reflexão sobre direitos humanos.

Portanto, a obra de Marx permanece não apenas relevante, mas indispensável para pesquisadores e ativistas que buscam compreender e transformar a realidade social. A efetividade dos direitos humanos, a justiça social e a cidadania plena dependem da articulação entre análise crítica, transformação da infraestrutura econômica e ação na superestrutura política e cultural. Em última instância, este ensaio reforça que pensar Marx hoje é pensar a emancipação material, a justiça social e a construção de sociedades mais equitativas, numa prática epistemológica que alia teoria, crítica e intervenção social.



Referência ABNT:
MARX, Karl. Contribuição para a Crítica da Economia Política. Hamburgo: Meissner, 1859.

DEMO, Pedro. Marx como eterno aprendiz: sobre epistemologia marxista. Ensaio 1352. 2025. Disponível em: https://pedrodemo.blogspot.com/2025/10/ensaio-1352-sobre-epistemologia.html. Acesso em: 20 out. 2025.


Como citar:

CASTRO, Vanessa Maria de. A Contribuição para a Crítica da Economia Política: Capital (Karl Marx - 1859), Exploração e Direitos Humanos. Palavra em Transe, Brasília, 20 out. 2025. Disponível em: https://palavraemtranse.blogspot.com/2025/10/a-contribuicao-para-critica-da-economia.htmlAcesso em: 20 out. 2025.


Autoria: 

Sou Vanessa Maria de Castro, professora da Universidade de Brasília e psicanalista. Neste ensaio, proponho uma análise crítica da obra de Karl Marx, com ênfase em A Contribuição para a Crítica da Economia Política (1859), articulando conceitos de exploração, economia política e direitos humanos. Busco compreender como Marx examina as relações de produção e as estruturas sociais que sustentam a exploração econômica, e como essas análises podem dialogar com questões contemporâneas de direitos humanos e justiça social. O ensaio explora as conexões entre teoria econômica, crítica social e práticas de cidadania, destacando a relevância da obra de Marx para a reflexão sobre desigualdade e transformação social.


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