Bolsonaro Está Preso, mas Suas Ideias Continuam Livres: os Sombrios Ecos que Ameaçam a Democracia
Bolsonaro Está Preso, mas Suas Ideias Continuam Livres: os Sombrios Ecos que Ameaçam a Democracia
Vanessa Maria de Castro
Brasília, 22 de Novembro de 2025.
A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, no dia 22 de novembro de 2025, um sábado, às 6h da manhã, em Brasília, não encerra um ciclo. Ao contrário, reflete um dos momentos mais delicados da experiência democrática brasileira após a nova República: a coexistência paradoxal entre a responsabilização de um indivíduo e a permanência viva, orgânica e disseminada das ideias que ele encarnou. A prisão de Bolsonaro não encerra um ciclo, mas é um resgate da justiça e uma reafirmação de que o Estado de Direito pode, sim, corrigir os abusos do poder. Mesmo com a continuidade das ideias que ele propagou — de autoritarismo, negação da ciência e da democracia — a prisão de um ex-presidente por suas ações antidemocráticas é um marco simbólico que fortalece a democracia. Não se trata apenas de uma prisão física, mas da afirmação de que ninguém está acima da lei, e que, mesmo diante das adversidades, a democracia tem a capacidade de se reafirmar e de responsabilizar aqueles que a ameaçam.
O que está em jogo não é apenas a queda de um homem que, durante anos, ocupou o centro do poder institucional, promovendo discursos de desprezo pela vida humana — evidenciado principalmente pela condução desastrosa da pandemia de COVID-19 e pela negligência frente às medidas de proteção à população —, pela banalização da morte e pela erosão sistemática dos limites republicanos.
O que está em jogo é algo mais profundo: o corpo físico de Bolsonaro pode ser contido, mas o corpo simbólico que ele encarnou permanece em circulação. A prisão é um ato jurídico, uma resposta do Estado à responsabilização de um indivíduo por suas ações. Bolsonaro está preso, mas suas ideias estão livres — autoritarismo, negacionismo, desrespeito às instituições e polarização continuam circulando na sociedade, exigindo vigilância constante para que não corroam o tecido democrático.
Este é o ponto central.
Bolsonaro não foi apenas um governante. Ele foi — e continua sendo — um operador de identificações. Sua força política jamais esteve somente em sua competência administrativa, mas na sua capacidade de encarnar fantasias coletivas de ódio, ressentimento, autoritarismo e desejo de ordem pela violência. A psicanálise ajuda a compreender que a adesão não se estrutura apenas no campo da razão, mas da pulsão, do pertencimento, do gozo político: ele não era apenas seguido, era investido libidinalmente como figura totêmica de um mal-estar social.
Por isso, sua prisão não significa o fim do fenômeno. O líder pode cair, mas o discurso segue. A massa já foi formada. O imaginário foi semeado.
A democracia, quando saudável, sustenta o dissenso. Mas quando ferida, passa a conviver com inimigos internos que não operam apenas pelas vias institucionais, mas sobretudo pelo simbólico: pela linguagem, pela repetição, pela naturalização da violência como forma de projeto político.
E o calendário intensifica esse risco.
Com a proximidade de um novo ciclo eleitoral, em 2026, os projetos autoritários não precisam mais do líder original para se reproduzirem. Eles sobrevivem por meio de herdeiros simbólicos, figuras de substituição, discursos remodelados. O inimigo não desaparece com a prisão. Ele se rearticula, se reorganiza, aprende.
Bolsonaro foi preso preventivamente pelo STF, após ser condenado a 27 anos e 3 meses por envolvimento em uma trama para golpe de Estado, incluindo crimes como organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático, dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado, com a decisão também fundamentada em risco de fuga, violação da tornozeleira eletrônica e possibilidade de apoio de vigílias, mesmo após ter cumprido medidas cautelares em prisão domiciliar.
Esses crimes, entre outros, são parte do vasto leque de acusações que mostram a magnitude dos danos causados por sua gestão. Sua prisão, embora tardia, representa uma tentativa de responsabilização por atos que prejudicaram a nação, a democracia e os direitos humanos.
A prisão como marco de justiça: reafirmando limites do poder
A prisão de Bolsonaro, longe de ser uma celebração, deve ser compreendida como um marco de justiça. Não é uma redenção completa para as vítimas da pandemia nem para as profundas feridas abertas no tecido democrático, mas representa uma resposta institucional a um governo que, entre tantas outras falhas, desrespeitou a vida humana, a dignidade e a própria Constituição. Essa prisão reafirma um princípio essencial: que o poder, por mais elevado que seja, não está acima da justiça.
A prisão não resolve todos os problemas, não repara os danos irreparáveis causados, mas sinaliza que, ao menos em parte, a justiça está sendo feita. Em um país com tantos episódios de impunidade, especialmente entre as elites políticas, a prisão de Bolsonaro oferece um ponto de inflexão simbólico, algo que pode abrir caminho para a reconstrução moral e ética da nação.
É importante reconhecer a relevância do dia de hoje: não se comemora a prisão em si, mas se marca o resgate da democracia que ele tentou confiscar no dia 8 de janeiro e ao longo de todo o seu mandato, entre 2019 e 2022. Trata-se de reconhecer a importância institucional do ato, de afirmar que a justiça está sendo feita, ainda que de forma incompleta, e de demonstrar que o processo judicial, ao contrário do que muitos temiam, não foi obstruído pela impunidade ou pela blindagem política. Reconhecer, sobretudo, que a democracia não está morta e que sua sobrevivência depende da vigilância, da memória e da responsabilidade que os cidadãos e as instituições têm para com a verdade e a justiça.
A democracia, apesar dos ataques, sobreviveu e se fortalece no dia de hoje; as ideias que a ameaçam seguem em circulação, mas a prisão de Bolsonaro, como ato de justiça, é um sinal de que a luta pelos direitos humanos e em defesa da democracia não acabou.
Conclusão
A prisão de Bolsonaro, embora tardia, é um marco de justiça e um sinal de que a democracia, apesar de ferida, sobrevive e se fortalece. A luta pela dignidade humana e pela preservação da ordem democrática continua viva, e a responsabilidade dos cidadãos e das instituições é fundamental para garantir que os ideais democráticos prevaleçam. A democracia brasileira não pode ser definida pela prisão de um líder, mas pela capacidade do povo e das instituições em se reerguer e se fortalecer diante dos desafios impostos pela polarização, autoritarismo e desinformação. O dia de hoje marca um momento simbólico importante, não de celebração, mas de reafirmação dos valores que devem guiar o Brasil em sua reconstrução moral e ética.
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Como citar
Castro, Vanessa Maria de. Bolsonaro Está Preso, mas Suas Ideias Continuam Livres: os Sombrios Ecos que Ameaçam a Democracia. Palavra em Transe, 22 nov. 2025. Disponível em: https://palavraemtranse.blogspot.com/2025/11/bolsonaro-esta-preso-mas-suas-ideias.html
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Autora:
Sou Vanessa Maria de Castro, professora da Universidade de Brasília e psicanalista. Escrevo este ensaio movida pela necessidade de refletir sobre os desafios que a democracia brasileira enfrenta, destacando como as ideias autoritárias que ameaçam nossos direitos continuam a circular, mesmo após a prisão de Bolsonaro.
Essa reflexão me faz ainda acreditar na democracia. Mesmo consciente que é um termo abstrato para a maioria de nós brasileiros. 😍
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